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Demolição de antigo museu gera polêmica na reforma do Maracanã

24 de janeiro de 2013

Indígenas querem recuperar casarão que abrigou o antigo Museu do Índio, mas o governo do Rio pretende demolir o prédio para dar lugar a uma área de circulação. Embate pode parar no Superior Tribunal de Justiça.

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Foto: DW/S.Cowie

Em contagem regressiva para o início da Copa do Mundo do Brasil, em 2014, o projeto de modernização do Estádio do Maracanã, palco da final da competição, é o centro de uma batalha judicial que opõe o Governo do Rio de Janeiro a um pequeno – mas ruidoso – grupo de índios.

Instalada em um casarão abandonado, invadido há seis anos e vizinho ao estádio mais famoso do país, a chamada Aldeia Maracanã reúne cerca de 50 índios de dez etnias que lutam pela recuperação do local e sua transformação num espaço de difusão cultural. O endereço hospedou o Serviço de Proteção ao Índio – primeira instituição do país a tratar deste povo – no início do século 20 e abrigou o Museu do Índio entre 1953 e 1978.

O governo, no entanto, tem planos bem diferentes: quer demolir o prédio e transformar o terreno de 1.600 metros quadrados numa área de circulação para facilitar a chegada e saída do público.

A intenção de derrubar o casarão e os equipamentos esportivos vizinhos ao estádio – que no projeto original de modernização não seriam afetados – foi revelada publicamente em outubro passado. Em prol dos interesses indígenas, a Defensoria Pública da União pediu o tombamento da construção e obteve liminares para impedir a demolição.

Órgãos técnicos como o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o Inepac (Instituto Estadual do Patrimônio Cultural), além da própria Fifa (Federação Internacional de Futebol Associado), organizadora da Copa do Mundo, manifestaram repúdio à decisão do governador Sérgio Cabral Filho, que à época minimizou a importância histórica do local.

Gebäude des Museum do Indio Rio de Janeiro
Barracas dentro do prédio, cujas condições são precáriasFoto: DW/P.Moraes

"Decisão política"

O ponto máximo de tensão veio no último dia 12, quando cerca de 30 policiais militares do Batalhão de Choque rodearam o edifício à espera de uma ordem judicial para retirar os índios. Sem amparo legal, o cerco foi desmontado 12 horas depois.

Notificados pela Justiça, os invasores têm agora até o dia 28 para deixar o local – caso contrário, serão alvos de uma ação de reintegração de posse. Nesse meio tempo, a Defensoria Pública pediu a intervenção do governo federal e já cogita levar a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na última quarta, os índios enviaram uma carta à Unesco, pedindo apoio à causa.

"Não há a menor dúvida de que essa não é uma questão técnica, mas política", afirma o defensor público federal Daniel Macedo. "O local tem reconhecida importância material e imaterial. O argumento de que o prédio atrapalha a mobilidade do público não se sustenta. Após as obras, o Maracanã terá capacidade para 75 mil torcedores. No passado, havia partidas para até 180 mil pessoas e nunca houve esse tipo de problema." Por sua vez, o governo afirma que a obra é necessária para que o futuro complexo atenda às necessidades de circulação de público em padrão internacional.

Desde o início do imbróglio judicial, a Aldeia Maracanã passou a ser ponto de peregrinação para militantes de movimentos sociais. As visitas de índios de outras regiões do país, como Bahia e Maranhão, também aumentaram: estima-se que hoje o endereço abrigue cerca de 150 pessoas.

Local histórico e ponto estratégico

Abandonado por quase 30 anos, o casarão de dois andares em estilo eclético e construído em meados do século 19 mostra os efeitos do descaso. As salas, ocupadas por barracas de camping espalhadas por todo o primeiro andar, tem poças d'águas por conta das chuvas de verão. Faltam janelas e o teto exibe diversos buracos. Rebocos e ripas de madeira ameaçam despencar.

Os integrantes da Aldeia Maracanã sobrevivem basicamente de doações e da venda de artesanato, que lhes conferem uma renda mensal de aproximadamente R$ 800 por pessoa. Para difundir a cultura indígena, fazem apresentações no local para estudantes.

Localizado a 50 metros do segundo ponto turístico mais visitado do Rio, o endereço também é comercialmente estratégico. "Queremos recuperar o prédio e que ele seja incluído no roteiro de visitas dos turistas que visitam o Maracanã. Temos muito a mostrar e a ensinar. O atual Museu do Índio não nos representa, não temos nenhuma voz ali", afirma Afonso Apurinã, da etnia homônima, originária do Amazonas, e um dos líderes do grupo. Junto com os apurinãs, o casarão abriga pataxós, yanomamis, guajajarás e outras etnias.

Gebäude des Museum do Indio Rio de Janeiro
Apurinã: "Temos que preservar a nossa história e ela está aqui"Foto: DW/P.Moraes

À sombra do estádio mais famoso do mundo, Apurinã revela que, apesar da disputa sobre o terreno, é favorável à realização da Copa no Brasil e já frequentou muito o estádio para assistir a partidas do Flamengo. "Logo que cheguei ao Rio, em 1992, não tinha ingresso e pulei o muro do estádio porque tinha que ver o Flamengo ser campeão brasileiro. Foi um sonho realizado", lembra. "Não temos nada contra a Copa. Como todos os brasileiros, também queremos assistir à nossa seleção", diz. 

Diante da resistência, o governo do Rio acena com a construção de um Centro de Referência Indígena a um quilômetro e meio do atual endereço, porém mantém a necessidade de demolir o prédio. "Neste local, eles terão toda a estrutura para se organizar, vender seu artesanato e trabalhar para o fortalecimento da cultura indígena", afirma o secretário estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Zaqueu Teixeira.

Mas a Aldeia Maracanã mantém-se irredutível. "Não estamos atrás de uma assistência habitacional. Temos que preservar a nossa história e ela está aqui dentro", rebate Apurinã.

Autor: Patrick Moraes, do Rio de Janeiro
Revisão: Alexandre Schossler