De Berlim para Veneza: "O céu de Suely", novo filme de Karim Aїnouz
18 de agosto de 2006O céu de Suely, produção de Walter Salles e Mauricio Andrade Ramos, é o novo filme do cineasta cearense Karim Aїnouz (de Madame Satã), convidado para concorrer na mostra Horizontes, de novas tendências no cinema, na 63ª edição do Festival de Cinema de Veneza, a ser realizado entre 30 de agosto e 09 de setembro de 2006.
Em 2004, durante sua residência em Berlim como bolsista do programa de artistas do DAAD (Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico), Karim Aїnouz desenvolveu o roteiro de O céu de Suely. DW-WORLD entrevistou o diretor para saber mais sobre seu filme e sua estada na Alemanha.
DW-WORLD: O que conta O céu de Suely?
Karim Aїnouz: O filme conta a história de uma jovem nordestina que volta de São Paulo com o filho recém-nascido para a casa de sua família, no interior do Ceará. Ela espera a chegada do marido, que nunca chega. Sozinha, ela tenta recriar sua vida.
Walter Salles, produtor do seu filme, comentou que "o novo filme de Karim Aïnouz propõe um tipo de dramaturgia que avança na contramão daquilo que predomina hoje na TV ou no cinema". O que há de novo no seu filme?
Minha dramaturgia é mais indutiva do que dedutiva. Não procuro dar explicações, faço sugestões, através de elipses, lacunas narrativas. Nem tudo é contado no meu filme, muito é induzido pelo espectador.
A linguagem narrativa que predomina, na televisão brasileira principalmente, é ainda bastante radiofônica, ou seja, para se entender uma novela, por exemplo, basta escutá-la, talvez não seja necessário vê-la. Através da permanência do olhar do espectador sobre a imagem procuro levá-lo a descobrir o cotidiano das coisas e das pessoas. Não é realismo, é hiper-realismo.
Como o Nordeste brasileiro é apresentado em um filme de uma cineasta nordestino?
Não pensei o Nordeste em um aspecto cultural. O sertão vem como algo emocional da distância. Iguatu, a cidade do sertão do Ceará que serviu como cenário para o filme, aparece como um não-lugar, um lugar de passagem para onde o personagem é catapultado, um saguão de aeroporto. Um espaço também cheio de ícones de tempos diferentes em um mesmo lugar, por exemplo, uma feira nordestina em frente a uma loja de produtos asiáticos de plástico vendidos por R$ 1,99.
O Nordeste é também uma tradicional região de emigração. Eu cresci em uma família em que a maioria dos homens partiu. Fui criado entre mulheres fortes e divertidas. Tentei imaginar como seria o contrário, se fosse a mulher que decidisse reinventar sua vida, que partisse, deixando tudo para trás.
Como sua estada em Berlim influenciou no roteiro do seu filme?
Primeiramente, a espetacular bolsa de residência para artistas do DAAD, em Berlim, permitiu-me escrever o primeiro tratamento do roteiro. Além disso, estar em Berlim, em um contexto tão distante do Brasil, foi essencial para a construção do filme. É uma cidade que adoro, que me inspira artisticamente e onde ainda pretendo viver durante muitos anos.
De forma indireta, muitas coisas que estão no filme também são frutos desta residência, como a música que lá descobri e que acabou ficando no filme, por exemplo, uma composição do Lawrence, um DJ da cena tecno minimalista de Hamburgo.
O que a música eletrônica minimalista tem a ver com o sertão?
Tem muito a ver. O sertão é muito minimalista, são poucos elementos e aquele imenso céu sem fim. Queria ressaltar esta qualidade do sertão e transformá-lo, também através da música, em um espaço de ficção científica. O filme começa no céu do sertão e termina no céu do sertão.
Por que o título O céu de Suely?
Uma das definições da palavra "céu" no dicionário Aurélio é "qualquer lugar onde se possa ser feliz". O céu é um lugar distante, onde qualquer um pode ser feliz. O céu está em todos os lugares e em lugar nenhum. Esse filme conta a história dos passos de uma mulher para chegar lá.