Consenso sobre desarmamento sírio é vitória estratégica para Obama
15 de setembro de 2013O que era considerado praticamente impossível chegou como uma surpresa neste sábado (14/09): o consenso entre o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e seu homólogo russo, Serguei Lavrov, no sentido de um plano abrangente para a eliminação das armas químicas da Síria. Chovem os elogios a esse feito diplomático conjunto, de todo o mundo ocidental até à China e Israel passando pela Liga Árabe.
O acordo foi o clímax de uma semana turbulenta. Ela se iniciou em Londres, com uma observação de Kerry, na verdade en passant, de que o presidente sírio, Bashar al-Assad, ainda poderia evitar uma intervenção militar dos Estados Unidos, caso entregasse todo o seu arsenal químico à comunidade internacional, "no prazo de uma semana".
Aquilo em que o próprio chefe da diplomacia americana não acreditava naquele momento aparentemente entrou agora para o campo das coisas realizáveis – embora em vez de uma semana, deva-se falar, antes, de seis meses.
Assad: criminoso ou parceiro de negociação?
No entender de Mark Jacobson, do German Marshall Fund, o presidente Barack Obama finalmente conseguiu, por meios diplomáticos, impedir que a Síria volte a empregar armas químicas.
Até chegar a esse ponto, o chefe de Estado americano colocou a segurança nacional e internacional diante de seu próprio bem-estar político, afirma Jacobson. "O mundo lhe deve uma certa gratidão por isso."
No entanto, muitas questões permanecem em aberto. Por exemplo: como o presidente Assad, agora elevado à categoria de parceiro de negociações, deverá responder pelo suposto uso de gás químico contra a população civil, em 21 de agosto último.
Implementação difícil
"É uma abertura", confirma à Deutsche Welle Bruce Riedel, especialista em Oriente Médio da Brookings Institution, sediada em Washington, e ex-assessor da Casa Branca. Ele classifica a cooperação russo-americana para a destruição dos armamentos químicos da Síria como um "grande sucesso de Obama e [do presidente russo, Vladimir] Putin", embora se sabendo que uma implementação do acordo será extremamente difícil.
O jornal Washington Post cita a estimativa de funcionários do Departamento de Estado americano, membros da delegação de Kerry em Genebra, onde transcorreram as conversações com Lavrov. Segundo eles, mais de mil toneladas de substâncias químicas passíveis de uso bélico estariam distribuídas por, no mínimo, 45 locais na Síria.
Embora contando que russos e sírios devam entregar a lista exigida de todos os arsenais pontualmente, dentro de uma semana, Riedel antecipa enormes dificuldades para os inspetores da Organização das Nações Unidas.
O trabalho destes, em meio a uma sangrenta guerra civil, parece quase inimaginável, e agora será responsabilidade de Assad garantir-lhes a segurança, observa. Entretanto, alguns dos rebeldes, sobretudo os grupos associados à Al Qaeda, poderiam abrir fogo sobre os inspetores e querer matá-los.
"Essa é a parte difícil. É possível que Putin esteja contando com tais atos de sabotagem, o que faria Assad, de repente, parecer sensato e responsável", considera o especialista em questões do Oriente Médio.
Estratégia de Obama legitimada
O consenso entre Kerry e Lavrov para a elaboração conjunta de uma resolução da ONU coloca a organização de volta à cena. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, saudou o entendimento em Genebra.
Da mesma forma, o elogio partiu também de Barack Obama. Ultimamente criticado, doméstica e internacionalmente, como indeciso e com pouca capacidade de liderança, o presidente viu validada sua estratégia de forçar soluções diplomáticas com "a ameaça verossímil de violência militar". Isso, embora por último seu secretário de Estado viesse, de forma bastante tímida, pedindo apoio para uma operação "incrivelmente pequena".
Em Washington, é ponto pacífico que Obama escapou de uma avassaladora derrota no Congresso, caso o emprego de violência militar fosse submetido a votação. "Obama teve sorte com seu pragmatismo, e foi inteligente de sua parte acatar a oferta de Putin – apesar de todo o mal-estar devido ao caso Snowden e de outras dificuldades", comenta Riedel.
Ele aconselha Obama a adiar por prazo indeterminado a votação no Congresso. Embora o consenso o fortaleça na política interna, o presidente democrata não obterá a maioria para uma ofensiva militar no Senado e na Casa dos Representantes, mesmo que o acordo com a Rússia revele ser um grande blefe.
Os senadores John McCain e Lindsey Graham criticaram o plano de desarmamento, neste sábado, tachando-o de "beco sem saída diplomático". Com a promessa de destruir seus armamentos químicos, Assad, só procuraria ganhar tempo, afirmam os dois republicanos, que nas últimas semanas vinham pressionando no sentido de uma ofensiva norte-americana contra a Síria.
Necessidade de ação europeia
No que tange à questão da Síria, o Congresso dos Estados Unidos está tão dividido quanto os aliados europeus, assinala Mark Jacobson, lembrando a responsabilidade específica da União Europeia.
A almejada resolução das Nações Unidas fracassará, "se não for garantida pela boa vontade da UE, Otan e, naturalmente, dos americanos de, caso necessário, impor a resolução através da força militar".
Ainda que seja sensível o alívio desencadeado nas capitais do continente, de Berlim até Londres, pela perspectiva de uma solução: ela não será possível sem o engajamento decidido dos europeus. Deste modo, não faltará assunto de conversa ao secretário Kerry, em sua viagem pela Europa. Nesta segunda-feira (16/09), ele é esperado em Paris.