Como viajar de carona
23 de outubro de 2006Você consegue se imaginar de carona no carro de um desconhecido, percorrendo os cerca de 430 km que ligam as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo? "Creio que não", foi a resposta da mineira Luciana Carvalho. Há cinco anos morando na Alemanha, a estudante diz que teria muitas dúvidas relacionadas à segurança. "Não sei se a pessoa iria respeitar as leis de trânsito. Também tenho medo de ser assaltada, ainda mais sendo mulher", afirma. Mas na Alemanha, Luciana pegou uma carona de Munique a Berlim (cerca de 600 km).
A carona é uma forma de viajar bastante utilizada na Alemanha. Existem no país cerca de 40 sites que promovem o encontro entre motoristas e caronas. De acordo com Martin Burke, proprietário de uma dessas empresas, a Mitfahrzentrale, o serviço nasceu nos quadros de avisos dos grêmios estudantis na década de 70 e aos poucos conquistou a confiança dos alemães. "O conceito mudou. Hoje, não apenas estudantes viajam de carona. Metade dos cerca de 700 mil usuários cadastrados em nosso sistema são trabalhadores," garante.
Como funciona
Fundada em 1998, a Mitfarhzentrale recebe aproximadamente um milhão de visitas por mês. A empresa exige que os usuários se cadastrem e cobra uma taxa administrativa mensal de quase três euros (cerca de oito reais). Em média, 200 mil viagens são viabilizadas a cada trinta dias. Em 90% dos casos, são roteiros dentro da Alemanha.
Além do alemão, o site tem versões em inglês e francês e em breve também em italiano, holandês, turco e espanhol, já que é crescente o número de acessos feitos de fora da Alemanha. "Não somos tão populares em outros países e precisamos nos empenhar em divulgar a idéia," afirma Burke.
A central de caronas pretende ainda disponibilizar atendimento por telefone para atender à demanda de quem não acessa a rede. Segundo o proprietário, geralmente as viagens são tranqüilas. Mas em caso de reclamações, os causadores de problemas podem ser proibidos de utilizar o serviço.
Um outro site, o Mitfahrgelegenheit, também começou direcionado a estudantes e se expandiu a outros usuários. De acordo com o relações-públicas da empresa, Georg Döller, o volume médio de acessos diários é de 35 mil, podendo chegar a 50 mil nas semanas que antecedem feriados.
Há roteiros por toda a Europa, sendo cerca de 500 mil trechos dentro da Alemanha. O serviço é gratuito, mas os organizadores não se responsabilizam por eventuais problemas. "Se a pessoa não comparecer é falta de sorte. Não podemos arcar com isso, porque só proporcionamos o contato. É um site para carona privada. Não temos um contrato com os motoristas," declara.
Em geral, as ferramentas de manuseio destes sites são simples. O primeiro passo é acessar o link de oferta ou busca de roteiro. Depois, basta entrar com as cidades de origem e destino e a data da viagem.
O principal objetivo do serviço é baixar os custos para motoristas e passageiros. O preço da carona é definido de acordo com a distância a ser percorrida. Paga-se, em média, cinco euros a cada 100 km. Uma passagem de trem partindo de Bonn até Munique, por exemplo, custa a partir de 80 euros. No entanto, de carona é possível gastar apenas 25 euros. Importante ressaltar que essas empresas não se responsabilizam em caso de acidente.
A opinião dos usuários
A alemã Gardaia von Bothmer usa o serviço de caronas desde 2002. Na época, estudava em Berlim e visitava a família com freqüência em Hamburgo. No começo, receosa, só aceitava viajar com mulheres. Com o tempo perdeu o medo e agora até oferece vagas em seu carro.
Gardaia afirma que inconvenientes podem acontecer "uma vez, tive que escutar música medieval por três horas e foi muito chato". Além da economia, ela valoriza a contribuição ecológica do sistema: "É uma excelente idéia porque em vez de quatro carros poluindo o meio ambiente é apenas um, mas com quatro pessoas", acrescenta.
Há 16 anos na Alemanha, o paulistano Carlos Quitério chegou a usar o serviço na década de 90, ainda através do quadro de avisos do grêmio da faculdade em que cursava Informática. Ele conta que diversas vezes conseguiu viajar de graça: "Vim da Dinamarca e o motorista não me cobrou nada, decidiu dar carona porque queria companhia. Foram mais de dez horas de trajeto e isso representou uma grande economia".
Entretanto, nem sempre tudo sai como o esperado. Quitério já teve que esperar por muito tempo antes de começar a viagem. "O carro foi para a revisão na hora da partida e só ficou pronto depois de 11 horas", relembra.
Mais que caronas
Martin Burke acredita ainda que, além da segurança, a viagem pode se tornar muito interessante. "Você não apenas pega carona com alguém, como também tem a chance de conhecer novas pessoas e fazer mais amigos", comenta.
Para a estudante alemã Yoko Woldering, a carona rendeu mais que novas amizades, uma história de amor. Na primeira vez em que ela contratou o serviço, conheceu o namorado Uwe Schultz. Eles foram e voltaram juntos, no banco de trás, de Hamburgo até Frankfurt, por cerca de cinco horas, conversando. Ao final da viagem, trocaram telefone e marcaram um encontro.
"Foi legal porque não esperávamos isso. Era uma situação relaxada e conversamos por várias horas," diz. O casal namora há dois anos e há seis meses divide um apartamento. "Acho que tive sorte", revela.