1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
ConflitosIsrael

Como está a situação humanitária na Faixa de Gaza

Silja Thoms
5 de novembro de 2023

Medicamentos, água, combustível: falta tudo no território palestino. Organizações de ajuda humanitária falam em cenário "catastrófico", hospitais sobrecarregados e mantimentos insuficientes.

https://p.dw.com/p/4YQqa
Três homens sentados sobre escombros que restaram após o bombardeio ao campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza
Sobreviventes do bombardeio ao campo de refugiados de Jabalia entre o luto e a frustraçãoFoto: Bashar Thaleb/AFP

Desde o atentado terrorista de 7 de outubro cometido pelo Hamas contra Israel, o país reage na Faixa de Gaza com ataques retaliatórios contra o grupo radical islâmico, classificado como organização terrorista por Estados Unidos e outros países do Ocidente.

De lá para cá, a situação dos civis que vivem no enclave palestino piorou.

Diretor da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA), Philippe Lazzarini descreve a situação humanitária na região como "catastrófica". Segundo ele, faltam medicamentos, comida, água e combustível; milhares de pessoas desesperadas acudiram em pânico aos armazéns e centros de distribuição da agência.

Organizações internacionais ressaltam a necessidade urgente de suprimentos, e afirmam à DW que pouca coisa tem entrado em Gaza.

Com o território praticamente inteiro isolado, não é possível verificar muitas informações de forma independente, o que torna a situação difícil de avaliar. Por esse motivo, a DW depende largamente de informações fornecidas pelas organizações de apoio humanitário.

Diretor de Cooperação Internacional na Cruz Vermelha alemã, Christof Johnen diz que trabalhadores vindos de fora não conseguem entrar em Gaza. "Muitos palestinos e palestinas voluntários assumiram boa parte do trabalho, e o fazem sob enormes riscos."

Como a ajuda chega a Gaza?

Os carregamentos vêm de diferentes países e são entregues primeiro ao Egito. De lá, normalmente seguem em caminhões até a fronteira, na passagem de Rafah. No lado de Gaza, os mantimentos seriam carregados em outro caminhão para continuar a viagem. No destino, órgãos da ONU e de outras entidades, como a Cruz Vermelha, são encarregados do recebimento do material e da distribuição a hospitais e instalações da ONU.

Essa distribuição, porém, é dificultada porque as estradas no lado palestino estão parcialmente destruídas ou bloqueadas por escombros. Isso, segundo Johnen, inviabiliza a entrega de mantimentos da Cruz Vermelha alemã e da Sociedade do Crescente Vermelho palestino.

Membros da Sociedade do Crescente Vermelho palestino carregam mantimentos em um caminhão
Segundo as Nações Unidas, volume da ajuda humanitária enviada a Gaza ainda é "insuficiente"Foto: Ashraf Amra/Anadolu Agency/picture alliance

A isso somam-se as condições impostas por Israel para a entrega da ajuda humanitária: o país quer ter a garantia de que os carregamentos não cairão nas mãos do Hamas – principalmente combustível, que poderia ser usado para fins militares.

Nos últimos dez dias, o país permitiu a entrada em Gaza de mais de 200 caminhões com comida e medicamentos vindos de Rafah – nenhum deles transportava combustível.

Organizações de apoio humanitário afirmam que os carregamentos até agora não chegam nem perto de suprir a necessidade.

Porta-voz da Unicef, Toby Fricker diz à DW que seriam necessários pelo menos 100 caminhões por dia para atender às necessidades das mais de 2 milhões de pessoas que vivem na Faixa de Gaza.

Como as pessoas se comunicam na Faixa de Gaza?

A Paltel, empresa de telecomunicações palestina, informou na semana passada que as redes de telefonia e internet em toda a região colapsaram quase totalmente, e atribuiu o problema a bombardeios israelenses – informação que não é possível verificar de forma independente.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos da ONU como a Unicef, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa Mundial de Alimentos (WFP), bem como as ONGs Save the Children e o Conselho Norueguês de Refugiados (NRC) afirmaram no mesmo período terem perdido contato com funcionários por até 24 horas.

Poucos dias após os serviços de telecomunicação terem sido parcialmente restaurados, a organização de vigilância de rede Netblocks.org informou sobre outro blackout que durou algumas horas – o que, nas palavras da entidade, significa uma "interrupção total das telecomunicações" para a maioria da população em Gaza.

As interrupções na internet dificultam o trabalho das organizações de apoio humanitário. A comunicação com as equipes por serviços de rádio seria muito precária, afirma Johnen, da Cruz Vermelha. A isso soma-se o fato de que pessoas em situação de emergência ficam sem ter como acionar ambulâncias, inviabilizando a prestação de primeiros socorros.

Por isso, os trabalhadores da saúde posicionam ambulâncias em diferentes locais em Gaza, e a população tenta informá-los onde estão os feridos. "Mas essas são condições extremamente difíceis, acima de tudo para os socorristas, porque não há garantias de segurança, nem proteção", ressalta Johnen.

Como as pessoas em Gaza conseguem água?

"O abastecimento de água é, de fato, muito precário e insuficiente", afirma Johnen. Cenário semelhante é confirmado pela ONG Save the Children: "Muitos se veem forçados a recorrer a fontes de água suja. Isso pode levar a um surto de doenças." Para crianças, um cenário desses poderia ser fatal.

Há, segundo informações do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, três tubulações de água israelenses que abastecem o norte, o centro e o sul da Faixa de Gaza. Após o ataque do Hamas, o ministro israelense de Energia, Israel Katz, chegou a anunciar que nenhum cano seria aberto até que os reféns sequestrados pelo grupo voltassem para casa. Posteriormente, o próprio governo informou ter retomado o abastecimento parcialmente. Um relatório divulgado em 02/11 pela UNRWA, porém, afirma não haver água em nenhuma das três tubulações.

Homem enche dois galões de água no mar em Gaza
Civis em Gaza mal têm acesso a água potávelFoto: Mustafa Hassona/Anadolu/picture alliance

A população em Gaza também depende de plantas dessalinizadoras, poços e reservas de água. Mas também aqui a situação é difícil. As águas de poços não é limpa. "É uma água suja e frequentemente muito, muito salina", afirma Fricker, da Unicef.

A única fonte de água natural da Faixa de Gaza é o aquífero costeiro, uma camada subterrânea de pedra que contém água e se estende ao longo da costa oeste do Mediterrâneo desde o norte da península do Sinai, no Egito, até Israel. Mas só 4% dessa água é potável, segundo dados do Banco Mundial. Não é raro que pessoas esperem por horas em uma das poucas estações de água para encher galões trazidos de casa ou receber água engarrafada de organizações de apoio humanitário.

Pelas estimativas da OMS, há atualmente em Gaza apenas três litros de água por dia, por pessoa. Mas o mínimo, segundo Fricker, seriam 15 litros: para beber, cozinhar e manter a higiene.

Como a falta de combustível impacta as pessoas em Gaza?

No início de outubro, a companhia palestina de energia anunciou que a única usina de Gaza teria sido desligada por falta de combustível e nenhuma energia poderia ser mais gerada. Israel acusa o Hamas, que controla Gaza, de manter um estoque de "1 milhão de litros" de combustível e não disponibilizá-lo à população. Essas informações não podem ser verificadas de forma independente.

Fato é que o combustível é um bem essencial para a população de Gaza, já que ele é necessário para, entre outras coisas, assegurar o fornecimento de energia. A UNRWA reforçou diversas vezes pedidos para que combustível fosse entregue à região. Hospitais precisam dele para, por exemplo, manter geradores que garantem a operação de máquinas essenciais para a sobrevivência de pacientes.

O Programa Mundial de Alimentos, da ONU, também alertou que as padarias parceiras da entidade não poderiam mais operar sem combustível. Procurada pela DW, a organização informou que, por ora, pode fornecer pão diariamente apenas a 20 mil pessoas – no início da crise, eram 200 mil.

Também o acesso a água potável é dificultado pela falta de combustível, necessário para gerar a energia das plantas dessalinizadoras e bombear água do solo. Como atualmente o fornecimento de energia é instável e não entra combustível em Gaza, isso também significa, segundo Johnen, que não há como gerar água limpa – o representante da Cruz Vermelha, contudo, afirmou que não tem estimativas sobre a quantidade de combustível disponível no território.

Procurada pela DW, a UNRWA afirma que há um mês não entra combustível em Gaza. De acordo com informações de agências de notícias, porém, as forças israelenses sinalizaram que permitiriam o fornecimento de combustível a hospitais.

Como está a situação nos hospitais de Gaza?

Christian Katzer, chefe da seção alemã do Médicos Sem Fronteiras (MSF), afirma no site da organização: "Nossos cirurgiões informaram que estão operando, em parte, sem anestesia. Não há mais analgésicos para as pessoas. As condições em que serviços de saúde estão sendo prestados são inimagináveis, inaceitáveis."

Cirurgião palestino atuando para a organização a partir do Hospital Shifa, na Cidade de Gaza, Mohammed Obeid relatou em um depoimento publicado na página do MSF como realizou uma operação no chão de um corredor. "Amputamos o pé de um rapaz de 9 anos, praticamente sem anestesia. O anestesista manteve a boca dele aberta, para que ele não sufocasse. Isso é o melhor que podemos fazer agora. Mais não é possível." Os hospitais enfrentariam uma carência generalizada, tanto de medicamentos quanto de analgésicos e combustível.

"As equipes relatam cenas muito, muito ruins; ferimentos terríveis. Dizem não ter mais como chegar sempre rápido aos locais onde as pessoas precisam de ajuda", afirma Johnen, da Cruz Vermelha. O sistema, segundo ele, estaria totalmente sobrecarregado. "Nos hospitais estão todos exaustos. Estão exasperados com a quantidade de feridos chegando, e que eles têm que tratar com cada vez menos recursos." A esse quadro somam-se pessoas que não estão feridas, mas que acorrem aos hospitais em busca de abrigo, na esperança de se protegerem de mísseis.

Em 01/11, pela primeira vez desde o atentado do Hamas, a passagem de Rafah, no Egito, foi aberta para a saída de civis. Dezenas de palestinos feridos puderam ser levados ao país vizinho para tratamento médico. Na noite do sábado, na esteira de um bombardeio israelense a um comboio de ambulâncias – que, segundo Israel, eram usadas pelo Hamas –, a passagem voltou a ser fechada.

Como as pessoas estão se deslocando em Gaza?

Como não têm mais combustível para seus carros, civis em Gaza têm andado a pé ou a cavalo, em carroças puxadas por mulas ou jumentos, segundo Johnen.

Homem com duas crianças conduz uma carroça puxada por um cavalo pelas ruas de Gaza cobertas pela poeira dos bombardeios
Por falta opção melhor, algumas pessoas em Gaza passaram a recorrer a animais e carroças para se deslocarFoto: Hatem Ali/AP/picture alliance

Principalmente após Israel instar a população de Gaza a evacuar o norte do território, muitos começaram a se deslocar para o sul. Mas nem todos têm como fazer o trajeto, diz Johnen. É difícil evacuar hospitais, e a Cruz Vermelha alemã ouviu de socorristas e ajudantes que trabalham no norte que eles não teriam como nem querem deixar os feridos para trás.