Coronavírus pode causar tragédia entre refugiados na Grécia
3 de abril de 2020A situação está de novo calma em Kastanies, um pequeno vilarejo grego perto da fronteira com a Turquia. Antes da epidemia de corona, Kastanies estava no centro dos acontecimentos na Europa.
Depois de a Turquia abrir a fronteira para a União Europeia (UE), no fim de fevereiro, milhares de refugiados se concentraram atrás da cerca na fronteira em Kastanies. Eles queriam ingressar em território europeu.
Agora reina a calma no local. "Eles queimaram as barracas", diz o subprefeito Stavros Tzamalidis. "Não sabemos por que eles retiraram os imigrantes de uma hora para a outra. Talvez por causa do coronavírus, ou porque [o presidente Recep Tayyip] Erdogan se cansou e queria mudar de situação."
Kastanies é um local calmo. Visitantes vindos da Turquia atravessam a fronteira por algumas horas para comer e beber bebidas alcoólicas, que ficaram caras do lado turco sob o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan.
Para Tzamalidis, a relação entre os dois países está em crise. "É difícil voltar ao cotidiano depois de acontecimentos tão dramáticos. Mas é claro que os nossos amigos do outro lado continuam sendo nossos amigos. Nosso problema não é com as pessoas."
Parece haver motivos para os gregos desconfiarem dessa repentina chegada em massa de refugiados na fronteira. A imprensa alemã publicou que o serviço secreto BND acredita que a ação foi organizada pelo governo em Ancara. Os ônibus que levaram os refugiados de volta foram os mesmos que os trouxeram até a cidade de Edirne, no lado turco da fronteira. Um pouco mais ao norte, na fronteira com a Bulgária, nada aconteceu.
Erdogan teria escolhido a Grécia de propósito, por esperar contar com um fortalecimento do fervor nacionalista grego que acirrasse ainda mais uma situação que já é crítica nas ilhas gregas.
O plano era evidenciar o fracasso da política comum para refugiados da União Europeia e assim chantageá-la, com o objetivo de envolver a Otan no conflito sírio, ao lado da Turquia.
A imprensa mundial foi o palco escolhido por Erdogan para a sua manobra. As tensões aumentaram entre os exércitos grego e turco. E aí veio a crise do coronavírus, que passou a dominar todas as atenções, inclusive da imprensa internacional, e a estratégia de Erdogan foi por água abaixo.
O vírus, por assim dizer, acabou com as tensões na fronteira entre a Turquia e a Grécia – ao menos por enquanto.
A Turquia tem, oficialmente, cerca de 4 milhões de refugiados. Extraoficialmente são muito mais.
Na Grécia, segundo números do governo, há cerca de 100 mil requerentes de refúgio, dos quais 41 mil nas ilhas de Lesbos, Samos, Chios, Ledos e Kos.
Uma delas é Somaya, de 20 anos, natural do Afeganistão. Ele vive no campo de Moria, num alojamento resistente às intempéries. Poucos recebem esse triste luxo.
Ao redor do campo surgiu uma cidade de lona, apelidada de "selva", onde a grande maioria dos cerca de 21 mil refugiados da ilha de Lesbos mora em barracos de lona e papelão. "Está fazendo muito frio. A vida é dura. E choveu muito", resume Somaya.
Muitas pessoas estão com medo do coronavírus, diz ela. "Quase não temos água, e os refugiados aqui não sabem o que está acontecendo. Podemos nos infectar? Eu me preocupo."
Somaya resolveu fazer algo e apoia, como voluntária, a organização humanitária dinamarquesa Team Humanity. Ela ajuda a distribuir comida e roupas. Mas, no momento, o foco está no combate ao novo coronavírus. Máscaras estão sendo confeccionadas e distribuídas pelo campo de refugiados, além de sabão e folhetos informativos.
Há duas semanas, o governo em Atenas distribuiu um catálogo de 12 pontos sobre o comportamento nos campos de refugiados em tempos de coronavírus. Visitas ou atividades dentro do campo foram suspensas. Os moradores devem se locomover dentro do campo apenas quando realmente necessário. Saídas para compras devem ser feitas apensações por um membro da família, que é levado para os mercados num ônibus da polícia. Um toque de recolher passa a valer depois das 19h.
Novas proibições impedem os refugiados de sacarem dinheiro em caixas automáticos nos vilarejos das proximidades. O governo anunciou que vai instalar caixas automáticos dentro do campo, mas não deixou claro quando.
O quinto ponto do catálogo pede às pessoas para que se atenham às regras de higiene. O médico Apostolos Veizeis, da ONG Médicos sem Fronteiras, pergunta-se como. "Está tudo lotado. A situação é ideal para a propagação da covid-19. O lixo não é mais recolhido há meses. Mais de 1.300 pessoas dividem uma torneira. Muitas pessoas nem mesmo têm acesso à água, energia elétrica e banheiros e fazem suas necessidades ao ar livre."
O governo grego silencia perante as críticas. Questionamentos feitos pela DW sobre como as medidas serão implementadas nos campos, se há planos concretos de evacuação e se as pessoas estão sendo testadas para o novo coronavírus não foram respondidos.
Veizeis diz que as medidas contra o coronavírus nos campos de refugiados são hipocrisia. Elas visam sobretudo a proteção da população local e discriminam os refugiados, que são entregues à própria sorte. Em toda a ilha de Lesbos há apenas cinco leitos de UTI, e em Samos, apenas dois. Três médicos do Ministério da Saúde precisam atender 20 mil pessoas em Moria e quase não dispõem de medicamentos e material.
O médico acredita que o governo grego usa o vírus para impor a própria linha política. "Eles dizem que é hora de ser cuidadoso, e que o mais seguro é manter os refugiados em campos fechados, um conceito que eles já tentavam impor." Organizações de direitos humanos, a União Europeia e até a população local criticavam duramente o governo em Atenas por causa dos campos de refugiados fechados.
Veizeis faz um alerta. "Se o vírus se espalhar pelos campos de refugiados, estaremos diante de uma tragédia." Nesta quinta-feira (02/04), o governo em Atenas comunicou que ao menos 21 pessoas foram infectadas no campo de Ritsona, nas proximidades da capital grega. O campo, onde vivem cerca de 2.200 refugiados, foi posto sob quarentena.
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