Crítico reage à sua morte anunciada
6 de junho de 2002"Na nossa literatura, deveria haver espaço para personagens judeus que não fossem só santos. Mas o crítico Ehrl-König, [protagonista] do romance de Martin Walser, não é um ser humano, mas sim um monstro de corrupção, vulgaridade, vaidade e depravação. O judeu personificado por ele é a própria imagem do ódio", comentou o crítico Uwe Wittstock, na edição de quinta-feira (6) do diário Die Welt. A apreciação da maioria dos críticos alemães não diverge muito desta opinião.
O agravante é que o alvo do romance Morte de um Crítico (Tod eines Kritikers), a ser lançado em junho pela Editora Suhrkamp, é uma pessoa de pele e osso: Marcel Reich-Ranicki, crítico literário popularizado sobretudo por seu programa de TV Quarteto Literário, transmitido de 1988 a 2001.
"Este livro é altamente anti-semita"
Após a maior parte da imprensa e da mídia ter atestado o teor preconceituoso do romance, Reich-Ranicki – em pessoa – deu seu parecer sobre a obra numa entrevista à TV: "Este livro é altamente anti-semita".
Ranicki, que em polêmicas anteriores defendera Walser de acusações de anti-semitismo, chegou a exigir que o livro não fosse publicado, mas depois voltou atrás. Apesar de defender a publicação, o crítico de 82 anos lamentou que o livro seja editado justamente pela Suhrkamp, uma editora que fez nome através de tantos autores judeus, como Walter Benjamin, Theodor Adorno, Paul Celan e Ernst Bloch.
Uma disputa entre jornais
A polêmica em torno do romance começou quando Frank Schirrmacher, editor-chefe do Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), para o qual Ranicki escreve há décadas, se recusou a publicar excertos do romance de Walser. Além de constatar que o livro "joga com um repertório de clichês anti-semitas", Schirrmacher se mostrou chocado com a agressividade contra Ranicki: "Quem está em jogo aqui é um senhor de 82 anos e sua esposa, que – entre outras coisas – são os únicos sobreviventes de famílias judaicas vitimadas no Holocausto", declarou Schirrmacher na edição de quinta-feira (6) de seu jornal.
Apenas um jornal alemão publicou resenhas e críticas que defendem Walser das acusações de anti-semitismo, o Süddeutsche Zeitung. Em sua declaração à TV, Ranicki tornou ainda mais pessoal uma polêmica caracterizada por ofensas não apenas particulares, denunciando que os críticos do Süddeutsche Zeitung tinham saído do FAZ brigados com o editor-chefe Schirrmacher.
Toda a polêmica sobre o romance inédito aguçou ainda mais a curiosidade do público leitor. O alcance da nova investida anti-semita de Martin Walser, notório por suas declarações no mínimo politicamente incorretas, só poderá ser avaliado depois da publicação do livro, prevista para 26 de junho – longe dos ânimos de uma disputa jornalística.