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Corrupção, pandemia e crime dominam debate

17 de outubro de 2022

Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro explora corrupção na Petrobras e tenta falsamente associar Lula ao narcotráfico. Petista rebate, lembrando ligações do presidente com milicianos e gestão desastrosa da pandemia.

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Lula e Bolsonaro no debate
Foto: Marcelo Chello/AP/picture alliance

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) trocaram acusações sobre corrupção, crime organizado, pandemia, obras no Nordeste e programas de transferência de renda neste domingo (16/10), durante o primeiro debate presidencial do segundo turno.

Em desvantagem nas pesquisas, Bolsonaro recorreu à mesma tática adotada em embates do primeiro turno, investindo em ataques e evocando teorias conspiratórias. O presidente tentou associar Lula falsamente ao narcotráfico e lembrou de casos de corrupção na Petrobras durante governos petistas.

Lula, que terminou a votação do primeiro turno à frente, rebateu, mencionando ligações de Bolsonaro com milicianos do Rio de Janeiro e chamou o presidente de "rei das fake news" e "rei da estupidez".

O petista ainda apelou para a nostalgia pelos seus governos, citando realizações passadas na economia e na educação. Lula também provocou Bolsonaro, afirmando que o atual ocupante do Planalto não criticou seus governos nos seus tempos de deputado. "Disseram que você era um puxa-saco meu", disse.

O debate teve alguns momentos de tensão não verbal. No terceiro bloco, Bolsonaro tentou adotar uma postura dominante, se aproximando de Lula e colocando a mão de forma paternalista no ombro do ex-presidente, que se esquivou do gesto. "Mentiroso é você. Você mente todo dia", disse o petista em outro momento, com o dedo em riste na direção de Bolsonaro.

Apesar das trocas de acusações, o clima foi mais calmo do que no último debate do primeiro turno, que havia sido marcado por gritos, tumulto e mais de uma dezena de pedidos de resposta. Em diversos momentos, Lula e Bolsonaro preferiram ironizar as falas um do outro.

Lula estreou nos debates no segundo turno após costurar uma "frente ampla" de 15 partidos e recebendo apoio até de antigos adversários, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e membros da equipe que elaborou o Plano Real.

Já Bolsonaro chegou ao debate após dias de fatos negativos que atingiram sua campanha, que permaneceu na defensiva após sofrer ataques que chegaram a associar o presidente a práticas de canibalismo e pedofilia.

Bolsonaro foi aos estúdios da TV Bandeirantes acompanhado pelos ministros Fábio Faria (Comunicações) e Ciro Nogueira (Casa Civil), o vereador Carlos Bolsonaro e o ex-juiz e senador eleito Sergio Moro — este último se reaproximou do presidente nesta campanha, após romper de maneira bombástica com o governo em 2020, quando acusou o chefe do Executivo de interferir na Polícia Federal. Em diversos momentos foi possível ver Moro, até recentemente considerado um traidor por bolsonaristas, assessorando o presidente nos intervalos.

Além de Moro e dos ministros, outro membro da comitiva se destacou: o advogado Frederick Wassef, que em 2020 escondeu num sítio Fabrício Queiroz, o "ex-faz-tudo" do presidente acusado de operar para o clã Bolsonaro um esquema de desvio de salários de assessores.

Segundo a última pesquisa do Datafolha, Lula mantém uma vantagem de seis pontos sobre Bolsonaro nas intenções de votos válidos. No primeiro turno, o petista ficou à frente do atual presidente por cerca de seis milhões de votos.

Auxílio Brasil e Nordeste

O início do primeiro bloco foi dominado por temas sociais. Bolsonaro disse que o Auxílio Brasil será mantido de "forma vitalícia" caso ele seja reeleito e acusou o PT de ter sido contra o benefício. Lula rebateu, afirmando que a Lei de Diretrizes Orçamentárias só prevê pagamento até o final deste ano.

Ao longo do debate, Bolsonaro tentou insistentemente abordar ações do seu governo na região Nordeste e tentar desgastar a imagem de Lula entre o eleitorado local. A região, que concentra 42 milhões de eleitores, é o calcanhar de Aquiles da campanha de Bolsonaro. Lula tem mais de 65% das intenções de voto entre os nordestinos. Bolsonaro tem pouco mais de 25% e precisa reverter votos na região para reduzir a desvantagem de cerca de seis milhões de votos em relação ao candidato do PT no primeiro turno.

"O senhor prometeu levar água para o Nordeste, e agora o senhor está prometendo picanha e cerveja", disse Bolsonaro, em referência às obras de transposição do rio São Francisco. "Eu quero falar agora com o pessoal do Nordeste: quanto era o Bolsa Família? Começava com 40 reais. Nós triplicamos, com o Auxílio Brasil, a média do Bolsa Família."

"Todo mundo sabe que quem fez a transposição do São Francisco foi este que vos fala, porque sou nordestino, já tive experiência de carregar pau d'água e lata d'água na cabeça. Portanto, não minta", disse Lula. "Você acha que alguém acredita? Você acha que o nordestino que está vendo a gente na TV acredita que foi você que levou água? Que fez ferrovia?", completou.

Crime

Bolsonaro tentou falsamente associar Lula ao crime organizado, após o petista ter realizado um ato político nesta semana ao lado de moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

"Seu Lula, amizade com bandido. Eu conheço o Rio de Janeiro, o senhor esteve atualmente no Complexo do Salgueiro. Não tinha nenhum policial ao seu lado. Só traficante. Tanto é verdade, a sua afinidade com traficantes, com bandidos, que nos presídios do Brasil, cada cinco votos, o senhor teve quatro votos", disse Bolsonaro, confundindo o Complexo do Alemão, no município do Rio de Janeiro — que Lula visitou nesta semana — com o Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo.

Bolsonaro ainda mentiu que não havia policiais fazendo segurança no ato político de Lula. Nas redes sociais, as falas de Bolsonaro provocaram repúdio, com usuários acusando o presidente de pintar os moradores do local que compareceram ao ato como traficantes.

Lula respondeu, defendendo os moradores do Complexo do Alemão e lembrando as relações de Bolsonaro com milicianos do Rio de Janeiro e o fato de um vizinho do presidente num condomínio da cidade ter sido preso com mais de uma centena de fuzis de assalto em 2019. O mesmo vizinho também foi apontado como o principal suspeito de assassinar a vereadora Marielle Franco no ano anterior.

"Sabe do que eu tenho orgulho? É que eu sou o único candidato a presidente da República que tem coragem de entrar numa favela. Sem colete de segurança. E já não é agora. Quando eu era presidente, eu entrava no Rio de Janeiro, as pessoas falavam 'vai com cuidado porque o Bolsonaro é amigo dos milicianos. Você vai com cuidado.' Eu ia. Eu ia, sabe por quê? Eu acredito no povo. E eu fui numa comunidade no Complexo do Alemão, povo extraordinário, trabalhador, fizemos uma passeata extraordinária e exuberante, e ali não tinha bandido na passeata. Ali tinha mulheres e homens que trabalham, que levantam às cinco horas da manhã para trabalhar", disse Lula.

"Os bandidos o senhor sabe onde estão. Tinha um vizinho seu que tinha cem armas dentro de casa. O senhor sabe. Esse não era da favela do Complexo do Alemão. Esse morava no apartamento na Avenida Copacabana. É achar que bandido tá só no lugar dos pobres?"

Bolsonaro ainda tentou ligar Lula e seu vice, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, à facção criminosa PCC. Bolsonaro questionou por que Lula não transferiu o líder da facção para um presídio federal e provocou perguntando se isso se deve a "simpatia, amizade ou grande acordo".

Lula rebateu, lembrando que seu governo construiu diversos presídios federais de segurança máxima para aprisionar membros de facções. "O dado concreto é o seguinte: você está falando com o cara que fez cinco presídios de segurança máxima neste país. Quantos você fez? Nenhum. Nenhum. Então, eu acho que a mentira aqui não é minha. A mentira aqui é de um presidente que não pode mentir, porque o presidente tem que respeitar o cargo, não é possível", disse Lula.

Corrupção

O terceiro bloco foi dominado pelo tema da corrupção na Petrobras e a Operação Lava Jato. "O Petrolão foi o maior esquema de corrupção da história da humanidade. O endividamento da Petrobras, com desvio de recursos, com compra de refinarias, como Pasadena, começo da construção de três refinarias, uma no Maranhão, outra no Pernambuco, outra no Rio de Janeiro. Não concluiu nenhuma", disse Bolsonaro. "Lula, sabe por que, você sabe por que houve roubalheira na Petrobras, Lula? Porque você entregou para partidos políticos, diretorias da Petrobras, você fez um leilão, em troca de apoio dentro do Parlamento."

Lula tentou desviar do tema mencionando investimentos na Petrobras, lançando críticas à Lava Jato e mencionando práticas de sigilo do governo Bolsonaro.

"Se houve corrupção na Petrobras, olha, prendeu-se o ladrão que roubou, acabou. E prendeu porque houve investigação. Porque no nosso governo nada era escondido. A gente não tinha sigilo. Não tinha sigilo do filho, da filha, não tinha sigilo do cartão de crédito. A gente não tinha sigilo das casas? Nada. Tudo era ali. Era o portal da transparência e era a lei de informação, lei de acesso à informação, que foram duas obras primas que o PT criou para que o povo acompanhasse, em tempo real, as coisas que foram feitas neste país. O dado concreto é o seguinte: é que, se houve corrupção na Petrobras, não precisava ter quebrado as empresas, como foram quebradas", disse.

Nesse momento, Bolsonaro tentou colocar a mão no ombro de Lula, que se esquivou o gesto e devolveu com uma provocação. "Você sabe o que eu fiquei sabendo agora? Que todos os discursos seus no Congresso Nacional eram falando bem de mim, quando era deputado e eu era presidente. Me ligaram, disseram que você era um puxa-saco meu que não tinha precedente na história", disse Lula.

Ainda no terceiro bloco, Bolsonaro permaneceu em silêncio em diversos momentos, sem rebater falas de Lula. O petista, por sua vez, acabou falando mais. Como resultado, Bolsonaro chegou ao fim do bloco com uma sobra de 5 minutos de fala. O presidente aproveitou para engatar um longo monólogo, tentando ligar seu adversário a ditaduras da América Latina, como a Venezuela e a Nicarágua, deixando Lula sem oportunidade de reagir.

Vacinas e pandemia

"Por que houve tanta demora para se comprar vacina? O senhor não se sente responsável? O senhor não carrega nas costas um pouco do sofrimento dos brasileiros de ser responsável por pelo menos por 400 mil mortes nesse país?", questionou Lula a Bolsonaro.

O presidente rebateu, afirmando que não havia vacina a ser comprada em 2020 – o que não é verdade, já que diversos países começaram a vacinar com imunizantes da Pfizer ainda em dezembro daquele ano e o governo Bolsonaro ignorou ofertas e tentativas de contato do laboratório americano feitas em 2020.

Lula ainda afirmou que Bolsonaro negligenciou a pandemia e que as ações do governo acabaram provocando mais mortes. "O senhor não cuidou, debochou, riu", disse, acusando ainda o presidente de brincar "com a pandemia e com a morte".

"Rei das fake news" e "rei da estupidez"

Quando os dois candidatos debatiam a compra de vacinas, Bolsonaro acusou Lula de mentir. "Não continue mentindo, pega mal até pra sua idade. Pelo seu passado não vou dizer, porque o seu passado é lamentável", disse.

Lula rebateu o político de extrema direita chamando Bolsonaro de "rei das fake news" e "rei da estupidez".

"Você é o rei das fake news, rei da estupidez, de mentir para a sociedade brasileira, e você mentiu sobre a vacina o tempo inteiro, negligenciou a vacina, e o Brasil hoje carrega a pecha de que tem mais morte pelo covid. É lamentável", disse Lula.

Ainda em meio ao embate, Lula lembrou que sua sogra morreu de covid-19 em 2020. Num golpe baixo, Bolsonaro afirmou: "Fez discurso em cima do caixão da esposa e está se comovendo pela sogra", respondeu Bolsonaro.

Intervenção no STF

No começo do segundo bloco, a jornalista Vera Magalhães questionou os dois candidatos se eles assumiriam um compromisso de não interferir no Supremo Tribunal Federal, rejeitando eventuais planos de aumentar o número de cadeiras na corte suprema.

A pergunta foi claramente inspirada por recentes ameaças de Bolsonaro nesse sentido, que levantaram temores de que ele possa optar por uma escalada autoritária contra o Judiciário nos moldes dos atuais governos da Hungria e da Venezuela.

No início de outubro, tanto o presidente quanto seu vice, Hamilton Mourão, abordaram a possibilidade de aumentar as cadeiras no STF.

Lula deixou claro que não apoia a ideia, e lembrou que o regime militar brasileiro (1964-1985) recorreu à prática de aumentar o número de cadeiras no STF e de derrubar ministros que desagradavam os generais.

"Estou convencido de que mexer na suprema corte para botar amigo é um atraso, um retrocesso", disse o candidato do PT.

Bolsonaro, por sua vez, disse que "tá feito o compromisso", deixando de lado suas próprias ameaças contra a corte nos últimos dias. Ele ainda tentou desviar da sua própria posição sobre o tema afirmando que uma proposta nesse sentido que tramita foi feita por Luiza Erundina, que foi filiada ao PT, e hoje está no PSOL. "Da minha parte, tá feito o compromisso, assim como nunca estudei isso com profundidade", disse.

Lula e Bolsonaro no debate
Candidatos foram questionados sobre seus planos para o STF. Bolsonaro evitou mencionar declarações sobre enfraquecer poder da corteFoto: Marcelo Chello/AP/dpa/picture alliance

Amazônia e desmatamento

No terceiro bloco, Lula lembrou que o desmatamento da Amazônia voltou a crescer no governo Bolsonaro e que o Brasil costumava ser elogiado por suas políticas ambientais. "Foi no nosso governo o menor desmatamento da Amazônia. Foi no nosso governo. E o seu é o maior todo ano. Vocês estão brincando de desmatar", disse Lula.

Bolsonaro rebateu, acusando Lula de querer "dividir a biodiversidade da Amazônia com o mundo". "Você já está se curvando ao mundo. Em vez de você falar que a Amazônia é nossa, você quer dividir a nossa biodiversidade", disse Bolsonaro.

No entanto, em 2019, Bolsonaro foi filmado durante o Fórum Econômico Mundial de 2019, em Davos, na Suíça, falando que "adoraria explorar essa riqueza (da Amazônia) com os Estados Unidos".

A fala de Bolsonaro ocorreu em um diálogo com o ex-vice-presidente americano Al Gore, um reconhecido ativista de causas ambientais, que pareceu espantado com a fala do presidente brasileiro.

"Pintou um clima"

Nas 24 horas que precederam o debate, Jair Bolsonaro se viu em meio a uma tempestade política por causa de declarações sobre adolescentes venezuelanas.  No sábado, viralizou nas redes um vídeo em que Bolsonaro aparece afirmando que "pintou um clima" entre ele e um grupo de meninas de 14 anos na região de Brasília. O presidente ainda insinuou que as meninas seriam prostitutas.

"Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, se eu não me engano, em um sábado de moto [...] parei a moto em uma esquina, tirei o capacete, e olhei umas menininhas... Três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas, num sábado, em uma comunidade, e vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. 'Posso entrar na sua casa?' Entrei. Tinha umas 15, 20 meninas, sábado de manhã, se arrumando, todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos, se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida", disse Bolsonaro, em entrevista a um podcast.

As declarações provocaram repúdio imediato entre críticos do presidente. Nas redes, usuários começaram a associar Bolsonaro a pedofilia e o PT passou a usar as falas em materiais de campanha para atacar Bolsonaro. A própria campanha do presidente ficou na defensiva. Bolsonaro, visivelmente abalado e com a voz rouca, fez uma "live de emergência" na madrugada para tentar conter os danos.

Bolsonaro ainda mentiu sobre as meninas serem prostitutas. Reportagem do UOL mostrou neste domingo que a casa que Bolsonaro visitou na realidade era usada para um projeto social e que durante a visita do presidente as jovens estavam arrumadas na casa porque voluntárias estavam treinando práticas de estética e corte de cabelo nas meninas.

Ao longo do domingo, aliados de Bolsonaro tentaram minimizar as declarações do presidente. O senador eleito Magno Malta e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, argumentaram que o presidente tem "mania" de falar "pintou um clima" para todo o tipo de situação. O próprio presidente tentou seguir a mesma linha na chegada ao debate, afirmando que havia se referido "a clima para conversar". No entanto, ele se recusou a explicar por que insinuou que as menores seriam prostitutas.

Lula, por sua vez, na chegada ao debate, disse que Bolsonaro agiu de má-fé. "É a molecagem que é feita sempre que ele pode. Ele é assim, parece que nasceu assim e vai terminar a vida assim, zombando de coisas sérias", disse o candidato do PT.

Lula não explorou diretamente as acusações durante o debate, mas mandou um recado usando um broche de uma campanha de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes e lembrou que o rival fez uma live na madrugada deste domingo para se explicar.

Foi o próprio Bolsonaro que mencionou mais diretamente a controvérsia, tentando passar uma imagem de vítima e até mesmo invocando uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que proibiu a campanha do PT de explorar o vídeo que mostra Bolsonaro falando das adolescentes. Moraes costuma ser um alvo do Planalto, mas desta vez o presidente adotou um tom mais neutro em relação ao ministro ao receber uma decisão favorável.