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Decisão de corte dos EUA pode abrir precedente perigoso para Argentina

Fernando Caulyt / Cristina Papaleo17 de junho de 2014

Justiça americana rejeita recurso, e país tem que pagar 1,3 bilhão de dólares a credores. Situação de economia já debilitada pode piorar, caso investidores que aceitaram renegociação da dívida exijam o mesmo tratamento.

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Foto: picture-alliance/dpa

A longa novela da disputa entre a Argentina e seus credores ganha novos capítulos. A Suprema Corte dos EUA rejeitou nesta segunda-feira (16/06) um recurso do país para deixar de pagar 1,3 bilhão de dólares em títulos da dívida dos chamados "fundos abutres" – uma minoria de investidores que não aceitaram participar da renegociação da dívida do país após a moratória de 2001.

Mesmo que esses fundos representem somente 1% do valor da dívida que o país afirmou que não pagaria na íntegra, a decisão da Suprema Corte dos EUA coloca um problema de difícil solução para o governo argentino. De acordo com especialistas ouvidos pela DW, o pagamento poderia afetar a já debilitada economia argentina, além de abrir campo para futuras cobranças, que o país não teria condições de saldar.

"A Argentina tem a possibilidade de recorrer à Suprema Corte, ou, também, de exercer o congelamento da ordem judicial. Se a Corte colocar o caso em stand by, o país teria mais tempo para decidir como executar o pagamento", sugere a economista Inmaculada Martínez-Zarzoso, do Instituto Ibero-Americano de Pesquisa Econômica da Universidade de Göttingen, na Alemanha.

Cláusula de tratamento igualitário

O maior problema, segundo Martínez-Zarzoso, é resultado da cláusula de tratamento igualitário (pari passu), segundo a qual se devem dar a todos os credores as mesmas garantias e condições favoráveis. Dessa forma, caso os "fundos abutres" recebam o valor total de face dos títulos, mais os juros, isso fará com que os outros fundos que optaram pela reestruturação possam exigir o mesmo, o que afetaria negativamente as reservas do país.

"Caso se aceite esse critério de pagar 1,3 bilhão de dólares, os 8% que não aceitaram os novos termos poderiam cobrar, imediatamente, 15 bilhões de dólares. É mais da metade das reservas do Banco Central [que hoje dispõe de cerca de 28 bilhões de dólares]. É absurdo e impossível", disse a presidente Cristina Kirchner em pronunciamento na televisão na noite de segunda-feira.

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Argentinos convivem com moeda desvalorizada e alta inflaçãoFoto: AP

De acordo com Martínez-Zarzoso, o caso argentino pode ficar ainda mais complicado caso os outros credores – que aceitaram a renegociação correspondente a 93% do valor da dívida – apelem também à Justiça, exigindo o valor total de face dos títulos, mais os juros. Se isso acontecer, o problema seria muito mais grave, e uma quebra declarada seria muito negativa para a Argentina.

A economista acrescenta que a Argentina deveria requerer um prazo maior para decidir, e iniciar uma negociação com os "fundos abutres" na tentativa de postergar o pagamento da dívida. Para ela, o mais justo seria uma negociação em que se alcance o não pagamento de 100% aos "fundos abutres", para que o pagamento se iguale ao dos credores que aceitaram as condições menos favoráveis.

"Com isso, a solução seria justa e não prejudicaria os investidores que estiveram dispostos a uma reestruturação da dívida argentina com o apoio internacional – entre outros, do Clube de Paris", afirma.

O revés da Suprema Corte dos EUA vai de encontro ao acordo com o Clube de Paris, obtido pela Argentina no final de maio, sobre o pagamento de suas dívidas em moratória. O acordo permite que o país quite a dívida, de cerca de 9,7 bilhões de dólares, em várias parcelas, no prazo de cinco anos. Assim, o país poderá finalmente voltar a abrir sua economia para financiamentos internacionais para dívida externa.

Quadro deve se agravar

Apesar de repetir algumas vezes durante a mensagem aos argentinos que o país não vai dar calote, Kirchner também não deixou claro se vai pagar aos credores – entre eles os fundos Aurelius Capital Management e NML Capital, do multimilionário Paul Singer. Para o economista Agostinho Celso Pascalicchio, da Universidade Mackenzie, não será simples achar uma solução para o problema.

"Atacar as reservas internacionais argentinas para garantir esse pagamento pode ser uma decisão precipitada e de curto prazo. A eleição presidencial de 2015 é que deverá solucionar a crise de confiança e de credibilidade para o país. Porém, a redução ou a eliminação dos problemas poderá demorar muito mais", diz o especialista.

O economista Alexandre Espírito Santo, do Ibmec/RJ, não acredita que a Argentina vá ceder e usar suas reservas internacionais. Se isso acontecesse, haveria caos econômico numa nação que já vive um cenário bastante desfavorável, em decorrência de sua moeda extremamente desvalorizada, inflação altíssima e desconfiança generalizada.

"O país já vive à margem do mercado de capitais internacionais, e esse quadro tende a se agravar. Sem contar que um ajuste fiscal será imperativo num ambiente adverso como esse. Para quem já não anda muito bem das pernas, as chances de o país mergulhar numa forte recessão não são desprezíveis", comenta Espírito Santo.