De arquiinimigos a aliados militares
18 de janeiro de 2003As desavenças entre Alemanha e França foram o pivô de duas guerras mundiais, com raízes em 1871, quando as tropas prussianas derrotaram rapidamente as francesas. Vitorioso, o rei Guilherme I foi a Paris e coroou-se imperador no Palácio de Versalhes. A região da Alsácia-Lorena, ele anexou à Alemanha. Estava selada a inimizade.
Mas alemães e franceses conseguiram superar a sangrenta rivalidade. De arquiinimigos, tornaram-se parceiros, até mesmo amigos. Dois estadistas visionários – o chanceler federal Konrad Adenauer e o presidente Charles de Gaulle – deram o primeiro passo para o processo de reconciliação entre as duas nações e os dois povos com o Tratado do Eliseu, assinado em 1963.
Em vigor até hoje, o acordo visa a harmonização das concepções de segurança e defesa. Na prática, promove intensivo intercâmbio de pessoal entre as forças militares de ambos os países e fortalece a cooperação na área de armamentos. Ao considerarem coisa do passado todos os conflitos até a Segunda Guerra Mundial e estimularem a cooperação, Adenauer e De Gaulle puseram um ponto final na inimizade entre os vizinhos.
A primeira parada militar conjunta foi realizada num local simbólico: os campos de batalha da Primeira Guerra Mundial na região francesa de Champagne. De Gaulle levava as intenções do tratado a sério e foi o primeiro chefe de Estado estrangeiro a visitar a academia de oficiais da Bundeswehr, as Forças Armadas alemãs do pós-guerra.
"Se nossas tropas e nossas idéias não estão mais em conflito como nos trágicos séculos, mas agem em conjunto, então abre-se um novo tempo. Nós nos sentimos honrados em estarmos no limiar desta era", declarou o então ministro da Defesa, Franz-Josef Strauss, ao recepcionar o general francês.
Cooperação humana e tecnológica
Franceses e alemães reúnem-se regularmente desde o Tratado do Eliseu. E não somente no primeiro escalão da política. Os soldados são estimulados a conhecerem a formação profissional e a forma de liderar do exército parceiro. As visitas a instalações do vizinho e a promoção de exercícios conjuntos fazem parte do dia-a-dia.
Exemplo de cooperação armamentista é o Alpha-Jet, o primeiro avião a jato a ser montado na Alemanha após a Segunda Guerra, sob iniciativa do chanceler federal Helmut Schmidt e do presidente francês Valéry Giscard d'Estaing. Da mesma forma, o avião de transporte Transall C160 e o sistema de mísseis terra-ar Roland foram desenvolvidos em parceria.
Lado a lado nas fileiras
A superação do passado igualmente tem seus momentos marcantes, como quando o chefe de governo alemão Helmut Kohl e o chefe de Estado francês François Mitterand postaram-se de mãos dadas em memória aos mortos nos campos de batalha de Verdun. Os atos, porém, visam sobretudo o futuro, como no 50º encontro de cúpula teuto-francês em Karlsruhe, quando os dois acertaram a formação de um grande batalhão binacional sob comando rotativo.
"Neste meio tempo, ele ganhou capacidade de ação comparável à de qualquer outro batalhão alemão ou francês. Eu diria até mesmo que a motivação de seus soldados é maior do que a dos outros batalhões", orgulhava-se o general Helmut Neubauer, comandante da Brigada Teuto-Francesa.
Claro que para a cooperação é indispensável a compreensão do idioma do aliado. A motivação para aprender a língua do parceiro é crescente entre os soldados. O chanceler Kohl não falava francês – aliás, nenhum idioma estrangeiro. Mesmo assim estava unido em pensamento e atitudes com o colega Mitterand. Juntos, 25 anos depois do Tratado do Eliseu, eles criaram um conselho teuto-francês de defesa e segurança, alicerce da nova política de articulação militar entre os europeus dentro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Prevenir e remediar
Desde o fim da Guerra Fria, a política militar de prevenção e superação de crises passou a ser resumida por uma máxima do ex-ministro francês da Defesa, François Leotard: "Muita coisa não é considerada, porque parece difícil de acontecer. Muita coisa se torna difícil, porque não foi considerada".
Na linha deste raciocínio, alguns países europeus deram, há alguns anos, o primeiro passo para a criação das tropas conjuntas da UE ao instituírem o corpo de intervenção Eurokorps. Da unidade, participam Alemanha, França, Bélgica, Espanha e Luxemburgo. E, como parte deste contigente, soldados alemães desfilaram na parada militar do 14 de julho de 1994 em Paris. Antes do Tratado do Eliseu, quem poderia imaginar ser isto possível?