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ConflitosSíria

Após queda de Assad, russos estão se voltando para a Líbia?

Cathrin Schaer
20 de dezembro de 2024

Não está claro se o Kremlin poderá manter as instalações sob o novo regime da Síria. Especialistas especulam se os militares russos estão contemplando uma mudança para a Líbia, no norte da África

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Homens observam em estrada veículos militares passando com a bandeira russa
Há relatos de que as tropas russas continuam a usar bases na Síria, embora sob a proteção dos rebeldes que costumavam bombardearFoto: Leo Correa/AP Photo/picture alliance

Afinal, eles estão ou não estão se retirando da Síria? Essa é a pergunta que os analistas do Oriente Médio têm feito sobre as tropas russas nos últimos dias.

Investigadores que usam fonte aberta notaram, através de imagens de satélite e rastreamento de tráfego aéreo online, movimentos significativos da Rússia em suas bases sírias há muito mantidas desde que o regime de seu aliado, o ditador sírio Bashar al-Assad, foi derrubado há quase duas semanas. Eles viram helicópteros de ataque e um sistema de defesa aérea de longo alcance S-400 desmontados para viagem, pessoas com malas esperando para sair e grandes aviões de carga sendo carregados.

Além disso, navios da Marinha russa deixaram seu porto sírio em 11 de dezembro, dois dias antes da queda do regime de Assad.

As autoridades russas negaram que suas tropas estivessem deixando a Síria e informaram que estavam negociando com o grupo de oposição rebelde, que liderou a ofensiva que derrubou o regime de Assad e que agora está estabelecendo um governo de transição.

A Rússia tem duas importantes bases militares na Síria: a base naval de Tartus, estabelecida em 1971, e uma base aérea em Hmeimim, estabelecida em 2015.

Tartus é a única base naval formal da Rússia fora do antigo território soviético, e a presença russa lá cresceu antes da invasão em grande escala da Ucrânia em 2022, a fim de "combater, deter e monitorar quaisquer operações da Otan no Mediterrâneo", observou recentemente o think tank americano Instituto para o Estudo da Guerra (ISW). 

Hmeimim é usada como posto de logística e de parada para as atividades russas na África e ficou sob controle russo logo após a entrada da Rússia na guerra civil síria. A Rússia ajudou Assad a reprimir os rebeldes antigovernamentais, e o poder aéreo russo provavelmente virou a maré da guerra a favor de Assad. Mas desde meados de dezembro, aqueles a quem os russos bombardearam estão no comando da Síria.

"Até agora, tanto o HTS quanto a Rússia têm sido muito pragmáticos e estão em negociações", disse à DW Nanar Hawach, analista sênior para a Síria no think tank Crisis Group.

"No momento, a Rússia está operando sob a proteção do HTS, com as forças do HTS protegendo os comboios russos que se dirigem à base naval e à base aérea", explicou. "Mas também devemos ter em mente que a Rússia desempenhou um papel muito proeminente e importante na luta contra o HTS."

Isso torna a futura presença militar da Rússia na Síria potencialmente problemática. A Rússia estava transferindo sistemas de defesa aérea e outras armas avançadas da Síria para bases que controla na Líbia, informou nesta semana o Wall Street Journal, citando autoridades líbias e americanas não identificadas.

Mudança para a Líbia?

Os analistas apontam para indícios como a retirada de valiosos equipamentos militares da Síria, a suspensão das exportações de trigo russo para o país e a recusa do HTS às ofertas russas de ajuda humanitária. Eles também dizem que onde quer que as embarcações navais russas de Tartus acabem indo parar será um importante indicador de qual será o próximo destino da Rússia – especialmente se os navios atracarem no porto líbio de Tobruk.

Equipamentos e prédios destruídos por bombardeio em área arenosa
Os jatos russos ainda estavam bombardeando áreas na Síria controladas pelos rebeldes em outubroFoto: Izzeddin Kasim/Anadolu/picture alliance

No momento, tudo não passa de especulação, de acordo com Jalel Harchaoui, cientista político e especialista em Líbia do Royal United Services Institute for Defense and Security Studies (Rusi), no Reino Unido.

"Independentemente de os russos permanecerem na Síria ou saírem do país, há certos fatos incontestáveis que mudarão a forma como eles operam na Síria", diz ele à DW.

"Eles nunca conseguirão o mesmo nível de conforto, segurança e garantia de antes", disse Harchaoui. "Terão problemas para garantir sua própria logística, eletricidade, água e alimentos. Eles também sabem que, quando você administra uma base [estrangeira], precisa de uma certa simpatia da comunidade ao seu redor e também do Estado, em termos de compartilhamento de inteligência. Tudo isso agora está perdido."

Nada está claro ainda, concorda Wolfram Lacher, associado sênior e especialista em Líbia do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP).

"Até onde posso dizer, o que ainda não estamos vendo não é nenhum movimento direto entre as bases sírias e a Líbia", afirma. "Mas, obviamente, à medida que as bases sírias se tornam mais precárias, a importância da Líbia aumenta."

A Líbia já estava aumentando de importância para a Rússia, apontam Lacher e Harchaoui.

Em 2024, o jornal britânico The Telegraph informou que a Rússia havia reforçado pistas de pouso e as defesas de perímetro nas bases aéreas da Líbia, construído novas estruturas e enviado armamentos.

Ameaça para a Otan

Desde 2014, a Líbia está dividida em duas, com governos opostos localizados no leste e no oeste do país. Uma administração apoiada pela ONU, conhecida como Governo do Acordo Nacional, está no oeste, e sua rival, conhecida como Câmara dos Representantes, está sediada no leste, em Tobruk. Esse último é apoiado pelo militar que se tornou político Khalifa Haftar, que controla vários grupos armados nessa área.

Em vários momentos da última década, cada governo tentou – e não conseguiu – tomar o controle do outro, mas o conflito está atualmente estagnado, resultando em uma segurança instável.

"Nos últimos anos, essas facções líbias ficaram presas em um impasse que manteve o país praticamente livre de grandes conflitos, mas que dependeu em grande parte de (...) duas potências estrangeiras com forças militares significativas no local, a Rússia e a Turquia", escreveu na semana passada Frederic Wehrey, membro sênior do programa para o Oriente Médio do think tank Carnegie Endowment for International Peace.

"A queda de Assad (...) poderia afetar esse frágil equilíbrio", sugeriu ele, argumentando que o conflito congelado da Líbia poderia seguir o mesmo caminho que o da Síria e recair em um conflito.

Isso pode depender do próximo passo da Rússia. Se a Rússia convencer Haftar a permitir que ela estabeleça uma base mais permanente na Líbia, isso representaria um grande desafio para a Otan.

"Os russos querem uma base naval na Líbia há vários anos e o principal objetivo da política americana na Líbia nos últimos dois anos é impedir isso", explica Lacher. "Até agora, Haftar sempre tentou equilibrar diferentes apoiadores estrangeiros entre si para evitar ficar dependente de um único."

Portanto, os eventos atuais colocam Haftar em uma posição muito difícil, ressalta Lacher.

Vista aérea de navio de guerra navegando
As embarcações russas deixaram o porto de Tartus, mas aparentemente ainda estão localizadas a cerca de 10 quilômetros da costa síriaFoto: Maxar Technologies via AP Photo/picture alliance

Harchaoui acredita que é cedo demais para dizer o que acontecerá, mas apresentou dois cenários plausíveis. Em um deles, os russos permanecem na Síria, mas tudo se torna mais desconfortável, caro e trabalhoso para eles, diz.

"Eles simplesmente absorvem o custo, mas ainda seria mais ou menos tudo como de costume", sublinha.

No outro cenário, a permissão de Haftar para que a Rússia se estabeleça firmemente na Líbia se tornaria gradualmente aparente. Nesse estágio, certas forças – por exemplo, na Otan – que se opõem ao fortalecimento russo na Líbia poderiam organizar missões de sabotagem ou até mesmo treinar combatentes que se opõem a Haftar.

"Será gradual, um ponto de inflexão suave. Não haverá fogos de artifício", conclui Harchaoui. "Mas é bem possível que depois olhemos para trás e digamos: 'Sim, Haftar cometeu um erro ao dizer sim aos russos e, sim, tudo isso começou com a queda de Assad'".