Decisão do STF pode dar mais equilíbrio a campanhas
18 de setembro de 2015A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir doações de empresas para partidos políticos atingiu em cheio a principal forma de financiamento das candidaturas no Brasil. Considerada histórica por entidades e ativistas, a medida deve começar a valer já nas eleições de 2016, segundo o ministro Ricardo Lewandowski.
Na avaliação de especialistas e ativistas ouvidos pela DW, a decisão é bem-vinda e vai ter como efeito baratear os custos das campanhas no Brasil e trazer mais equilíbrio entre as disputas. Ainda assim, ela não deve impedir por si só práticas como o caixa dois e a influência que as empresas detêm no processo eleitoral. Também restam dúvidas sobre a possibilidade de o Congresso conseguir reverter a medida.
“Essa medida mostra mais uma vez que o formato de doações estava esgotado, que favorecia práticas ilícitas. O dinheiro das campanhas vai diminuir agora, como consequência, elas devem ficar mais baratas”, afirma Márlon Reis, juiz eleitoral do Maranhão e coordenador do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) e um dos autores da Lei da Ficha Limpa. “A proibição também restabelece um equilíbrio democrático entre candidatos que não possuem tantos recursos e os que dispõem de fontes milionárias.”
O jurista e ex-desembargador Walter Maierovitch tem o mesmo ponto de vista. “A decisão é um grande passo, que veio no momento certo. O protagonismo das eleições voltou a ser da pessoa física, e não das empresas. Sem tanto dinheiro, os partidos vão ter que encontrar outras formas de se aproximar dos eleitores. O marketing como conhecemos deve perder espaço e dar lugar a outras formas de falar com os eleitores, como comícios e o aumento da comunicação pela internet.”
Maierovitch diz que a decisão pode ter alguns efeitos ruins, como o fato de os partidos quererem incrementar o valor do Fundo Partidário – que em 2015 vai custar 868 milhões aos cofres públicos –, mas também deve servir de empurrão para discussões como o financiamento público de campanhas.
Impacto nos gastos
Se tal proibição efetivamente passar a valer a partir das próximas eleições o impacto nos gastos de campanha no Brasil deverá ser considerável.
Pelas regras que valiam antes da decisão do STF, pessoas jurídicas poderiam doar até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao das eleições. Agora, só vai restar a opção de doações por pessoas físicas, em que cada indivíduo só pode contribuir com até 10% de seu rendimento no ano anterior ao pleito.
A última eleição para a Câmara Federal mostrou o tamanho da influência do dinheiro empresarial no mundo político. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relevam que 75% dos 730 milhões de reais arrecadados pelos 540 deputados federais eleitos tiveram como origem doações de empresas. Dez empresas – entre elas bancos como o Itaú e o Bradesco, e empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, como a Andrade Gutierrez, a Odebrecht e a UTC – foram responsáveis por cerca de 70% dessas doações de pessoas jurídicas.
A medida também deve atingir em cheio o grupo JBS, o maior doador da campanha eleitoral de 2014. Nas últimas eleições, o grupo doou mais de 350 milhões de reais para políticos de diferentes partidos, entre eles a presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves. Na campanha de Dilma, 95% dos recursos arrecadados tiveram como origem doações de empresas. Na de Aécio, o percentual chegou a 87%.
Disputar uma eleição no Brasil é uma tarefa cara. De acordo com o TSE, em 2014, os candidatos aos cargos de senador, deputado estadual e federal, governador e presidente gastaram um total de 5,1 bilhões de reais. Foi a campanha mais cara da história brasileira.
Segundo um levantamento do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral, uma organização intergovernamental baseada na Suécia, o valor gasto para conquistar um voto no Brasil é de 19,90 dólares, quase 370% mais do que o gasto no México (4,20 dólares).
Apesar de julgarem a decisão do STF bem-vinda, tanto Reis quanto Maierovitch afirmam que ela não é suficiente para coibir a participação de empresas no processo político e a prática do caixa 2, a entrada de recursos não contabilizados na campanha. O ministro Gilmar Mendes, que votou contra a proibição das doações por empresas, alertou que a medida poderia provocar um "amontoado de caixa 2" nas campanhas.
“No início, é possível até mesmo que a entrada de dinheiro de caixa 2 aumente, mas aí vai ser necessário aumentar a fiscalização e colocar e aplicar novos mecanismos para coibir a prática”, afirma Maierovitch. “Não existe sistema imune ao caixa dois, mas existem os mecanismos de fiscalização.”
Já Reis diz que a decisão do Supremo é só mais um passo para moralizar o sistema eleitoral, e que a percepção do aumento de caixa dois não pode nortear a discussão. “Houve prática extensa de caixa dois em 2014 ao mesmo tempo em que as empresas fizeram doações recordes aos candidatos. A decisão do STF é parte de uma etapa. Em seguida temos que aumentar a fiscalização e identificar as fraudes”, afirma.
Rubens Glezer, professor de direito constitucional e coordenador do projeto Supremo em Pauta da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, argumenta que seria ideal que fosse estabelecido um teto de gastos para as campanhas políticas: “Como as campanhas mais baratas por causa do teto, seria muito mais fácil detectar irregularidades e combater o caixa 2.”
Validade incerta
A decisão do STF passou a valer imediatamente, mas existem algumas dúvidas sobre a possibilidade de ela aguentar de fato até a próxima eleição.
Na semana passada, o Congresso aprovou uma lei que regulamentou as chamadas doações ocultas – em que as empresas enviam recursos para comitês partidários, e não diretamente para os candidatos – e estabeleceu ainda que os valores doados não ultrapassem 20 milhões de reais.
A lei aguarda ser analisada pela presidente Dilma Rousseff. Caso a presidente a sancione, ela passaria a valer até que fosse apresentada outra Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), o que pode levar tempo. “Caso um ministro peça vistas para analisar o caso, como ocorreu com a proibição, em que a decisão foi protelada por mais de um ano, o que valeria ano que vem é a lei”, afirma o professor Glezer.
No entanto, na avaliação de especialistas, a presidente deve vetar o texto por causa do entendimento do STF. “A Dilma conseguiu um grande capital político para vetar a lei por causa do STF. Moralmente ela tem o dever de vetar leis potencialmente inconstitucionais. O jurista Maierovitch concorda. “Seria muito desgastante sancionar a lei. Ela com certeza seria derrubada pelo STF depois.”
Aos defensores das doações de empresas, restaria contar com a possibilidade de o Senado votar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) – já aprovada na Câmara – que prevê a institucionalização desse tipo de doação.
Segundo Glezer, essa possibilidade ocorre porque os ministros ainda não discutiram tornar a proibição uma cláusula pétrea da Constituição – ou seja, algo que os congressistas não teriam possibilidade de modificar no futuro. A PEC, no entanto, teria que ser votada até 2 de outubro para ter efeito nas próximas eleições.
“No futuro, o STF até poderia derrubar essa PEC, mas esse seria um processo muito longo. No final, vai caber ao Congresso decidir se vale a pena correr o risco junto à opinião pública de que vale a pena manter as doações de empresas”, completa Glezer.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou na noite de quinta-feira (17/09) que a decisão do Supremo deve apressar a discussão para a aprovação da PEC. Por ser uma proposta de emenda, sua aplicação independe de sanção da presidente. Cunha, que em 2014 arrecadou mais de 6 milhões de reais para a sua campanha de deputado – valor pago quase inteiramente por empresas de empresas de mineração e bancos – afirmou que a decisão do STF vai provocar um “limbo de dúvida” nas próximas eleições.
No entanto, o presidente do Senado, Renan Calheiros, já afirmou que não é prioridade da Casa botar o assunto em votação. Mesmo que o projeto seja colocado em votação, a tendência é que ele seja rejeitado, já que o Senado vetou um projeto semelhante em setembro.
Quase 40 países proíbem
Segundo dados do Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea), um total de 39 países proíbe doações de empresas para campanhas políticas. Entre eles estão Canadá, França, Paraguai, Peru, a Colômbia e Portugal.
Em outros 126 países é permitido o financiamento de candidatos por pessoas jurídicas, alguns com restrições. Entre eles estão Alemanha, Reino Unido e Argentina.
Na Alemanha, não há restrição para quanto dinheiro as empresas podem doar para partidos e candidatos, mas a prática vem diminuindo nos últimos anos. Uma das causas foi uma decisão da Justiça alemã de 1994 que acabou com a dedução de impostos para doações feitas por empresas. Também pesou o escândalo do CDU-Schwarzgeldaffäre, que envolveu o ex-chanceler Helmut Kohl e as doações ilegais feitas ao seu partido político nos anos 90, que acabou por afastar muitas empresas do processo eleitoral.
Já nos EUA, as empresas não podem doar diretamente para candidatos e partidos políticos, mas existem formas de contornar o processo que tornam a proibição inócua.
Em 2010, a Suprema Corte dos EUA determinou que alguns tipos de comitês de ação política (os PACs) poderiam arrecadar dinheiro sem limites tanto de indivíduos quanto de empresas, sindicatos e outros grupos.
Esses Super PACs não podem repassar dinheiro para candidatos, mas podem veicular propagandas a favor ou contra um candidato, o que acaba influenciando as eleições. Desde então, bilhões de dólares foram canalizados indiretamente para campanhas políticas.
E o desequilíbrio de doações não ocorre só entre doações de empresas. Até mesmo indivíduos doam milhões. Em 2012, por exemplo, o empresário do ramo de cassinos Sheldon Adelson e sua mulher, Miriam, doaram 36 milhões de dólares para diferentes PACs conservadores.