Como Polônia e Hungria lidam com a dependência do gás russo
28 de abril de 2022A estatal russa de energia Gazprom suspendeu nesta quarta-feira (27/04) o fornecimento de gás natural para a Bulgária e a Polônia, por ambas se recusarem a pagar em rublos pelo produto. Essa é, até agora, a reação mais dura do Kremlin às diversas rodadas de sanções impostas pelo Ocidente contra a invasão da Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro.
Em março, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, exigira que os clientes da empresa de "países hostis" pagassem seu gás exclusivamente na moeda nacional russa. Quase todos os Estados-membros da União Europeia se recusaram, o único líder europeu que aquiesceu à exigência foi o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
A atual manobra de Moscou ressalta as diferentes estratégias adotadas por Varsóvia e Budapeste para lidar com sua histórica dependência excessiva das fontes de energia russas.
Mesmo problema, duas estratégias
A guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia motivou a UE a mostrar até que ponto está disposta a reduzir sua dependência de combustíveis fósseis da Rússia, a qual atualmente responde por 40% das importações de gás do bloco, 27% do petróleo e 46% do carvão mineral.
Contudo, uma mudança radical afetaria certos países bem mais do que outros. Dois casos do Centro e Leste europeus se destacam por decisões de política de segurança energética diametralmente opostas: Polônia, que já começou a se desligar da energia russa, e Hungria, que pretende aprofundar esses laços comerciais.
Orbán não vetou as sanções da UE contra Moscou, porém demonstrativamente absteve-se de criticar Putin de modo direto, e alega que restrições à energia russa prejudicariam a economia húngara. Um de seus tópicos de campanha na eleição que venceu recentemente foi a promessa de assegurar o abastecimento de gás para a população. Por sua vez, o partido governista polonês, Lei e Justiça (PiS), tem liderado os apelos para que o bloco adote uma linha mais dura contra a Rússia.
"Enquanto a Polônia adotou medidas alinhadas com a Estratégia Energética da União Europeia introduzida em 2015, encorajando medidas de diversificação rápidas, com o fim de reduzir a dependência da Rússia, a Hungria agiu ativamente para consolidar sua dependência das importações do regime de Putin", analisa Benjamin L. Schmitt, pesquisador associado da Universidade de Harvard.
Isso inclui tanto o apoio húngaro à segunda linha do gasoduto TurkStream, que conta com respaldo do Kremlin, quanto a assinatura, em 2021, de um contrato de 15 anos de fornecimento de gás pela Gazprom.
"As cifras das matrizes energéticas são bastante interessantes", comenta o ex-diplomata da UE Albrecht Rothacher. "A da Hungria é 32% gás, 29% petróleo, 16% nuclear, 9% carvão e 14% renováveis; enquanto a da Polônia é 51% carvão, 24% petróleo, 15% gás e 10% renováveis."
Considerando-se a autossuficiência polonesa em carvão, a taxa de dependência húngara da energia russa é cerca de 50% mais alta, de 31,7% contra 21,6%, explica Rothacher.
Polônia ativa em se desligar do gás russo
Está claro que Varsóvia não vê a hora de escapar das garras da energia russa: "Assim como a Ucrânia, a Polônia também vê a dependência do gás natural russo como uma ameaça estratégica, mais do que econômica", explica Schmitt.
O país é o sétimo maior consumidor de gás da UE, com cerca de 17 bilhões de metros cúbicos anuais, o equivalente a 20% a 25% do consumo da Alemanha. Segundo o think tank Forum Energii, a Rússia fornece 55% desse volume, assim como 66% do petróleo e 75% do carvão importado pela Polônia.
"A abordagem de Varsóvia confirma seu apoio veemente à soberania da Ucrânia e suas ações para pressionar o regime Putin por sua criminosa guerra de agressão." Uma dessas ações é a intenção declarada do governo polonês de suspender todas as importações de petróleo, gás e carvão russos até o fim do ano corrente.
Um componente central dessa estratégia é o BalticPipe, com capacidade de 10 bilhões de metros cúbicos por ano. Com a construção offshore completada em novembro último, ele levará gás da Noruega, no Mar do Norte, até o litoral polonês, passando pela Dinamarca.
"É histórico pelo fato de ser o primeiro gasoduto direto que chegará até o mercado do Centro e Leste Europeu vindo do Mar do Norte, oferecendo diversificação real para a região", observa Schmitt, que também atua junto ao Centro de Análise Política Europeia (Cepa).
A Polônia também pode comprar gás no mercado à vista europeu e receber o produto através de gasodutos da Alemanha e da República Tcheca. Além disso, está marcada para 1º de maio a abertura de uma nova conexão dando ao país acesso ao gás da Lituânia.
Nesse ínterim, Varsóvia também olha em direção aos Estados Unidos: um acordo, firmado pela companhia estatal polonesa de petróleo e gás PGNiG com duas subsidiarias da americana Venture Global LNG, abastecerá o país com até 2,7 bilhões de metros cúbicos de gás natural.
Hungria "sem alternativa à energia russa"
A Hungria importa da Rússia cerca de 80% do gás e 65% do petróleo de que necessita. Recentemente, Gergely Gulyás, do gabinete do primeiro-ministro, declarou não haver alternativa para o gás russo: "Não só a economia húngara, mas também a alemã seria devastada e resvalaria para uma recessão profunda, sem o gás russo [...] portanto qualquer debate sobre isso, ou moralização, é sem sentido."
O país também exige ver os detalhes de uma proposta de sanções da UE aos combustíveis da Rússia, antes de decidir se aderirá. Anna Mikulska, especialista em energia da Universidade Rice, em Huston, EUA, ressalta que em setembro de 2021 Budapeste assinou dois contratos de longo prazo para abastecimento com gás russo, "ambos, interessantemente, evitando o território ucraniano".
"A Hungria também tem sido mais receptiva para o gás russo, inclusive via o novo gasoduto TurkStream, que substituiria inteiramente o trânsito pela Ucrânia. Excetuado o acesso recente a uma quantidade relativamente pequena de gás natural liquefeito de um terminal flutuante em Krk [Croácia], ela depende quase inteiramente do gás russo, assim como do petróleo. É também 100% dependente em urânio para suas usinas nucleares, que são em 80% financiadas pela Rússia."
"Portanto, enquanto a Polônia poderia se desligar das fontes energéticas russas no sentido material, não é algo que a Hungria poderia fazer facilmente. Mas tampouco é algo que ela queira necessariamente fazer." Mikulska não acredita que o país concordará se o UE impuser o fim das importações de combustíveis fósseis da Rússia, "dada sua pura incapacidade de obter sua energia de outra fonte, pelo menos imediatamente".
Pensando no pós-guerra
Como solução para o impasse das sanções em resposta à guerra de agressão na Ucrânia, Albrecht Rothacher sugere que os países-membros da UE continuem depositando as importações de gás da Rússia numa conta fiduciária, "a partir da qual também se poderia mais tarde pagar as reparações russas".
"Isso teria duas vantagens: restringir a tendência das tropas russas a destruição em massa, arbitrária e sem sentido, de alvos civis, indústria e infraestrutura na Ucrânia; e reduzir a capacidade de Putin – ou, mas provavelmente, de seus sucessores – de rapidamente se rearmar para novas aventuras imperialistas", defende o ex-diplomata europeu.