Câmara da Argentina aprova legalização do aborto
11 de dezembro de 2020A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou na manhã desta sexta-feira (11/12) um projeto de lei que legaliza o aborto até a 14ª semana de gestação. O texto segue agora para debate e votação no Senado, que há dois anos rejeitou uma iniciativa semelhante.
O projeto, apresentado pelo governo do presidente Alberto Fernández, recebeu 131 votos a favor e 117 contra, e seis deputados se abstiveram.
Durante a sessão na Câmara, que durou 20 horas, grupos defensores e opositores ao projeto se manifestavam no entorno do Congresso, em Buenos Aires.
Ao ritmo de tambores e em clima de festa, milhares de mulheres com lenços verdes – símbolo da campanha a favor da legalização do aborto no país – fizeram vigília nas imediações do Congresso. Separadas apenas por uma cerca estavam manifestantes com lenços azuis, que se opõem à legalização do aborto na terra natal do papa Francisco.
O projeto aprovado pelos deputados autoriza a objeção de consciência pelos médicos – e de estabelecimentos de saúde – que não desejarem realizar o aborto, desde que encaminhem as pacientes com agilidade para outros profissionais que possam assumir o procedimento.
Atualmente vigora na Argentina uma legislação de 1921, pela qual só é permitido abortar legalmente se a mulher tiver sofrido abuso sexual ou correr o risco de morrer.
A legalização do aborto foi debatida pela primeira vez no Parlamento argentino em 2018, durante o governo do liberal Mauricio Macri. Na ocasião, a iniciativa foi aprovada pelos deputados, mas rejeitada no Senado, em meio a grandes manifestações organizadas por mulheres.
Na sessão na Câmara desta quinta-feira, a deputada Ana Carolina Gaillard, da coalizão governista Frente de Todos, destacou que "o debate não é sobre 'aborto sim ou aborto não', mas sobre aborto seguro ou inseguro".
Resistência no Senado
Fernández, peronista de centro-esquerda, apresentou neste ano a iniciativa Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE) como uma forma de "garantir a todas as mulheres o direito à saúde integral".
Em sua campanha eleitoral, o presidente havia se manifestado em defesa da legalização da prática para que se reduzam os abortos clandestinos, que colocam a vida das mulheres em risco.
Segundo dados citados pelo presidente argentino, cerca de 3 mil mulheres morreram em decorrência de intervenções cirúrgicas clandestinas para interrupções de gravidez desde 1983. "Eu sou católico, mas tenho que legislar para todos. Trata-se de um problema de saúde pública muito sério", declarou Fernández na quinta-feira.
Especialistas em saúde estimam que ocorram entre 370 mil e 520 mil abortos clandestinos apor ano na Argentina, com 39 mil hospitalizações anuais em centros públicos de saúde.
O novo projeto, contudo, pode ter dificuldades em avançar no Senado, que tem perfil mais conservador, mesmo com o governo tendo maioria absoluta, já que os principais grupos políticos da Argentina estão divididos.
"O aborto é a clara emergência da falta de educação, das oportunidades, das desigualdades e da violência contra as mulheres. Ao invés de resolver as causas, propomos que permaneça na esfera privada resolver o problema, a oferecendo como única solução tirar a vida do filho", criticou Graciela Camaño, da aliança Consenso Federal, setor peronista que não apoiou Fernández na eleição.
O aborto pelo mundo
Mundo afora, o aborto é legal em boa parte dos países europeus, como Portugal, Espanha, França e Alemanha, além de Canadá, China, Coreia do Norte, Nova Zelândia, África do Sul, Turquia e Uzbequistão, entre outros.
Se o Senado aprovar a medida, a Argentina se juntará a Cuba, Uruguai e Guiana como países que permitem o aborto na América Latina. A prática também é legal na Cidade do México.
"O aborto é legal em países de primeiro mundo e em outros países desenvolvidos com forte religiosidade, como Itália, Espanha e Irlanda. Agora estamos avançando na Argentina. Se este fosse um problema masculino, já teria sido resolvido há muito tempo", disse o ministro da Saúde da Argentina, Ginés González García, em entrevista televisiva.
No Brasil, o aborto provocado é crime. Apenas em três situações específicas não é punível pela lei: para salvar a vida da mulher, quando a gestação é resultado de um estupro ou se o feto for anencefálico.
PV/efe/afp