Como o "Brexit" pode afetar o futuro da Escócia
19 de junho de 2016Durante o referendo sobre a independência, em 2014, a Escócia mergulhou no debate político. Cartazes e adesivos do "não" e do "sim" foram dispostos em quase todas as janelas. No dia da votação, quase 85% dos eleitores foram às urnas, escolhendo permanecer no Reino Unido.
A poucos dias do referendo sobre um possível Brexit – saída do Reino Unido da União Europeia (UE) –, a ser realizado no próximo dia 23, o clima político na Escócia é bem diferente. Há poucas bandeiras ou adesivos nos carros incentivando os eleitores a votar pelo "leave" (saída da UE) ou "remain" (permanência na UE).
Apesar de pesquisas sugerirem que a maioria dos escoceses é a favor do bloco europeu, muitos especialistas temem um baixo comparecimento às urnas.
"A obsessão com a Europa que se vê na Inglaterra, não existe na Escócia", afirma Michael Keating, professor de Política na Universidade de Aberdeen. "Até os eurocéticos na Escócia não são obcecados com a Europa. A questão não é tão saliente. Não é nem de perto tão polarizada."
Partidos pró-UE
Uma das razões pelas quais os escoceses mostram menos entusiasmo diante da votação desta quinta-feira é que os partidos políticos do país são majoritariamente pró-UE. Enquanto os Conservadores na Inglaterra estão divididos sobre o referendo, e o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn tem sido reticente, há quase unanimidade no Parlamento Escocês pelo "remain".
Durante um debate recente em Edimburgo, somente um punhado de parlamentares se opôs à permanência do Reino Unido na UE. Até mesmo os Conservadores escoceses são a favor do bloco europeu.
A campanha pelo "leave" luta para alcançar ressonância com seus principais temas – particularmente imigração e soberania – na Escócia, que precisa da imigração para substituir sua força de trabalho em processo de envelhecimento.
Ao mesmo tempo, a coalizão anti-UE na Escócia sofre com a falta de unidade. O braço escocês do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip) é divido por disputas internas. O ex-vice-líder do Partido Nacional Escocês (SNP) Jim Sillars – que já fez campanha pela "independência na Europa" – é praticamente o único nacionalista de alto escalão defendendo a saída do Reino Unido da UE.
"Europa precisa ser mais forte"
Pesquisas sugerem que dois terços dos escoceses e a maioria dos empresários são a favor da UE. "Não tivemos uma grande guerra na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Isso se deve em grande parte à União Europeia", diz Adrian Moore, morador de Glasgow.
Como muitos outros, Moore vê fortes paralelos entre o referendo pela independência da Escócia, em 2014, e o referendo atual. "As campanhas estão incrivelmente polarizadas. Eu adoraria ver um político dizer 'nós deveríamos permanecer, mas se sairmos da UE, o país continuará existindo', em vez de 'o mundo vai acabar'", afirma.
Diferentemente do referendo sobre a independência, os jovens de 16 e 17 anos não podem votar desta vez. O mesmo vale para cidadãos da UE que vivem no Reino Unido.
"Vivo aqui há dez anos. Eu deveria ter a oportunidade de votar", diz o alemão Marco Weber, que vive em Glasgow. "Mas se eu pudesse votar, votaria pela permanência [na UE]. A Europa precisa ser mais forte, e não mais fraca."
Volta do debate sobre independência
Os escoceses podem até estar pouco entusiasmados com o referendo, mas o país será afetado pelo resultado de qualquer maneira. Uma decisão a favor do Brexit apoiada pela Inglaterra poderia reacender a questão da independência escocesa.
Pesquisas apontam que os nacionalistas poderiam vencer na Escócia se o Reino Unido deixasse a UE. Mas mesmo que eles triunfassem, caminhar com as próprias pernas com a Inglaterra fora da União Europeia significaria barreiras significativas. É muito provável que uma Escócia independente tentasse aderir ao bloco europeu, criando uma densa fronteira com o país vizinho.
Por outro lado, o apoio escocês à UE poderia ser suficiente para superar uma maioria estreita pró-Brexit na Inglaterra, mantendo assim o Reino Unido no bloco europeu.
Mesmo que o Reino Unido deixe a UE, um parlamento escocês dominado por nacionalistas ainda poderia escolher seguir regulamentações e mudanças legislativas europeias, apesar de formalmente fora do bloco.
"Se a Escócia quisesse continuar jogando de acordo com as regras europeias, o país poderia ofuscar Bruxelas, em vez de Londres, mesmo de fora da UE", afirma Keating.
A maioria dos escoceses espera não ver esse cenário. Temores sobre um futuro fora da União Europeia poderiam ser o suficiente para motivar os eleitores a votarem no referendo. E isso poderia ter um impacto significativo sobre o resultado – para a Escócia e para todo o Reino Unido.