Como Vladimir Putin se mantém no poder há 25 anos
8 de agosto de 2024Quando a então chanceler federal alemã Angela Merkel encerrou sua carreira política, há três anos, pediram-me para entrevistar o líder russo, Vladimir Putin, para um documentário em Moscou. No mesmo programa, também seriam entrevistados outros chefes de Estado e de governo com quem Merkel tinha trabalhado durante a sua carreira. Uma espécie de retrospectiva sobre a chefe de governo alemã.
Mas o Kremlin recusou. Na ocasião, a razão apresentada foi o fato de que todos os outros entrevistados eram ex-chefes de Estado, enquanto o presidente russo ainda estava no cargo. Isso não era digno do chefe do Kremlin, justificou o governo russo. Tive que me contentar em entrevistar o ex-presidente Dmitry Medvedev, que durante um mandato inteiro, entre 2008 e 2012, fora uma espécie de chefe de Estado interino. Isso se deu por razões constitucionais, já que Putin não pôde se candidatar novamente à Presidência e, em vez disso, seguiu no comando do Kremlin através dos bastidores na figura de primeiro-ministro.
Medvedev nunca foi o número um da Rússia. Tal posto pertence unicamente a Vladimir Putin há 25 anos, mais precisamente desde 9 de agosto de 1999, quando foi nomeado primeiro-ministro russo pelo então chefe de Estado Boris Yeltsin . Políticos ocidentais - incluindo a chanceler Ângela Merkel, que ficou 16 anos no poder - vêm e vão. Mas Putin fica.
A "mais forte ditadura personalizada" do mundo
Nestes 25 anos, o presidente russo transformou o seu país na "mais forte ditadura personalizada do mundo", avalia o cientista político russo Mikhail Komin. "A Rússia não é, obviamente, uma Coreia do Norte; o país é grande demais para isso. Mas cada vez mais cidadãos são colocados na linha da mesma forma", continua Komin, acrescentando que o Estado exige cada vez mais lealdade a esses cidadãos.
Para o especialista, isto foi possível porque Putin tem enfraquecido consistentemente todas as instituições políticas da Rússia ao longo do quarto de século em que está no poder. Desde o início, diz Komin, o objetivo de Putin foi reestruturar a democracia a seu favor: "Hoje, todo o poder no Estado russo está concentrado nas mãos de uma única pessoa - nas mãos de Putin".
Controle de regiões como pedra angular de poder
Tudo começou com a eliminação da "autonomia regional", lembra Komin. "Uma das reformas políticas mais importantes do primeiro mandato de Putin foi o estabelecimento dos chamados representantes presidenciais nas regiões", responsáveis pela política regional. Foi assim que o Kremlin criou seu próprio instrumento de controle nas regiões, uma pedra fundamental para consolidar seu poder, avalia o politólogo. "A influência do Kremlin foi legitimada não apenas sobre os governadores, mas também sobre aqueles que os cercavam, incluindo os grandes empresários locais".
Essa opinião é compartilhada pelo cientista político russo Grigori Nishnikov, radicado na Finlândia. "Se pensarmos na Rússia dos primeiros anos de Putin, o que nos vem à mente são vários centros autônomos de poder, tanto constitucionais quanto informais, como os oligarcas. Todos eles formavam uma espécie de contrapeso ao Kremlin". Putin destruiu tudo isso, centralizou tudo e alinhou o sistema de poder da Rússia em torno dele mesmo, disse Nizhnikov em entrevista à DW.
No entanto, o especialista acredita que esse não é o único motivo pelo qual o presidente russo permaneceu no poder por tanto tempo. Afinal, houve eventos suficientes no último quarto de século que poderiam ter sido perigosos para Putin:
- Protestos após as eleições parlamentares de 2011 na Praça Bolotnaya, em Moscou
- O risco de uma situação instável na Crimeia após a anexação da península ucraniana em 2014
- Agitação após a polêmica reforma previdenciária em 2018
- Protestos em massa liderados por Navalny em toda a Rússia nos anos seguintes
- Por fim, o início da guerra na Ucrânia, que foi acompanhado por protestos de rua nas metrópoles de Moscou e São Petersburgo.
Mas quanto mais a população resistia, mas ela era reprimida, conta o cientista político Nishnikov. E "com cada um desses eventos, novos oponentes eram eliminados". Hoje, portanto, não resta ninguém que possa fazer frente a Putin, salienta.
Outro fator importante na manutenção do poder de Putin foi o enfraquecimento sistemático dos tribunais durante seu segundo mandato, diz Mikhail Komin. Os juízes presidentes, leais aos que estavam no governo, teriam recebido mais poder do que seus colegas de menores instâncias, e cada vez mais juízes teriam sido nomeados pela promotoria e quase nenhum pela defesa. " Ex-secretários de tribunais também tiveram a chance de se tornarem juízes. Como resultado, os tribunais perderam sua independência."
Atualmente, os tribunais russos não são independentes, critica Komin. Em casos disputados,o máximo que podem fazer é desacelerar os processos de repressão estatal contra os cidadãos, mas não podem mais impedi-los.
Soma-se a isso a mudança no sistema eleitoral em benefício de Putin e seu partido governista "Rússia Unida". "Tais mudanças já aconteceram várias vezes. Agora o partido no poder domina graças ao sistema de supressão da oposição, e não graças às questões sociais que desempenharam um papel importante nos dois primeiros mandatos de Putin", conclui o especialista político.
Em vez de enfrentar a oposição democrática, Putin criou uma espécie de gabinete paralelo ao seu redor, diz o sociólogo russo Alexander Bibkov. Nesse círculo próximo, o presidente reuniu pessoas que compartilham interesses comerciais concretos com ele. De acordo com Bibkov, suas empresas receberam grandes contratos estatais e enriqueceram no processo. "Putin sempre mantém todas as rédeas em suas próprias mãos e está pessoalmente envolvido nos negócios."
Manipulação da memória histórica coletiva
Ao mesmo tempo, está sendo vendida à sociedade uma imagem da Rússia na qual o Estado desempenha um papel exclusivamente positivo em toda a sua história. De acordo com Bibkov, tudo o que é negativo é eliminado, todos os conflitos do passado são apagados. Ele chama isso de "manipulação da memória histórica coletiva", algo que só fortaleceria o poder de Putin.
Como exemplo, o sociólogo cita o fechamento dos arquivos da KGB ao público, nos quais estão registrados "os capítulos sombrios da história russa".
Bibkov chama a imagem da Rússia sob Putin, que foi chefe da KGB, de "a imagem do Galo de Ouro", em referência a um personagem de conto de fadas russo. O galo dourado simboliza "uma Rússia exclusivamente feliz. Um país que é ricamente açucarado. Um país que as pessoas veem através de óculos cor-de-rosa e no qual a família czarista é estranhamente retratada como guardiã das mesmas tradições do ditador comunista Stalin, embora os dois representem forças políticas completamente diferentes na história russa".
Nessa imagem, a Rússia é retratada como uma sociedade com valores tradicionais. Uma sociedade em que o conflito com as autoridades é desaprovado, enquanto a lealdade incondicional aos que estão no poder é dada como algo certo.
Todos os três especialistas entrevistados pela DW concordam que essas tendências se intensificarão no futuro e que Putin permanecerá no poder por muito tempo. "O problema é que não há candidato alternativo e nem haveria espaço para ele. As últimas eleições livres que Putin realmente venceu foram as de 2004. Todo o resto foi injusto", afirma Mikhail Komin.
Embora Putin tenha sido eleito para os próximos seis anos em maio deste ano, o especialista estima que 2030 não será o último ano de sua presidência. "Acho que ele continuará por mais um mandato. Seu tempo no poder é limitado apenas à sua idade física."
Grigory Nizhnikov também critica o fato de que os russos não veem alternativa a Putin e têm medo de mudanças. "Ok, dizem as pessoas, queremos que a guerra acabe, mas e depois? Quando Putin for embora, ladrões ainda piores chegarão ao poder, que roubarão ainda mais o país. A imagem que o governo está cultivando é a de que a estabilidade de hoje é mais importante do que as mudanças de amanhã."
Nizhnikov observa que sempre houve a necessidade de uma mão forte na Rússia: "Um líder forte deve sempre tomar decisões e resolver problemas. Na dúvida, os russos culpam os governadores e não o presidente, de acordo com a máxima: "Se Putin ao menos soubesse, ele resolveria o problema imediatamente!" Trata-se de uma antiga tradição russa.