De Walter Benjamin para as crianças
15 de junho de 2015Walter Benjamin foi, sem dúvida, um sujeito de muitas facetas. O pensador judeu-alemão contribuiu para a construção de uma teoria crítica acerca da modernidade e foi um dos inspiradores da Escola de Frankfurt, sem se associar diretamente a ela. Traduziu Baudelaire e Proust para o alemão, e escreveu livros de filosofia e sociologia, que são até hoje referência no campo dos estudos culturais, como o ensaio A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936). Acabou por suicidar-se em 1940 em uma pequena cidade da Catalunha aos 48 anos.
Entre 1927 e 1932, escreveu uma série de textos para emissoras de rádio em Berlim e Frankfurt, e gravou com sua voz, a maioria deles. Apesar de não se orgulhar muito do trabalho, que diz ter feito apenas devido a dificuldades financeiras, Benjamin ajudou a consolidar o rádio três anos após seu surgimento na Alemanha. No livro Walter Benjamin: o marxismo da melancolia (1989), o filósofo Leandro Konder aponta que o autor procurava explorar os novos meios de comunicação em massa como uma ferramenta política para popularizar o saber.
Nenhum áudio foi conservado dessa época, mas Benjamin guardou alguns dos escritos em sua casa em Paris, os quais viriam a ser confiscados pela Gestapo e enviados à Rússia em 1945. Depois de retornarem à Alemanha, foram publicados em 1985 sob o título Aufklärung für Kinder, algo como "esclarecimento para crianças", em tradução livre.
No Brasil, o livro foi intitulado A Hora das Crianças - Narrativas Radiofônicas (2015), em referência ao nome do programa de rádio na Alemanha: Jugendstunde. O lançamento da Nau Editora, com tradução de Aldo Medeiros, oferece ao público brasileiro a oportunidade única de entrar em contato com a produção radiofônica de Walter Benjamin.
Nesses textos, o filósofo se dirige de forma envolvente a um público infantil, cuja inteligência ele não menosprezava. Rita Ribes Pereira, professora do Departamento de Educação da UERJ, foi responsável pelo projeto editorial do livro. Na apresentação da obra, ela ressalta o tratamento dado pelo autor às crianças: "ele as via como indivíduos dotados de subjetividade".
Os 29 capítulos do livro tratam de temas que permeavam a vida social na Alemanha no início do século 20. Muitos deles eram relatos autobiográficos, como o da infância berlinense e o da reconstrução das cidades no Pós-Guerra, que o próprio autor vivenciou. Benjamin também fala de História e de personagens instigantes, de brinquedos e marionetes, bruxas e ciganos, feiras de rua e dialetos, terremotos e enchentes, criando, assim, um mosaico de costumes e tipos sociais.
Benjamin relatava esses fragmentos da realidade em primeira pessoa, com uma aproximação convidativa do seu interlocutor, a quem muitas vezes se dirigia coloquialmente na segunda pessoa do singular. O filósofo dava enorme importância à tradição oral e, nos programas de rádio, pôde se empenhar em sua primorosa arte de narrar.
Ele entrelaçava os relatos ao retomar elementos de programas anteriores, e assim, fazia o passado entrar na experiência presente como um déjà vu. Sobre esta potência da memória e das experiências do passado, Benjamin dedicaria o livro Rua de Mão Única (Einbahnstrasse ), escrito nos primeiros anos de sua atividade no rádio. Como um viajante, Benjamin percorre as ruas da cidade e capta com atenção distraída os instantes, com os quais monta sua narrativa não-linear.
Esta atitude, comum aos surrealistas da época, o pensador também assume no livro A Hora das Crianças, atraindo o público para os mistérios e encantos do dia a dia. Benjamin acredita que, através do compartilhamento de experiências, nos conectamos com nós mesmos e fortalecemos as narrativas esquecidas pela historiografia oficial. Portanto, ele dá ênfase às miudezas e ao residual, a fim de "escovar a história a contrapelo", como escreveu em Sobre o Conceito da História (1940).
Walter Benjamin acreditava que as crianças compartilham o gosto por "sobras e destroços". Ele próprio era um colecionador de livros infantis. Em A Hora das Crianças, o autor defende a singularidade da experiência da infância e critica a pedagogização do ensino e da mídia. Sua convicção fica clara no capítulo dedicado às lojas de brinquedos, em que traça uma história cultural dos brinquedos e contrapõe a visão condicionada dos adultos à percepção estética das crianças. Este olhar atento e encantado, que Walter Benjamin soube preservar, e com ele iluminar o coração de uma legião de leitores.