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Crise econômica é prova de fogo para a Espanha

7 de maio de 2013

Altas taxas de desemprego levam cidadãos irados às ruas, enquanto os jovens migram em massa para fora do país. Além de tudo, escândalos de corrupção abalam o país. A confiança nos políticos diminui.

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Foto: Cesar Manso/AFP/Getty Images

Até poucos anos atrás, a Espanha era considerada um país exemplar na Europa. Com sua economia dinâmica, seus projetos arquitetônicos notáveis e seus criativos circuitos de arte e cinema, a nação era bem vista no exterior. Os anos sombrios sob a ditadura de Francisco Franco pareciam quase esquecidos.

A morte do general, em 1975, pôs fim à letargia política que dominou o país durante longo tempo, possibilitando uma mudança democrática. Com o ingresso na Comunidade Europeia, em 1986, a Espanha retomou sua prosperidade econômica.  Ou seja, o país parecia ter um futuro promissor.

No entanto, em 2007, o sonho acabaria. Em meio à crise financeira internacional, a bolha imobiliária estourou e a Espanha foi arrastada para uma crise econômica. Milhares de empresas faliram e o sistema bancário do país foi abalado. As ruínas das obras em construção que se alastram por quilômetros na costa espanhola testemunham que o país viveu de dinheiro que não tinha.

Spanien Immobilienkrise Geisterstadt
Prédios às moscas: fruto da bolha imobiliáriaFoto: picture alliance/abaca

Junto com a Grécia, a Espanha se tornou um problema na União Europeia (UE). O desemprego em fins de 2012 chegou a 26%. Seis milhões de espanhóis, ou seja, um quarto da população economicamente ativa, estavam sem trabalho. Entre os jovens abaixo de 25 anos, esse índice atingiu 52%.

Na virada do ano, a dívida pública somava, segundo o Banco Central espanhol, 884 bilhões de euros, o que corresponde a aproximadamente 84% do PIB espanhol. Na verdade, na União Europeia o limite máximo é 60%.

Demissões mais rápidas, alta de impostos

Quando a quarta maior economia da zona do euro fracassa ao tentar gerenciar sua dívida, cresce o medo de que se perca o controle sobre a crise. Como a economia espanhola representa mais que o dobro do desempenho da Irlanda, da Grécia e de Portugal juntos, a União Europeia teme que seus fundos de resgate possam não dar conta.

Por isso, o governo em Madri implementa há meses medidas drásticas de austeridade, a fim de corresponder às exigências da UE. O cerne do programa de reformas são mudanças radicais no mercado de trabalho, que incluem a possibilidade de demitir mais rapidamente, e maior flexibilidade para as empresas. Houve aumentos nos impostos, enquanto nos setores de educação, saúde e nas instituições públicas foram cortados postos de trabalho.

Protestos contra medidas de austeridade

As reformas colocaram em xeque a paz social. Dezenas de milhares de pessoas passaram a ir às ruas das grandes cidades quase que semanalmente para protestar contra os cortes.

Spanien arbeitslose Jugendliche in Madrid
Desempregados fazem fila em busca de habitação de baixo preço na periferia de MadriFoto: AP

Os espanhóis lidaram surpreendentemente bem com a situação, afirma à Deutsche Welle Walther von Plettenberg, diretor da Câmara Alemã do Comércio para a Espanha, em Madri. Segundo ele, os espanhóis têm consciência de terem esbanjado mais do que podiam por 10 a 15 anos. Por isso, completa Von Plettenberg, eles se dispõem a abdicar do que for necessário. "Embora hoje em dia esteja difícil, pois quase ninguém é poupado das medidas de austeridade", acentua.

Jovens fogem para o exterior

Em função da falta de perspectiva, os jovens veem sua geração como perdida. Por causa disso, cada vez mais jovens bem qualificados procuram a sorte fora do país. E são exatamente estes que a Espanha precisaria com tanta urgência para sair da crise. Na opinião de vários especialistas, a fuga de mão de obra dificilmente será compensada.

As ações da Cruz Vermelha espanhola explicitam a dramaticidade dos acontecimentos: pela primeira vez, a organização pediu recursos para os necessitados dentro da Espanha, em vez de solicitar ajuda para amenizar as mazelas no exterior. Aproximadamente três milhões de espanhóis recebem alimentos da organização.

Movimentos separatistas em ascensão

Os movimentos separatistas regionais se aproveitam das dificuldades econômicas e da ira contra o governo de Madri. As vozes neste sentido se levantam principalmente na região autônoma da Catalunha, que pleiteia a independência.

Katalanische Fahne
Catalunha pleiteia independênciaFoto: AFP/Getty Images

Em janeiro último, os deputados catalães aprovaram em Barcelona, com ampla maioria, que a região, que tem a economia mais forte do país, poderá definir seus próprios destinos.

O governo espanhol pretende recorrer diante do Tribunal Constitucional. O absurdo neste contexto é que também a Catalunha chegou a pedir ajuda financeira de Madri para saldar suas montanhas de dívidas.

"É difícil gerenciar um Estado, no qual cada região tem tantos poderes", resume o economista Daniel Gros. Os ministros em torno do premiê Mariano Rajoy não têm como reagir tão rapidamente para sanar os problemas que se alastram pelo país. Até a oposição tem dificuldades em apresentar soluções inovadoras no Parlamento.

Casos de corrupção

O próprio Rajoy enfrenta no momento uma situação delicada: segundo informações divulgadas pelos jornais do país, funcionários do alto escalão de seu governo, ligados ao Partido Popular (PP), receberam desde 1990 propinas de empresas. Esse escândalo é, contudo, apenas a ponta do iceberg. Depois de um longo silêncio sobre a corrupção no país, outros casos estão vindo à tona sob pressão da crise econômica.

Embora o governo tenha anunciado que pretende combater a corrupção, são poucos os espanhóis que acreditam nisso. A mídia do país critica com frequência a falta de controle por parte da Justiça, que é apontada como um simples joguete nas mãos dos políticos.

Em tempos difíceis como esse, a realeza quer se mostrar solidária com a população: o rei Juan Carlos declarou, em junho de 2012, que ele e o príncipe Felipe iriam abdicar de 7,1% de seus vencimentos anuais.

Até então, o monarca recebia do Estado em torno de 272 mil euros anuais e seu filho, a metade deste valor. Tendo em vista o patrimônio e outras receitas da casa real, abdicar desse percentual de salário foi visto apenas como gesto simbólico. Ou como tentativa do rei de simplesmente polir a imagem perante a opinião pública.

Realeza cai no desagrado do povo

Até um ano atrás, Juan Carlos ainda desfrutava de uma boa imagem entre os espanhóis. O rei de 75 anos de idade era considerado moderno, cosmopolita e exemplar. Após o fim da ditadura franquista, ele apoiou o caminho do país rumo à democracia e foi contra o golpe militar de 1981.

Spanien Premierminister Mariano Rajoy
Premiê Mariano Rajoy: dificuldadesFoto: Reuters

No entanto, desde abril de 2012, sua popularidade caiu vertiginosamente. Enquanto as pessoas iam às ruas em desespero protestar contra as medidas de austeridade aplicadas no país, Juan Carlos participava de uma caçada a elefantes em Botsuana.

Boatos a respeito de uma possível amante, que o teria acompanhado no passeio luxuoso pela África, bem como acusações de corrupção envolvendo familiares próximos, destruíram a fama do monarca.

A Espanha é hoje um país com profundos problemas, cuja população se sente abandonada tanto pelos políticos quanto pela realeza.

Autor: Ralf Bosen (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer