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Debate revela várias noções de patriotismo

Simone de Mello14 de dezembro de 2004

O "patriotismo" se tornou palavra-chave de mais um inflamado debate político nas últimas semanas. O termo oscila entre os mais variados significados na boca dos políticos alemães.

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Patriotismo é associado à política de estrangeiros na última convenção dos democratas-cristãosFoto: AP

Não é a primeira vez que os conservadores cristãos apelam para o tema do "amor à pátria", sendo acusados pelos social-democratas e verdes de apelar para o populismo e instrumentalizar o assunto com finalidades eleitorais.

No fim de novembro, numa convenção partidária realizada em Munique, os social-cristãos (CSU) relançaram seu apelo por um "patriotismo consciente e esclarecido, indispensável para o futuro do país". Na semana passada, foram os democratas-cristãos (CDU) que exigiram um compromisso com o patriotismo, vinculando o termo – assim como seus correligionários bávaros anteriormente – à política de estrangeiros e de imigração.

Defesa dos valores ocidentais e cristãos

Os social-cristãos exigem que os estrangeiros percam os benefícios sociais, caso não dêem provas concretas de sua integração na sociedade alemã. O partido quer que os estrangeiros residentes no país se atenham à "cultura dominante" (Leitkultur), um conceito polêmico lançado em discussão em 2000 por Friedrich Merz, então líder da bancada democrata-cristã no Parlamento. Na época, Merz defendia, por exemplo, a obrigatoriedade do domínio do idioma alemão pelos estrangeiros e a proibição de escolas islâmicas fora do controle das autoridades.

Friedrich Merz Galerie deutsche Politiker
Friedrich Merz (CDU)Foto: AP

O uso do termo patriotismo por parte dos conservadores está associado à defesa da hegemonia cristã na sociedade alemã, em detrimento da propagação de práticas sociais islâmicas. Este argumento fica evidente na recusa decidida dos conservadores ao ingresso da Turquia na União Européia, por exemplo.

Neste ponto, os políticos divergem dos líderes religiosos cristãos, contrários ao resgate do "patriotismo" como conceito. O presidente do Conselho da Igreja Evangélica da Alemanha, Wolfgang Huber, considera a expressão "um tanto infeliz": "O que conta numa sociedade plural é menos o amor à pátria do que os valores universais". O presidente da Conferência dos Bispos da Alemanha, Karl Lehmann, também criticou os políticos democratas e social-cristãos, remetendo-se ao abuso histórico do "amor à pátria" nos últimos cem anos.

Recusa à sociedade multicultural

Em termos gerais, o que os conservadores defendem através do conceito de patriotismo é uma identidade sócio-cultural única, em detrimento do pluralismo, algo que fica evidente em sua crítica à sociedade multicultural. O secretário do Interior da Baviera, Günther Beckstein (CSU), por exemplo, qualificou a multiculturalidade como uma "ilusão ingênua".

Bundespräsident Johannes Rau
Johannes Rau, ex-presidenteFoto: AP

O termo "patriotismo", entendido como hegemonia cultural e segregação de estrangeiros, é rigorosamente rejeitado pelos políticos liberais, social-democratas e verdes. Na época do debate sobre a "cultura dominante", o social-democrata Johannes Rau, então presidente da Alemanha, alertou que os alemães deviam "parar de dar uma de 'número um' na Alemanha".

Neste fim de semana, o presidente do Parlamento, Wolfgang Thierse (SPD), advertiu do pathos ideológico segregacionista e destruidor do termo "patriotismo" e alertou que o efeito político desta discussão pode ser altamente problemático, mesmo que se consiga tirar proveito político-partidário da discussão. O presidente do Partido Liberal (FDP), Guido Westerwelle, lamenta que o conceito de patriotismo dos democratas-cristãos exclua o "amor às conquistas libertárias da Alemanha".

Denúncia do teor ideológico

O líder da bancada verde no Parlamento, Volker Beck, acusou os democratas-cristãos de compreender mal a verdadeira identidade alemã. Afinal, diz Beck, "depois de Auschwitz, qualquer referência à pátria e à sua história deve integrar a responsabilidade por esta história".

Otto von Bismarck
Otto von Bismarck unificou a Alemanha em 1871

Na história moderna, os movimentos patrióticos se propagaram na Alemanha durante o século 18, acompanhando o Iluminismo. Em decorrência da industrialização e da formação do Estado nacional no século 19, o patriotismo moveu as culturas locais a se inserirem no contexto da nova nação, exacerbando-se em parte como nacionalismo. Após o holocausto, a referência ao amor à Pátria, um dos conceitos-chave da doutrina nazista, tornou-se tabu na opinião pública alemã.

Na década de 70, o cientista político Dolf Sterberger cunhou o termo "patriotismo constitucional" (Verfassungspatriotismus), uma espécie de postura amigável do cidadão para com o Estado. Nos anos 80, o filósofo Jürgen Habermas adotou o conceito, associando-o a uma identificação, mais racional que emocional, com valores universais como liberdade e igualdade.

A mais-valia econômica do patriotismo

Nos últimos anos, os políticos sobretudo conservadores vêm insistindo em um uso mais emocional do patriotismo e acusam os partidos de centro-esquerda de ter uma atitude distanciada em relação à Alemanha. A recente discussão entre o chanceler federal Gerhard Schröder e a presidente da CDU, Angela Merkel, exemplifica esta tendência.

Schröder in China
Gerhard Schröder em sua recente visita à ChinaFoto: AP

Durante a convenção da CDU em Düsseldorf, na semana passada, Merkel colocou a questão como crítica à política econômica do governo: "É patriótico deixar que se percam milhares de empregos a cada dia na Alemanha?". A que Schröder respondeu: "Patriotismo é o que faço todos os dias", ressaltando posteriormente, após o fechamento de contratos bilionários com os chineses durante sua visita ao país asiático: "Colocar a economia no centro das coisas, isso sim é a expressão de um entendimento correto de patriotismo".

O deslocamento do conceito de patriotismo para o âmbito econômico é algo que liga conservadores, liberais e social-democratas. Políticos democratas-cristãos, como o líder da bancada da CDU no Parlamento, Jürgen Scharf, reclamam que a aplicação, o empenho e a confiabilidade são qualidades ameaçadas de extinção: "Um patriotismo saudável inclui certas virtudes, como a atitude em relação ao país e ao trabalho, a disposição de produzir e a disciplina". Scharf criticou a "percepção unilateral do Estado como prestador de serviços" e remeteu isso "ao passado socialista no Leste do país, ao materialismo da sociedade de consumo e à influência do movimento de 1968 no Ocidente".

Sacrifício pelo Estado

A defesa da lealdade ao Estado também parte de social-democratas, como a governadora de Schleswig-Holstein, Heide Simonis: "Trata-se de entusiasmar as pessoas pelo próprio país e motivá-las a trabalhar, a prestar serviços voluntários e a mostrar maior engajamento".

A grande crítica da opinião pública é que a noção de patriotismo como disposição voluntária de se sacrificar pelo país, um argumento usado constantemente em defesa das reformas sociais de Schröder, iguala conservadores e centro-esquerda. Patriota, neste caso, seria quem acata reformas econômicas apesar das perdas sociais ou se mostra disposto a trabalhar mais pelo mesmo salário, um ponto polêmico na discussão sobre o aumento da jornada de trabalho na Alemanha.

A população alemã, no entanto, não dá muito valor ao termo "patriotismo", conforme revelou uma pesquisa recente, segundo a qual 57% dos alemães não dão muita importância a este tema.