Dedé quer passaporte alemão
23 de fevereiro de 2007DW-WORLD: Você é o brasileiro mais fiel à Bundesliga e a um único clube do futebol alemão – o Borussia Dortmund. De onde vem essa fidelidade?
Leonardo de Deus Santos, Dedé: Nesses oito anos e meio que estou na Alemanha, me identifiquei muito com o Borussia. Meu respeito e carinho pelo clube foi aumentando a cada ano e por isso tenho essa fidelidade ao clube, no qual passei muitos momentos bons, mas também momentos difíceis.
O que mais o prende ao clube?
O que hoje em dia mais me prende ao Borussia, com certeza, é a torcida. Antes era o ambiente de família que havia no clube. Mas com as mudanças que ocorreram na direção e no plantel, essa família se quebrou um pouco.
Se você tivesse um empresário administrando seu passe, já estaria num outro clube?
Não.
Por que você não tem um empresário?
Porque sempre fui feliz assim, sem empresário. Se algum dia tivesse sentido a necessidade de ter um empresário, com certeza eu teria procurado um. Vários deles já me procuraram, mas não preciso do trabalho deles. Sempre consegui realizar as minhas coisas sozinho.
Você pretende ficar no Dortmund até o final de sua carreira?
Eu pretendo cumprir meu contrato até completar 33 anos. Tenho mais quatro anos e meio de contrato com o clube.
E depois disso?
É difícil dizer hoje. Vou ver como estou aos 33 anos, quando acaba o meu contrato, e só depois posso decidir o que vou fazer.
O Borussia Dortmundo conquistou o Campeonato Alemão pela última vez em 2002. Atualmente o time se encontra em nono lugar na tabela. O que falta para a equipe voltar a concorrer com Schalke, Bremen ou Bayern?
A torcida continua a número um da Bundesliga, mas na equipe falta muita coisa. Ela perdeu aquele espírito de família que tinha antes e perdeu 70% da qualidade técnica. Houve um distanciamento muito grande entre jogadores e dirigentes. O elo que havia antes quebrou. Acho que ainda vai demorar um pouco até o Borussia ter de novo todos esses fatores juntos.
Houve especulações de que o Schalke esteve interessado em seu passe. Isso foi uma tentativa de seu amigo Lincoln levá-lo para um dos maiores rivais do Borussia?
Isso sempre é comentado nos jornais. Sempre tive uma boa relação com o Lincoln, que é praticamente meu irmão, é meu melhor amigo no futebol. Sempre estamos juntos e, assim, tenho também um relacionamento muito bom com outros jogadores do Schalke.
A amizade com o Lincoln você trouxe do Brasil. Como é que ela começou?
Começou aos dez anos, quando começamos a jogar no Atlético Mineiro. Ambos não tínhamos boas condições financeiras e sempre estávamos juntos. Essa amizade com o Lincoln foi aumentando a cada e dia e hoje posso dizer que é a amizade mais bonita que tenho.
Você gostaria de jogar com ele?
Com certeza, é um sonho que eu tenho e ele tem também. E espero poder realizar este sonho um dia.
Fora os jogadores do Schalke – Lincoln, Bordon, Rafinha e Kuranyi – e obviamente Tinga, seu colega de equipe, você mantém contato com outros brasileiros da Bundesliga fora do gramado?
Tenho contatos com o Juan, o Athirson e o Roque Júnior [do Bayer Leverkusen]. E tenho um bom relacionamento também com o Naldo, do Werder Bremen.
Leia a seguir: Dedé fala sobre sua "república do samba" e de sua adaptação à Alemanha.
"República do samba"
Fala-se que a sua casa é uma "república do samba" – você e o Everthon [ex-Borussia Dortmund, hoje no Atlético de Madri] têm até um site na internet com este nome (em alemão, samba-wg). Como se deve imaginar essa "república do samba"?
"República do samba" é um modo de falar, mas é uma casa brasileira. Vivo na Alemanha, mas minha casa é brasileira. Uma casa que está sempre quente, com aquecedor ligado ao máximo. A gente anda sempre sem camisa dentro de casa, descalço, como no Brasil. A televisão está sempre ligada num canal brasileiro e ouvimos música brasileira o tempo todo. Moro com quatro, cinco amigos. Isso faz com que eu tenha aqui um pouquinho do Brasil dentro da minha casa.
Muitos brasileiros têm dificuldades para se adaptar na Alemanha. Como foi isso com você, quando chegou aqui em 1998?
Meus dois primeiros anos aqui na Alemanha foram bastante difíceis. A conta de telefone era sempre alta, mas com o tempo fui aprendendo os caminhos que eu tinha que andar aqui. Passei por muitas dificuldades no começo, porque não tive ajuda de ninguém. Eu era o único brasileiro aqui no clube. Fora do campo, tive que me virar sozinho, o que não aconteceu com os outros brasileiros, porque quando eles chegaram eu já estava aqui e pude ajudar a todos. Mas depois dos dois anos me adaptei e há muito tempo vivo tranqüilo aqui na Alemanha.
Você se adaptou tão bem que já é chamado de "brasileiro prussiano", sobretudo por sua disciplina. Isso você aprendeu na Alemanha ou já trouxe do berço?
Aprendi isso com meu pai, que sempre foi disciplinador. Ele nos ensinou a respeitar a profissão, os companheiros, a todos. E desde pequeno sempre fui uma pessoa responsável.
A Alemanha mudou muito o seu jeito de ser?
Mudou um pouco, em termos de que trabalho é trabalho, que trabalho não é para rir. No Brasil, no treino você pode rir dentro de campo. Você está trabalhando e se divertindo ao mesmo tempo com seus companheiros. O treinador dá essa liberdade. O brasileiro não tem problema em trabalhar sorrindo. Na Alemanha, é diferente: o alemão não consegue juntar as duas coisas.
Você estava tentando obter o passaporte alemão. Já conseguiu?
Estou quase adquirindo. Até meados deste ano devo conseguir o meu passaporte alemão.
Por que você quer se naturalizar alemão?
Porque eu acho que mereço, pelo que representei na Alemanha nesses oito anos, um brasileiro que veio para cá e nunca causou problema a ninguém. Eu gosto muito da Alemanha. Por isso, quero um dia poder dar a um filho meu a oportunidade de poder vir à Alemanha, para estudar ou conhecer o país.
Já o sonho de poder jogar na seleção alemã acabou, porque você atuou uma vez na seleção brasileira.
O sonho de jogar a seleção alemã eu nunca tive. Isso foi divulgado pelos jornais e eu, por educação, disse que com prazer jogaria, mas isso nunca partiu da minha cabeça.
E a seleção brasileira? É um capítulo encerrado para você?
Está encerrado, sim. Não tenho planos mais relacionados à seleção brasileira.
Quais foram os momentos mais bonitos que você viveu na Bundesliga?
Foram vários, apesar de ter conquistado só um título. É lógico que também tive momentos difíceis, mas 80% foram momentos bons.
E qual foi o pior momento?
Foi há dois anos, quando os brasileiros foram embora do Borussia, quando houve a crise financeira e foram trocados a diretoria, o presidente e jogadores. Esse foi meu pior momento.
Você enfrentou algum problema de racismo na Alemanha?
Não, nunca tive esse problema.
Você tem fama de ser um lateral-esquerdo forte nas bolas divididas. No último jogo contra o Hamburgo, foi expulso por dar um carrinho no jogador Jarolim e levou três jogos de suspensão. Essa punição foi justa?
Não foi justa, não. Porque esse tipo de entrada já dei mais de cem vezes na Bundesliga e nunca machuquei nenhum jogador. Faltou um pouco de consideração da Federação Alemã de Futebol. Nos mais de oito anos de Bundesliga não cheguei a levar 20 cartões amarelos e só tive duas expulsões, essa foi a terceira. Fiquei muito triste com a decisão da federação. Se esse carrinho justiçou uma expulsão, então eu teria de ter sido expulso mais de 75 vezes na Bundesliga.
Leia a seguir: Como Dedé mata as saudades de Belo Horizonte?
Você veio de um grande clube brasileiro, o Atlético Mineiro, para um grande clube alemão, o Borussia Dortmund. O que na sua opinião diferencia o futebol alemão do brasileiro?
No futebol alemão, você se entrega mais para o clube. Você vira um jogador extremamente disciplinado, totalmente empenhado pelo clube. No Brasil, você está empenhado por você, primeiramente, e depois pelo clube. Você tem a liberdade de pegar a bola, driblar, tentar uma jogada e errar sem medo. Isso é o mínimo que você deve poder fazer para se sentir bem. Na Alemanha, perdi bastante a minha qualidade técnica. Quando cheguei aqui eu driblava bastante e acho que com isso conquistei a torcida do Borussia. Mas, com o tempo tive de deixar os dribles, porque se dizia que eles eram só show e tinham pouca eficiência. Daí fui deixando isso de lado e sinto falta até hoje. Acho que o futebol brasileiro é muito mais alegre, e por isso é que os melhores jogadores de futebol são brasileiros.
Como é o contato com a família e os amigos em Belo Horizonte?
Eu telefono todos os dias para meus pais e irmãos. E com os colegas, quando saio de férias, mato todas as saudades de Belo Horizonte. Quando estou no Brasil, na verdade, não tenho férias. Saio todos os dias para festas, discotecas, e durmo pouco. Jogo bola com os amigos, vou à praia, ao sítio, ando de cavalo, de jet ski, e saio com meus familiares. É lá que eu recarrego minha bateria para poder voltar à Alemanha, e para o descanso, cinco meses longe da família.
Você também ajuda pessoas carentes em Belo Horizonte. De que forma presta essa ajuda?
É comprando mantimentos, comida e remédios. Meu pai entrega cestas básicas a pessoas carentes que a gente nem conhece, moradores de favelas. Nós temos contratos com farmácias e supermercados e meu pai sempre está procurando ajudar essas pessoas, por exemplo, comprando cadernos para as crianças estudarem.
Como foi a sua infância?
Foi uma infância difícil em termos financeiros, mas muito bonita, muito alegre. Se eu pudesse voltar no tempo, eu viveria tudo de novo. Com sete anos, eu já ia para o supermercado carregar sacolas, vendia coxinha, pastel, picolé na rua, lavava carro na rua, mas nunca faltou tempo para brincar. Depois das obrigações, eu estava sempre na rua jogando futebol com os amigos. Minha infância teve esses dois lados, pode-se dizer que foi a minha faculdade, meine Ausbildung.