Crise diminui liderança do Brasil e afeta economias latinas
28 de abril de 2016Após exercer grande influência nos mandatos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o Itamaraty perdeu prestígio e orçamento no governo da presidente Dilma Rousseff. E, se a política externa já não era prioridade para ela nos primeiros anos, com o agravamento da crise interna diminuíram ainda mais as chances de o país retomar o protagonismo na região.
O governo Dilma chegou a obter algumas vitórias na política internacional, por exemplo ao eleger para a liderança da Organização Mundial do Comércio (OMC) o diplomata Roberto Azevêdo e ao tecer críticas aos Estados Unidos devido à espionagem da própria presidente e de estatais brasileiras feita pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Por outro lado, sofreu críticas ao optar pela cautela e não censurar a Venezuela pela repressão aos protestos contra o presidente Nicolás Maduro, que culminaram na prisão de líderes oposicionistas, como Leopoldo López.
No governo Dilma, o Brasil passou de um país que tinha uma das políticas externas mais ativas entre as nações emergentes para uma nação paralisada pela crise e que não lidera mais os debates sobre o futuro da América Latina, constatam especialistas ouvidos pela DW. Essa situação tem consequências para os demais países latino-americanos.
"Qualquer crise econômica e política no Brasil tem grande impacto nos vizinhos devido ao tamanho do país e à sua presença na economia dos vizinhos", diz Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV. "O país deixou de promover uma discussão regional sobre os rumos do continente. Áreas como crime organizado internacional ou tráfico de armas e de drogas exigem uma resposta regional, e o país está ausente. O Brasil é hoje uma fonte de problemas e não de soluções."
Para Ana Soliz de Stange, do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), em Hamburgo, o Brasil, como líder regional, tinha principalmente o papel de mediador de conflitos na região. A crise gerou impactos negativos na América do Sul, "deixando o vazio de uma liderança que desempenhe um papel prudente pela estabilidade da região, além dos efeitos econômicos negativos num ano em que as expectativas de crescimento na região já são baixas".
Menos apoio à Venezuela
Para os especialistas, o vácuo de liderança deixado pelo Brasil, principalmente por conta da crise política e econômica, abre as portas para o ressurgimento de outra fonte de influência regional: a Argentina. Durante a campanha eleitoral e também após a eleição, o presidente Mauricio Macri deixou claro que fará mudanças na linha econômica e política seguida pela ex-mandatária Cristina Fernández de Kirchner.
Em visita a Dilma no início de dezembro, antes mesmo de tomar posse, Macri reforçou junto à líder brasileira a posição argentina de pressionar o Mercosul para usar a chamada "cláusula democrática" contra Caracas. Na época, o Brasil manteve silêncio sobre o que Macri, sem rodeios, qualificou de perseguição a opositores e desrespeito à liberdade de expressão na Venezuela.
"A Venezuela havia conseguido repelir questionamentos nos organismos internacionais em áreas como direitos humanos devido, em grande parte, ao apoio que recebeu do Brasil e dos países do eixo bolivariano, como Bolívia e Equador, assim como a Argentina [de Kirchner]", diz Stange. "É muito provável que a situação para a Venezuela seja muito diferente de agora em diante, não só porque o Brasil deve focar em seus problemas domésticos, mas também por causa do novo governo argentino."
Efeitos na Argentina
As sucessivas retrações da economia brasileira também afetam os países da região. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou queda de 3,8% em 2015. Neste ano, o país deverá repetir a queda de 3,8% e alcançar o terceiro pior resultado da América Latina, atrás somente de Venezuela (-8%) e Equador (-4,5%), segundo estimativa divulgada nesta quarta-feira (27/04) pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
A crise na maior economia da região influencia o desempenho de outros países, como a Argentina. O Brasil é o principal parceiro comercial da Argentina, e alguns setores argentinos já têm reclamado do fraco desempenho da economia brasileira. Independentemente da desaceleração do comércio internacional, um recuo nas compras dos brasileiros afeta diretamente a economia argentina, que deverá cair 1% em 2016, segundo o FMI.
Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o Brasil vem reduzindo as importações da Argentina. Elas caíram de 16,4 bilhões de dólares em 2013 para 10,2 bilhões de dólares em 2015. Com a sua própria crise econômica e com o acesso bloqueado aos mercados de capitais desde 2011 – situação que deverá em breve ser revertida –, a Argentina se rendeu à ajuda de nações como a China.
"Com a diminuição do peso relativo do Brasil, o jogo do G2 [EUA e China] chega definitivamente à região", constata Marcos Troyjo, diretor do BricLab da Universidade de Columbia, nos EUA. "Isso se pode ver bem na Argentina, que nestes últimos anos se afastou da 'brasildependência' e, nos anos Cristina Kirchner, acercou-se da China. Agora, com Macri, o país ensaia novas parcerias com os EUA."