Crise em tevês põe fim às vacas gordas no futebol europeu
Na Alemanha, a falência do Grupo Kirch – detentora dos direitos de televisionamento da Bundesliga – obrigou os clubes alemães a aceitarem uma redução de 20% a 30% em suas receitas vindas da transmissão dos jogos do Campeonato Alemão. Isto é, 240 milhões de euros a menos nos próximos dois anos. Até agora, a crise vem sendo administrada sem pânico. Os clubes diminuíram os gastos com novas contratações, o Stuttgart chegou a cortar prêmios e reduzir salários e apenas 200 jogadores estão sem emprego.
A crise do Grupo Kirch e suas conseqüências no futebol alemão não são fato isolado no cenário europeu. A cena repete-se de forma similar nos principais mercados futebolísticos, com soluções similares. Em vários países, emissoras pay-tv estão indo à bancarrota ou se fundindo para sobreviver. A concorrência entre elas está desaparecendo, acabando com os leilões que encareciam os direitos de televisionamento.
"Sem futebol, não há pay-tv. Em todo os países, o futebol é o tema principal destes canais. Mais de dois terços dos assinantes compraram um decodificador para assistir às transmissões esportivas", observa Hartmut Zastrow, presidente do instituto de pesquisa de mercado Sport + Markt, de Colônia.
Na Itália
– O início da Série A (Campeonato Italiano) foi inclusive adiado por duas semanas, pois emissoras de tevê e clubes não conseguem chegar a um acordo. Os canais por assinatura Telepiu e Stream estão afogados em dívidas, mas o departamento anticartéis italiano tem impedido a fusão.Sem a receita das tevês, muitos clubes podem seguir o caminho da falida Fiorentina. Abalados financeiramente, Lazio e Roma, por exemplo, obtiveram licença para disputar a Série A no último momento. Para impedir um desastre, a liga quer implantar um teto de massa salarial nos clubes e baixar a remuneração dos jogadores em 20%. Ao todo, as quatro principais divisões italianas acumulam dívidas de 256 milhões de euros.
Na Espanha
– A nova situação já se definiu no país ibérico, em prejuízo dos clubes. O canal pago Quiero faliu e os outros dois, Via Digital e Canal Satelite Digital, se fundiram. As negociações para um próximo contrato a partir de 2003 apontam para uma sensível queda no preço dos direitos de televisionamento, igualando-se às condições na Alemanha (300 milhões de euros).Na França
– O crescimento do Canal Plus estagnou em 4,6 milhões de assinantes, enquanto os custos com futebol não pararam de subir. Conseqüência: a emissora pay-tv está dando prejuízo. Como nos países vizinhos, o futebol francês terá provavelmente de ceder. A revisão do atual contrato, com validade até 2004, está sendo renegociado.Na Inglaterra
– Do outro lado do Canal da Mancha, a concorrência no setor de pay-tvs igualmente esfriou. Os canais NTL e ITV Digital se retiraram por enquanto da briga pelas transmissões da Premier League e, assim, o Sky assumiu o espaço. Como única interessada, a empresa do grupo Murdoch forçou e obteve uma sensível redução nos preços.O contrato anterior, da ITV Digital com os clubes da primeira à terceira divisão, era de 480 milhões de euros em quatro anos. Na metade do tempo, a emissora entrou em insolvência. O novo contrato com a Sky, também válido por quatro anos, ficou em apenas 146 milhões de euros, ou seja, uma perda de 165 milhões de euros na previsão orçamentária dos clubes da primeira à terceira divisão inglesa.
A Premier League ainda recebe uma quota extra de 1,69 bilhão de euros, mas seus clubes sabem que o valor emagrecerá sensivelmente num novo contrato, em 2004. Em função disto, se preparam para o choque. Os clubes da primeira divisão gastaram até agora somente 170 milhões de euros em reforços para a nova temporada, contra 437,5 milhões no ano passado.
Cortes também na elite
– Em todos estes países, os clubes menos atingidos são aqueles que disputam a milionária Liga dos Campeões. Mas até esta fonte deverá minguar a partir da temporada 2003/2004. Muitos dos contratos de televisionamento irão expirar ao fim da temporada que se inicia agora e as emissoras não escondem que pretendem pechinchar. Algumas ameaçam inclusive não transmitir mais os jogos. Uma das razões: o fim da exclusividade das transmissões, por interferência da União Européia (UE).Um dos cortes no caixa da Uefa – promotora da Liga dos Campeões e distribuidora dos recursos aos clubes – virá das emissoras alemãs. Sozinhos, o canal pay-tv Premiere (Grupo Kirch) e o RTL (tevê aberta) respondem atualmente por um quinto da arrecadação da Uefa com direitos de transmissão (total: 500 milhões de euros). "É de se esperar cortes de 30% a 40% em toda a Europa", prevê Carsten Schmidt, diretor de Esporte da Premiere.
As diretrizes da UE vão interferir diretamente no valor dos contratos. Elas visam combater a política de exclusividade, estimular a competitividade entre as emissoras e tornar as transmissões acessíveis a um público maior. O fim da exclusividade, porém, acabará com os leilões e a concorrência pelos direitos. Segundo as diretrizes, as tevês deverão poder escolher entre 14 pacotes de transmissão. Teoricamente, portanto, vários canais livres e pay-tv de um mesmo país poderão exibir simultaneamente um ou diferentes jogos.