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Polêmica

14 de janeiro de 2012

Dano causado a uma instalação no Parlamento alemão que recorda os deputados do país desde 1919, entre eles Adolf Hitler, desencadeou debate nacional.

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Instalação no Parlamento alemão: caixa com nome de Hitler foi danificadaFoto: DW/Scholz

À primeira vista, a caixa com o nome de Adolf Hitler quase não se destaca entre as outras 4781 caixas de ferro com cor de ferrugem. Elas ficam empilhadas no porão da sede do Parlamento alemão, o Bundestag. Cada uma com o nome de um parlamentar do país entre os anos de 1919 e 1999. A instalação, intitulada Arquivo dos Parlamentares Alemães, do artista francês Christian Boltanski, serve para relembrar a história da democracia alemã.

A instalação está no lugar há 12 anos, desde a época em que o Bundestag se mudou de Bonn para Berlim. Os deputados costumam passar por ela quando circulam pelas passagens subterrâneas, a caminho de algum departamento administrativo pertencente ao Parlamento. De vez em quando, algum grupo de visitantes visita a instalação. Trata-se de uma obra altamente simbólica, mas de efeito contemplativo.

Respeito ao artista

Há alguns dias, os jornais do país começaram a noticiar repentinamente a respeito da instalação, pois, por volta do primeiro dia do ano, alguém danificou a caixa com o nome de Hitler. Os funcionários do Bundestag já desentortaram a caixa em regime de emergência. Sob a iluminação escassa do local, ela não se destaca das outras.

Monika Ruetters
Deputada Monika Grütters, da CDUFoto: picture-alliance/SCHROEWIG/Eva Oertwig

No entanto, quem olha com atenção ainda consegue reconhecer que ela foi danificada. "Acho correto consertá-la, em sinal de respeito ao artista", diz Monika Grütters, deputada da conservadora União Democrata Cristã (CDU). Boltanski afirmou perante jornalistas que a avaria em sua obra deveria ser reparada. Isso já ocorreu, mesmo que provisoriamente. Agora, contudo, o Parlamento terá que decidir se a obra será totalmente restaurada ou não.

O Bundestag tem sua própria comissão, o conselho de arte, com poderes para decidir quais obras de arte o Parlamento compra com os 175 mil euros disponibilizados para tais fins por ano. A obra de Boltanski foi adquirida por ocasião da mudança da sede do governo de Bonn para Berlim e pode ser apreciada em visitas guiadas pelo Parlamento. Com projeto do arquiteto britânico Norman Foster, a ideia era que o prédio do Reichstag incluísse também obras de artistas oriundos das potências vencedoras, que ocuparam a Alemanha no pós-guerra. Da França, foi Christian Boltanski o escolhido, cuja trajetória está ligada às temáticas da memória e do esquecimento.

"A obra comporta tal modificação"

O deputado social-democrata Swen Schulz, de Berlim, espera, por outro lado, que as avarias na caixa com o nome de Hitler permaneçam. "A obra de arte comporta tal modificação. Neste caso, deveríamos ser soberanos o suficiente para lidarmos com a questão", diz ele. Luc Jochimsen, do partido A Esquerda, complementa: "Acho que uma obra de arte danificada diz muita coisa",

Der französische Künstler Christian Boltanski
O artista francês Christian BoltanskiFoto: picture-alliance / dpa

Esta não é a primeira vez que a caixa, localizada a altura do joelho do visitante, é danificada. Sobre ela está escrito "Adolf Hitler 1933", sem qualquer comentário adicional. As controvérsias em torno da obra não dizem respeito, contudo, somente à pessoa do ditador. Hitler foi eleito, ao lado de 297 outros deputados de seu partido, em março de 1933. Naquele momento, os nazistas já haviam tomado o poder, ou seja, não se pode falar que se tratou de uma eleição justa e livre, argumentam diversos historiadores.

Muito antes disso, os eleitores e políticos de outros partidos já vinham sendo sistematicamente intimidados. E muitos políticos, principalmente os comunistas e social-democratas, não puderam nem se candidatar, porque já estavam aprisionados em campos de concentração. Pouco depois, os nazistas fecharam o Parlamento por completo. Na instalação de Boltanski, entre os anos de 1933 e 1945 há uma caixa preta.

Coveiros da República de Weimar

"Caso seja aceita a avaliação de que a última eleição livre se deu, de fato, em novembro de 1932, a obra também teria que ser modificada", escreveu Michael Feldkamp, historiador do Parlamento, há alguns meses em artigo publicado por um jornal alemão. "Hoje, a resposta aos visitantes é a de que esses deputados do NSDAP (o partido nazista) ainda assim foram eleitos democraticamente, mesmo que tenham sido os coveiros da República de Weimar".

Hakenkreuze im Reichstag bei Rede Adolf Hitlers 1938
Hitler frente ao Parlamento em 1938Foto: picture-alliance/Imagno

Alguns parlamentares de hoje rejeitam, todavia, a ideia de eliminar da obra as menções a todos os deputados eleitos em 1933. "É preciso escancarar a ferida", fala Jochimsen, do partido A Esquerda, também membro do conselho de artes do Parlamento. "Hitler foi um deputado eleito, ele não era um extraterrestre".

Wolfgang Wieland, do Partido Verde, acredita que retirar as menções a todos os parlamentares de 1933 seria cometer uma injustiça perante aqueles de outros partidos, que, apesar do terror nazista, foram eleitos. "Em 1933, ainda foram escolhidos social-democratas, que votaram contra a atribuição de poderes a Hitler", diz ele.

Não se trata de um "memorial a Adolf Hitler"

A democrata-cristã Monika Grütters sugere um ajuste nos letreiros da obra. Hoje, na caixa de cada deputado, consta a inscrição de seu nome e do período de seu mandato. Apenas nas caixas dos parlamentares da República de Weimar, que foram assassinados pelos nazistas, há um rótulo preto com as palavras "vítima do nazismo". Outros deputados concordam com a necessidade de maiores esclarecimentos. Segundo Wieland, é preciso, por exemplo, explicar principalmente aos turistas estrangeiros "que aqui não temos nenhum memorial a Adolf Hitler".

Deutschland Bundespräsident Kandidat Lukrezia Jochimsen
Luc Jochimsen, do partido A EsquerdaFoto: AP

Na instalação de Boltanski, não há, contudo, lugar para os deputados do último parlamento da RDA, de regime comunista, que aprovaram, em 1990, a adesão do país à então Alemanha Ocidental. E eles foram, sem sombra de dúvida, eleitos livremente. Por isso, Wieland pretende requerer perante os grêmios parlamentares uma ampliação da obra. "Estou esperando a hora em que a história esteja tão evoluída que esses deputados possam aparecer na peça", completa Jochimsen.

Autor: Mathias Bölinger (sv)
Revisão: Marcio Damasceno