Demora na limpeza provoca queixas em Barra Longa
6 de dezembro de 2015Prejuízo é a palavra mais ouvida nas ruas de Barra Longa. E discriminação também. Ali, não houve mortes após o colapso da barragem do Fundão, a 60 quilômetros de distância. O colapso ocorreu às 16h, e somente por volta das 20h, a avalanche chegou ao município. Foi tempo suficiente para que todos os moradores estivessem abrigados em locais seguros, esperando apenas por uma enchente comum.
Mas a população se surpreendeu com a violência do mar de lama. Ao todo, 155 imóveis foram atingidos pelo barro que tomou a principal rua do centro e afetou até centenárias casas tombadas, protegidas pelo patrimônio histórico municipal. Restaram aos barralonguenses incredulidade e inquietação. Afinal, os bens perdidos foram apenas materiais e, sem toda a atenção pública destinada aos povoados completamente devastados, os moradores temem ficar esquecidos, relegados a segundo plano, quase discriminados pela mineradora Samarco.
Ainda chocado, o fazendeiro Godofredo Lana Filho, de 59 anos, que vive na parte mais baixa de Barra Longa, reclama da demora. Segundo ele, os trabalhos de limpeza só começaram, de fato, cerca de dez dias após o estouro da barragem. Os moradores também enfrentaram problemas no abastecimento de água e de energia elétrica durante duas semanas. Sentiram-se, de certa forma, discriminados frente a outras localidades.
"Já sofremos enchentes, mas nunca vi nada igual. Mais de 20 hectares do meu sítio ficaram soterrados. Perdi um trator e oito bezerros. Nós dependemos da produção de leite, e toda a pastagem ficou coberta pela lama. Não sei como faremos daqui para frente, mas demorou demais para começarem os trabalhos de limpeza, faltou água e luz", lamentou.
Sem previsão de abrir as portas
Um mês depois, supermercados, lojas e restaurantes seguem de portas fechadas e, por ora, sem previsão de reabertura. De acordo com a prefeitura, 95 famílias foram afetadas no centro de Barra Longa e outras 45 na zona rural, sobretudo, no povoado de Gesteira. Parte dos desabrigados já foi reassentada em 25 casas alugadas pela Samarco, enquanto outros preferiram esperar na casa de parentes. Ao contrário de outras localidades, ali sobram reclamações sobre a atuação da mineradora, embora dezenas de tratores trabalhem para limpar as ruas e equipes de engenheiros estejam percorrendo as casas para avaliar riscos às estruturas de todas as edificações.
É na confluência das águas dos rios do Carmo e Gualaxo do Norte que nasce o Rio Doce. E é exatamente onde está Barra Longa, cidadezinha de 6 mil habitantes que vive graças à agricultura e à produção de leite. Mesmo alertados sobre o rompimento da barragem, os moradores e prefeitura jamais imaginaram que a tsunami de rejeitos de minério de ferro teria força para inundar todo o centro da cidade, deixando danos que devem chegar a R$ 50 milhões – fortuna para um município onde a receita tributária anual não ultrapassa os R$ 500 mil, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
"Ainda não podemos determinar o tamanho total do prejuízo. Somente agora estamos perto de completar o trabalho de limpeza da cidade. Só para refazer a rede de esgoto do centro, vamos precisar de R$ 9 milhões. Estamos todos trabalhando, mas ainda tem muito pela frente", afirmou o prefeito da cidade, Fernando José Carneiro Magalhães.
A paciência, porém, termina quando a carteira começa a esvaziar. Ver o negócio de pé, mas inutilizado, tem deixado nervoso o comerciante Marco Antônio Xavier, de 61 anos. Ele se gaba de ter o bar mais popular da cidade, ponto de encontro da juventude local. O orgulho desaparece e vira preocupação quando ele começa a fazer contas.
"Eu já tinha várias reservas para o natal e o ano novo. Não só estou com portas fechadas há um mês como ainda vou perder toda a renda que havia previsto para o fim do ano. Espero que isso seja levado em conta quando a Samarco for pagar minha indenização. Meu prejuízo é muito grande, já vou começar o ano de 2016 no negativo", queixou-se Xavier.
Corrida para preservar relíquias dos bisavós
Celeste Mol Rodrigues, de 67 anos, concorda com a lentidão. Para ela, o tratamento destinado a Barra Longa foi diferente. Uma das figuras mais conhecidas da cidade, ela viu o lobby de seu hotel, de mais de 200 anos, virar quartel-general das operações de assistência da mineradora. Celeste diz que passou duas semanas sem poder receber hóspedes porque, além do lamaçal que invadiu todo o primeiro andar do prédio, faltavam água e luz.
"Chorei muito quando vi o que aconteceu na cidade. Foi um caos. Tive que parar tudo. Fiquei 15 dias sem poder receber hóspedes. Eu sei que existem prioridades e que nossa situação é diferente daquelas pessoas que perderam tudo, como em Bento Rodrigues e Paracatu. Mas justamente por isso temos urgência. Aqui as coisas estão de pé, precisamos normalizar rapidamente a situação, pois temos contas a pagar", afirmou.
Esta semana, finalmente, foi concluída a limpeza e higienização do hotel, onde foram perdidos apenas uma antena parabólica e ventiladores. Celeste destaca que rotas de fuga e um sistema de alerta para o caso de uma nova tragédia já foram criados. No entanto, ela continua inquieta e teme pelo futuro. Correu para recolher todos os objetos de valor sentimental que se espalham pelo centenário casarão de dois andares, herdado da bisavó.
"A gente não sabe se pode acontecer de novo. Este hotel foi aberto pela minha bisavó. Conservo aqui quase todos os móveis originais e pertences que foram passando de geração para geração. Cartas de amor dos meus bisavós, uma imagem de Santo Antônio que era da minha avó e outras relíquias", contou.
"Se eles fizerem um monitoramento, acho que a situação não será tão problemática. Acredito que a Samarco vai cumprir o que prometeu no longo prazo, mas vamos todos prestar mais atenção. Os rios estão muito assoreados e, se chover demais, a água pode empurrar toda essa lama de volta para as ruas."