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Decepção com política embala populistas na Itália

Megan Williams md
26 de fevereiro de 2018

Movimento Cinco Estrelas cresce na preferência do eleitorado a menos de uma semana da eleição parlamentar no país. Discurso antissistema e anti-imigrantes agrada a população frustrada com partidos tradicionais.

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Italien Rom Wahlplakate
"Participe, escolha, mude!" Cartaz do Movimento 5 estrelas em ônibus em RomaFoto: picture-alliance/NurPhoto/A. Ronchini

Gianluca Buratti chega atrasado. O maestro do coro gospel ficou preso no caótico trânsito do horário do rush em Roma, procurando uma vaga de estacionamento numa cidade cuja infraestrutura desmoronada não mostra sinais de melhora, apesar das promessas da prefeita da cidade, Virginia Raggi, do populista Movimento Cinco Estrelas.

No entanto, como muitos cidadãos de Roma que pretendem votar no Cinco Estrelas nas eleições gerais do próximo domingo (04/03) na Itália, Buratti é indulgente quando se trata do progresso insignificante de seu partido em enfrentar a decadência urbana de Roma, os problemas de coleta de lixo e seu ineficaz sistema de transporte.

"Nasci e cresci em Roma e a conheço bem", diz, sentado ao lado de um piano de cauda na fria sala de estar de um centro da comunidade católica, antes do ensaio do coro. "Nos últimos 50 anos, ela foi governada sempre pelos mesmos partidos corruptos. Então, antes das eleições em Roma de 2016, eu disse: ninguém pode esperar mudanças em três ou quatro anos, não até que ela corte as ligações com o sistema antigo."

Foi o "sistema antigo" que fez dele um decidido afiliado do Cinco Estrelas. Como muitos na Itália, Buratti considera os políticos tradicionais, da esquerda e direita, gente que ganha muito dinheiro, corrupta e mais preocupada em manter seus próprios privilégios do que em melhorar a Itália.

Voto para o menor dos muitos males

O especialista em estatística Lorenzo Pregliasco, chefe da You Trend, explica que a maioria dos eleitores do Cinco Estrelas não é, na verdade, a favor movimento "mas vota nele como um tapa na cara do partido a que realmente pertence”.

"Um terço dos eleitores do Cinco Estrelas é de esquerda, um terço é de direita e um terço é gente que nunca votou antes. O fracasso do partido em corrigir os problemas de Roma ou o escândalo sobre o reembolso salarial quase não tem impacto  sobre esses eleitores."

A desconfiança e o desprezo que Buratti e os demais eleitores do Cinco Estrelas sentem em relação a políticos tradicionais é o que impulsiona os números do partido, que lidera as mais recentes pesquisas de intenção de voto entre as legendas isoladas, com cerca de 28%.

A menos de uma semana da eleição legislativa de 4 de março, ele ameaça se tornar o maior partido do Parlamento, ainda que a coalizão de centro-direita, integrada por A Liga, Força Itália e outras agremiações menores de direita, deva garantir a maior parcela dos votos entre as alianças eleitorais concorrentes.

Vera Capperucci, especialista em política italiana da Universidade LUISS, em Roma, comenta que o rosto do partido mudou desde seus primeiros comícios nas praças italianas. Mas, mesmo com assentos no Parlamento, ele ainda é um partido de protesto, com uma mensagem antipolítica que repercute.

Gianluca Buratti ao piano
Gianluca Buratti, como muitos adeptos do Cinco Estrelas, releva fracasso do partido em lidar com problemas de RomaFoto: DW/Megan Williams

"A classe política italiana, tanto na direita como na esquerda, é agora amplamente percebida como um fracasso", explica Capperucci. "Para dizer sem rodeios, eles são vistos como parte do passado, gente que teve sua chance, fracassou, e que agora é quase ignorada pelos eleitores."

A economia claudicante da Itália somente reforça essa percepção. "A taxa de desemprego oficial, que gira em torno de 11%, uma percepção de impostos elevados em troca de maus serviços e nenhum sinal de uma possível reviravolta como ocorrida na Espanha e na Irlanda leva muitos italianos a procurarem alguém para culpar", diz a historiadora. Depois dos políticos e da UE, agora o alvo de suas acusações são os imigrantes.

"O eleitores italianos não são tradicionalmente atraídos por extremos, mas nessa situação econômica prolongada, eles estão migrando para lá, e é por isso que estamos vendo a emergência de uma minoria barulhenta", diz Capperucci, referindo-se a La Lega (antes conhecida como Liga Norte). Em suas frequentes aparições televisivas, o impetuoso líder do partido de extrema direita, Matteo Salvini, prega implacavelmente uma mensagem anti-imigrantes do tipo "Italy First".

Promessa de expulsar 600 mil migrantes

Salvini explora casos de violência para incrementar o apoio a suas ideias. Depois de um migrante nigeriano ser acusado pelo assassinato de uma italiana de 18 anos em  janeiro, um atirador italiano disparou contra imigrantes africanos, ferindo seis, em Macerata, na região central de Marcas. Salvini imediatamente foi à televisão, classificando os dois crimes como consequência da que chama de "política migratória descontrolada", implementada na Itália.

Giovanni Zagni, do site de verificação de fatos políticos Pagella Politica, diz que, embora Salvini costume citar o número de crimes cometidos na Itália, ele não menciona que os estrangeiros cometem crimes na mesma proporção que os italianos – e que crimes violentos diminuíram cerca de 10% na última década. Ou seja, num período em que o número de migrantes e refugiados que chegavam à Itália aumentou drasticamente.

Imigrantes em Roma
Imigrantes em centro de refugiados em Roma: promessa de expulsão de estrangeiros atrai votos de italianosFoto: DW/M. Williams

"Então, para criar uma impressão de que o crime é um problema, os políticos de direita se concentram em casos únicos de criminalidade e tipos específicos de crimes", frisa Zagni.

Salvini promete expulsar da Itália os cerca de 600 mil migrantes que chegaram ao país nos últimos quatro anos. É uma das muitas promessas eleitorais da direita – incluindo serviços veterinários gratuitos para animais de estimação e um imposto fixo de 15% – que fazem muitos analistas e opositores revirarem os olhos.

"Escutei muitas promessas de campanha fantasiosas na minha vida", diz Emma Bonino, líder de 70 anos da aliança de partidos pró-europeus +Europa. "Mas nunca tantas como nos últimos meses desta campanha. E a mais fantasiosa, delirante mesmo, é a promessa de expulsar 600 mil migrantes. Você precisa de acordos bilaterais com os países de onde eles fugiram para fazer isso. Não se pode simplesmente colocá-los num avião, com um paraquedas."

No entanto, as promessas fantasiosas parecem estar atraindo votos. Cinco anos atrás, A Liga obteve 4% dos votos. Hoje, as pesquisas a colocam quase cabeça com cabeça com a coalizão de direita Força Itália, liderada pelo ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, com 14%.

Mesmo o Movimento Cinco Estrelas está pedindo a repatriação imediata de imigrantes ilegais e, como a Liga Norte, não explica como fará isso, além de dizer que vai contratar mais 10 mil funcionários para examinar os pedidos de asilo.

Eleitores do Cinco Estrelas como Gianluca Buratti aplaudem as promessas dramáticas, mas insistindo que nada tem a ver com racismo. Ele cita as revelações dos últimos anos de que políticos de Roma e outros locais saquearam os fundos destinados a centros de refugiados. "Os imigrantes não são o problema, mas a classe de políticos, que não soube lidar com a migração", argumenta.

Como quase um terço dos italianos, Buratti está seguro de que o único caminho para a Itália é romper com essa classe: "O mérito do Movimento Cinco Estrelas foi reunir a decepção de muitos e fundi-la numa frente democrática. Caso contrário, o próximo passo seria a guerra civil."

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