Cultura após as eleições, quo vadis?
9 de agosto de 2005Após 16 anos de governo democrata-cristão sob o premiê Helmut Kohl, em 1998 a coalizão formada pelos partidos Social Democrata (SPD) e Verde assumiu o poder na Alemanha. Para surpresa dos que esperavam total concentração nas questões econômicas e sociais, o então candidato Gerhard Schröder anunciara durante sua campanha o editor Michael Naumann como potencial “ministro de Estado para assuntos culturais”.
Posto importante na área da Cultura
Tratava-se de um cargo novo, providenciando à cultura a muito esperada “voz à mesa do Gabinete”. O Conselho Alemão de Cultura comentou assim o fato inusitado: “Pela primeira vez na história da Alemanha, a cultura é tema de uma campanha eleitoral para o Bundestag (Parlamento)”.
Até mesmo a oposição teve que reconhecer em Naumann uma personalidade carismática, contribuindo intensamente para estabelecer o cargo de “encarregado do governo alemão para Cultura e Mídia”. Seu sucessor, Julian Nida-Rümelin, foi responsável pela reforma da lei dos direitos autorais e a criação da Fundação Federal de Cultura.
Ministra faz balanço positivo
Tanto Naumann quanto Nida-Rümelin deixaram o cargo prematuramente, por motivos profissionais. Sua função é atualmente preenchida por Christina Weiss. Embora os social-democratas e verdes ainda estejam no governo, em todos os setores da vida pública na Alemanha aproveita-se a oportunidade para fazer um balanço dos últimos sete anos.
A ministra Weiss faz o seu com pronunciada autoconfiança: “Pela primeira vez, desde 1949, a cultura e seu patrocínio são temas de destaque no pensamento nacional”, afirma. Como prova para tal, aponta para uma suposta “revalorização pública do trabalho artístico”, expressa na nova legislação tributária e na reforma da lei das fundações.
Não há dúvida de que tem havido progressos na política cultural alemã, durante o mandato de Christina Weiss. Entre suas maiores vitórias conta a emenda da lei de patrocínio ao cinema, com o fortalecimento das produções nacionais. Outros projetos, como a criação de uma fundação para a Ópera de Berlim, ou a lei sobre memoriais do nacional-socialismo, restam inacabados.
No geral, permanece questionável a avaliação de Weiss de que tudo fosse assim tão “provinciano” nos tempos de Kohl, e de que só graças à estética “de abertura” do atual governo a vanguarda artísitica tenha podido realmente desabrochar.
Entram e saem os governos, fica a cultura?
O analista Thomas E. Schmidt, do jornal Die Zeit, arrisca uma pergunta: será realmente tão relevante o fato de a cultura estar ancorada na Lei Fundamental; ou quem seja o ministro de Estado encarregado da Cultura; ou se existe um ministério federal para esta área?
O orçamento federal da Alemanha para a cultura é de 1,1 bilhão de euros. Essa quantia relativamente modesta está, em princípio, vinculada a projetos representativos de grande porte, e não representa mais do que 12% do patrocínio cultural no país. Os Estados e municípios arcam, em proporções semelhantes, com a maior parte do ônus restante.
É lá que está a cultura, afirma Schmidt: “O que é um governo federal contra 6946 récitas de ópera por ano, 23.263 peças de teatro e 2539 de balé? Contra 151 teatros subvencionados, com um total de 721 salas e 253 mil lugares, contra 49 orquestras em 46 municípios? Contra 101 milhões de visitantes dos museus alemães?”
Cultura: alta ou e baixa, massa ou elite
Esses números datam de 2002, porém continuam, na essência, válidos. Somente as orquestras e os teatros representam 40 mil postos de trabalho. Incluída a produção livreira, a área cultural contribui com 2% a 3% do PIB. O jornalista acrescenta: “Se na terra do Estudo Pisa ainda existem instituições capazes de opor resistência aos canais comerciais de TV, assegurando algo como um patrimônio intelectual, então trata-se das instituições culturais”.
É necessário especificar a que “cultura” o analista do Die Zeit se refere. “Não falamos de eventos, espetáculos, festivais, nem do setor cultural organizado pelo setor privado, que se confunde com a indústria de entretenimento, ou seja, musicais, pop, operetas, fogos de artifício e elefantes de Aida. Nestes, quem quiser que invista, e que tenha sucesso.”
Schmidt traça uma distinção entre essas manifestações e a “alta cultura”, instituições “que mantêm uma oferta contínua e duradoura para o cidadão, a atividade cultural na acepção do termo”.
O caso MoMA
Thomas E. Schmidt examina a presente tendência ao espetacular, aos eventos culturais de massa, também em suas formas mais nobres e insinuantes, a exemplo da exposição do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) em Berlim. Esta atraiu em 2004 1,2 milhão de visitantes, dispostos a enfrentar filas quilométricas, rendendo aos organizadores um lucro de 6,5 milhões de euros.
“Foi pura ‘cultura de eventos’, mas ao mesmo tempo um dos maiores sucessos que a alta cultura já registrou. Não seria este o futuro? Uma cultura modernizada para todos, que por ser delimitada no tempo reduz sua oferta, forçando o público a comparecer? O Projeto MoMA foi o sonho de todo político da área da cultura, e Goya também vai bem. Porém os ícones da arte moderna são limitados em número, portanto não se pode deduzir um modelo a partir desses casos.”
O analista conclui com uma advertência: “Esta é a situação da alta cultura: sua permanência não está seriamente ameaçada; porém, ela enfrenta uma forte concorrência na forma da mídia, dos megaeventos e da cultura de festivais ou de entretenimento, financiada pelo setor privado”.