Câmara dos EUA aprova novo impeachment de Trump
13 de janeiro de 2021A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprovou nesta quarta-feira (13/01) a abertura de um novo processo de impeachment contra o presidente Donald Trump. Desta vez, o republicano é acusado de "incitação a insurreição".
Foram 232 votos a favor e 197 contra – eram necessários 217 votos para aprovar o impeachment. Todos os 222 democratas da Câmara votaram a favor. A maioria dos republicanos votou contra, mas ocorreram dez dissidências entre os 211 deputados do partido, incluindo a conservadora Liz Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney. O placar contrastou com o impeachment anterior de Trump, quando todos os deputados republicanos cerraram fileiras com o presidente.
Nos debates que precederam a votação nesta quarta-feira, representantes democratas afirmaram que Trump cometeu "traição" e que as ações do presidente foram uma "tentativa de golpe" e uma "ação terrorista".
A presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, chamou Trump de um "perigo claro e presente" ao país. Mais tarde, em pronunciamento durante a cerimônia em que assinou o artigo de impeachment aprovado, ela afirmou: "Hoje, de forma bipartidária, a Câmara demonstrou que ninguém está acima da lei, nem mesmo o presidente dos Estados Unidos."
Trump, que teve suas contas suspensas nas redes sociais e perdeu sua principal plataforma de comunicação, divulgou, após a votação na Câmara, um vídeo previamente gravado, mas sem mencionar o impeachment.
No discurso, em tom mais moderado, em contraste com a postura incendiária dos últimos meses, o presidente se concentrou na invasão ao Capitólio, em Washington, perpetrada por seus apoiadores na quarta-feira passada, que justamente impulsionou a abertura do processo de destituição. "Quero ser muito claro, condeno inequivocamente a violência que vimos na semana passada. Violência e vandalismo não têm absolutamente nenhum lugar em nosso país e nenhum lugar em nosso movimento", disse.
Trump afirmou que os envolvidos no ataque à sede do Congresso americano serão levados à Justiça. Ele também pediu união do povo americano e que sejam evitados mais atos de violência, a fim de que uma transição de poder pacífica seja garantida em 20 de janeiro.
Ataque insuflado por Trump
Na semana passada, o presidente instigou num discurso uma turba de apoiadores a marcharem em direção ao Capitólio para pressionar legisladores. A ação ocorreu ao mesmo tempo em que a Câmara e o Senado se reuniam para oficializar a vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais de novembro – e consequentemente a derrota de Trump no mesmo pleito.
Os procedimentos foram interrompidos quando centenas de manifestantes, entre eles neonazistas e supremacistas brancos, invadiram o prédio. Eles vandalizaram gabinetes e agrediram policiais. Cinco pessoas morreram, incluindo um agente de segurança, que foi agredido com um extintor de incêndio.
O episódio foi a conclusão de dois meses de tentativas de Trump de minar a confiança no sistema eleitoral e reverter sua derrota nas eleições presidenciais de 2020, alegando ter sido vítima de fraude, mesmo sem apresentar provas.
Segundo o pedido de impeachment, Trump "deliberadamente fez declarações que encorajaram ações ilegais" e "continuará sendo uma ameaça à segurança nacional, à democracia e à Constituição se for autorizado a permanecer no cargo".
O documento ainda cita outras ações de Trump, como a pressão exercida sobre uma autoridade eleitoral da Geórgia, a quem Trump pediu para que "encontrasse votos" para mudar o resultado da eleição no estado.
Após o ataque ao Congresso, Trump não demonstrou arrependimento, e na terça-feira, na véspera da votação do impeachment, disse que seu discurso para apoiadores foi "totalmente apropriado".
Processo segue para o Senado
Apesar de o processo ter sido aprovado, Trump não será afastado do cargo, como ocorre pelas regras brasileiras de impeachment. Nos EUA, o presidente só é afastado após o aval do Senado, responsável pelo julgamento do caso.
No entanto, o processo não deve ser concluído até o fim do mandato de Trump, que deixa o cargo em 20 de janeiro. A ação contra o republicano está sendo encarada como uma forma de excluir Trump da política.
Se condenado, ele pode ser impedido, numa votação separada no Senado, de se candidatar novamente a cargos políticos. Ele ainda pode perder privilégios reservados a ex-mandatários, como segurança, plano de saúde e aposentadoria.
Com a votação desta quarta-feira, Trump se tornou o primeiro presidente da história dos EUA a enfrentar dois processos de impeachment. Em dezembro de 2019, a Câmara, que conta com maioria democrata, já havia votado pelo afastamento de Trump no caso conhecido como a "pressão na Ucrânia", que envolveu manobras do presidente para intimidar o governo ucraniano a iniciar uma investigação contra o então ex-vice-presidente e agora presidente eleito Joe Biden e seu filho, Hunter, que era membro do conselho de uma empresa ucraniana. O episódio rendeu a Trump duas acusações: abuso de poder e obstrução dos poderes investigativos do Congresso.
No entanto, o processo anterior acabou sendo barrado em fevereiro de 2020 pelo Senado, que conta com maioria republicana. Apenas um senador republicano, Mitt Romney, votou contra o presidente em relação a uma das acusações.
Dúvidas sobre a postura republicana
No novo processo de impeachment aprovado nesta quarta, os democratas ainda continuam em desvantagem no Senado para condenar o presidente. São necessários dois terços dos votos dos senadores para uma condenação. Os democratas contam com 50 dos 100 senadores – e a partir de 20 de janeiro com mais o voto de minerva da vice-presidente eleita Kamala Harris, que vai ocupar paralelamente a presidência do Senado.
Ainda não se sabe como parte dos senadores republicanos vai se comportar nesse novo processo. Especialistas especulam que eles podem se sentir mais inclinados a abandonar Trump sem a pressão de uma Casa Branca republicana. Por outro lado, Trump ainda mantém uma base de apoiadores fiel e capital político, apesar do ataque ao Congresso.
Mesmo com as dúvidas sobre como os senadores republicanos vão se comportar, o cenário é bem diferente do impeachment de Trump em 2020. Há mais sinais de fissuras na bancada do partido, e a imprensa americana aponta que o influente senador Mitch Mcconnell não deve se esforçar para salvar Trump desta vez.
Inicialmente, o novo processo de impeachment contra Trump foi apresentado na segunda-feira pelos democratas como forma de aumentar a pressão sobre o vice-presidente, Mike Pence, para que ele invocasse a 25ª Emenda, um dispositivo constitucional que prevê que um presidente pode ser removido do cargo sob a justificativa de incapacidade. No entanto, Pence se recusou. Dessa forma, os democratas colocaram o pedido de impeachment em votação nesta quarta-feira.
Uma pesquisa de opinião divulgada no domingo apontou que a maioria dos americanos quer que Trump deixe o cargo antes da posse de seu sucessor, em 20 de janeiro. Segundo o levantamento feito pela ABC News e o instituto Ipsos, 56% dos entrevistados disseram que o presidente deveria ser removido do posto antes do fim do mandato.
Um percentual ainda maior, 67%, enxerga Trump como responsável pela violência no Capitólio na quarta-feira passada.
O impeachment nos EUA
Esta foi a quarta vez na história dos EUA que a Câmara dos EUA aprovou o impeachment de um presidente ao longo dos seus 230 anos. Em 1868, Andrew Johnson foi acusado de remover um ministro sem autorização do Senado. Em 1998, foi a vez de Bill Clinton ser acusado de perjúrio e obstrução da Justiça. Os dois, porém, foram absolvidos no Senado. Em 2019, foi a vez de Trump no caso da Ucrânia, com o processo sendo barrado depois pelo Senado.
Um quarto presidente, Richard Nixon, renunciou em 1974 pouco antes de a Câmara votar acusações de obstrução da Justiça e abuso de poder.
JPS/ots