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De Mélenchon a Macron, duas Franças se aproximam

4 de maio de 2017

Mesmo separados por apenas alguns quilômetros, centro e periferia de Paris são mundos muitos distantes. História de dois colegas de universidade mostra como esses universos se encontram no segundo turno da eleição.

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Jack Przepiorka e Benjamin de Kergorlay
Jack e Benjamin vêm de classes sociais totalmente diferentes e se conheceram na universidadeFoto: L. Louis

A vida tem sido uma batalha para Jack Przepiorka. Ele é filho de imigrantes – a mãe é tunisiana e o pai, polonês – e vive no subúrbio parisiense de Seine-Saint-Denis, a área mais desfavorecida do país e onde mais de um quarto dos moradores estão abaixo da linha da pobreza. Ou seja, Jack é duplamente estigmatizado na França – e sabe muito bem disso.

"Quando você mora na periferia, você não acredita em si mesmo. Você não acha que tem as qualificações para entrar na universidade porque tampouco seus pais entraram e não têm os contatos necessários. Você mesmo fecha todas as portas sem sequer tentar", diz o jovem de 24 anos, enquanto bate contra um saco de boxe numa academia perto de sua casa em Aubervilliers.

Jack já foi campeão de boxe da região de Ile-de-France. E ele é um dos poucos que seguem lutando, e não só no esporte: foi aceito para estudar numa das mais prestigiadas escolas de engenharia do país.

Sem o apoio de políticos

Ele recebeu uma ajuda da organização Passeport Avenir, que a cada ano aconselha cerca de 6 mil jovens como ele, oriundos de subúrbios carentes. "Nossos tutores são todos da área de negócios e ajudam os jovens a ser preparar para exames de admissão e para um mundo corporativo que eles mal conhecem", diz Sylvie Fernandes, do Passeport Avenir.

Jack não teve ajuda de políticos. "Eu nem esperava que eles me ajudassem. Política é como um reality show onde eles jogam xadrez em vez de tentar nos ajudar", comenta. Muitos dos amigos de Jack em Seine-Saint-Denis sentem o mesmo. Todos eles votaram em Jean-Luc Mélenchon, que ficou em quarto lugar no primeiro turno em 23 de abril.

Jack Przepiorka
De origens humildes, Jack teve que lutar na vida - não só no esporteFoto: L. Louis

Eles foram seduzidos pela abordagem antielite do candidato da extrema-esquerda, avalia o sociólogo Thomas Kirszbaum, da Universidade ENS Cachan. "Mélenchon havia prometido derrubar o sistema político atual e fazer com que o povo elaborasse uma nova Constituição. Ele quis romper com o atual modelo econômico, que beneficia uma pequena minoria na França", diz.

Boubou Semega, de 22 anos, que se exercitava com Jack no mesmo dia, diz que Mélenchon era a única opção aceitável. Boubou frequenta um curso de gestão e espera um dia abrir seu próprio negócio. "Somos completamente negligenciados pelos políticos, que fazem de tudo, menos nos dar empregos", afirma. "Eles nos enganam e desviam verbas públicas. E então eles se atrevem a nos humilhar, ainda que eles mesmos estejam longe de ser completamente limpos."

Seu amigo Hamidi Diawara, que fazia flexões ao lado, concorda. O homem de 40 anos trabalha como estafeta. "É como se eles vivessem em outro planeta. Eles deveriam pelo menos tentar nos entender, mas isso parece impossível, eles simplesmente estão longe demais. Nós temos que cuidar de nós mesmos."

Diferentes expectativas

Poucos quilômetros ao sul dali existe um outro mundo. O 16º arrondissement de Paris é uma das partes mais ricas da capital. Benjamin De Kergorlay cresceu aqui, num dos elegantes edifícios decorados no estilo Haussmann. O jovem de 24 anos nasceu em uma família rica que pôde se dar o luxo de mandá-lo para uma das melhores escolas. Benjamin, estudante de uma célebre universidade de engenharia, acredita que as pessoas das áreas ricas têm expectativas diferentes de seus políticos.

"Quando você mora numa área nobre, parece que seu objetivo é adquirir independência. Tentamos passar nos exames de admissão de boas escolas e obter bons empregos no governo. Nós só queremos subir na vida", disse ele. "Na periferia, por outro lado, parece que as pessoas dependem mais do governo para ajudá-las. Elas acham que o Estado lhes deve alguma coisa. Aqui, nas áreas ricas, nós achamos que o Estado não nos deve absolutamente nada."

Benjamin De Kergorlay
Benjamin nasceu numa área nobre de Paris e teve fácil acesso à universidadeFoto: L. Louis

A maioria dos amigos de Benjamin está inclinada a votar no partido republicano de centro-direita. É uma questão de em que meio você foi criado, explica. "Meus pais desconfiam muito de Mélenchon sem nunca sequer terem-no ouvido. Por outro lado, eles têm a mente muito aberta quando se trata do republicano François Fillon."

Mas até a confiança dos ricos em políticos tradicionais ficou abalada depois do escândalo envolvendo Fillon. Ele é acusado, entre outras coisas, de ter empregado a esposa e os filhos em cargos fictícios – e os remunerado com dinheiro público. É por isso que Benjamin votou em Emmanuel Macron no primeiro turno. A postura pró-empresarial e pró-Europa do centrista o atraiu. Seu amigo Vincent Capelle, um estudante de Direito, também sentiu que não poderia mais apoiar Fillon.

"Não é que estejamos mais próximos de nossos políticos do que das pessoas da esquerda", afirma Vincent. "Há uma área nebulosa que nós mesmos não entendemos – e isso nos deixa incomodados. Nesse sentido, somos iguais às pessoas dos subúrbios, mesmo votando no outro lado do espectro político."

Mundos que se aproximam

Estes dois mundos – Seine-Saint-Denis e o 16 º arrondissement de Paris – parecem muito distantes, mas às vezes eles entram em contato. Jack e Benjamin são amigos. Eles frequentam a mesma universidade e estudam juntos. Cada um diz que aprendeu algo com o outro. "Jack me faz lembrar que os políticos de direita muitas vezes se esquecem de falar sobre os problemas nos subúrbios, porque poucos lá votam neles. Como esses políticos podem então alegar que representam a todos?", questiona Benjamin.

Jack, por sua vez, chegou à conclusão de que há uma alternativa a votar na esquerda. "Talvez seja a hora de alguém como Macron, que combina políticas econômicas de direita com políticas sociais de esquerda?", pergunta. "Ele entende muito melhor os jovens do que os políticos de direita ou de esquerda. A divisão entre direita e esquerda vai desaparecer."

Tanto Jack como Benjamin esperam que Macron vença a disputa decisiva contra a candidata da extrema direita Marine Le Pen. A vitória dele poderá ajudar a aproximar esses dois mundos.