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Desespero leva a mercado negro de remédios na Venezuela

Conor Dillon (ek)14 de abril de 2016

Venezuelanos têm morrido de doenças banais, enquanto hospitais e farmácias sofrem com a falta de medicamentos. Alguns encontram saída no Twitter, num mercado ilegal que expõe o drama imposto pela crise de saúde no país.

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Farmácia em Caracas, na Venezuela
Foto: Reuters/C.G. Rawlins

"Jamais pensei em expor a foto do meu filho na internet. Mas sou uma mãe que exige, em nome de muitas outras, o direito à vida", escreveu, no Twitter, a venezuelana Maryluz Herrera. Na foto abaixo, seu filho Diego segura um cartaz que diz: "Você consegue imaginar a vida sem insulina? Eu, sim".

Mais de 70% dos medicamentos vendidos na Venezuela já não estão mais disponíveis em farmácias e hospitais, de acordo com a ONG Codevida. Dependente das exportações de petróleo, cujos preços só caem, o país enfrenta seu segundo ano de recessão. Diabéticos como Diego não têm mais acesso à insulina. Para outros, a situação é ainda pior.

A postagem a seguir é de Carlos Acuña, que tem, como imagem de perfil no Twitter, uma foto de sua filha no hospital. "Eu tenho apenas vinte dias para conseguir este medicamento para minha filha Isabella, que tem leucemia. É urgente. Ajudem, por favor", diz ele.

O remédio se chama asparaginase e é utilizado na quimioterapia. Fabricado pela farmacêutica alemã Medac GmbH, em Hamburgo, o frasco é importado por 70 euros. Segundo informou a empresa à DW, o comprador na Venezuela não encomenda o medicamento há dois anos.

Outro remédio que desapareceu do país foi o fenobarbital, usado no tratamento da epilepsia. No tweet a seguir, um jornalista venezuelano implora abertamente pelo medicamento: "Precisa-se de fenobarbital para um bebê recém-nascido".

Espalhando a mensagem

O colapso do sistema de saúde da Venezuela deu origem a um mercado negro de medicamentos no Twitter. As postagens não fazem parte de uma campanha ou de uma hashtag que viralizou (embora #Urgencia e #ServicioPublico tenham se tornado referências coletivas).

Em geral, os tweets são mais diretos. A maioria não passa de um pequeno texto, com o pedido de um medicamento e o número de telefone. Alguns, como a postagem abaixo, que clama por um remédio para leucemia, também incluem imagens da receita médica.

Essas mensagens têm se espalhado com a ajuda de grupos de ativistas online, como @ImpacientesVZLA, @AmigosDiabetes e @EpilepsiaVzlaMG, além de jornalistas interessados na causa e outros profissionais.

Algumas celebridades também têm ajudado. O cantor Nacho, da dupla de música pop venezuelana Chino y Nacho, republicou a única postagem já feita na conta de Nohely Antolinez, cujo filho precisa de um colchão especializado para evitar escaras.

Nacho, com quase dois milhões de seguidores, se tornou um "amplificador" de pedidos de remédios, além de um ativista da saúde pública. Ele visitou recentemente alguns hospitais para entrega de suprimentos básicos, e mostrou a ação num vídeo recente do Instagram, compartilhado mais de 100 mil vezes.

Outro a amplificar os pedidos é o ator e comediante Luis Chataing (@LuisChataing). Seus quatro milhões de seguidores no Twitter recebem constantemente mensagens compartilhadas por ele de pessoas em necessidade de remédios. O retweet abaixo traz um pedido pelo anti-inflamatório clonac e o antipsicótico quetiapina.

Apesar da existência de alguns aplicativos bem-intencionados, como Akizta, Redas Ayudas e o site DonaMed, o Twitter é a plataforma mais escolhida pelos venezuelanos para a procura de medicamentos – apenas um sexto deles são usuários ativos da rede social.

O método tem funcionado, e a prova disso está no grande número de respostas às mensagens publicadas, onde detalhes e preços são expostos para qualquer um ver.

Um exemplo é a postagem feita por Rosa Rodriguez, uma internauta que sofre de epilepsia.

Após publicar a mensagem diversas vezes, ela encontrou uma fornecedora.

Em consideração, Rosa não apenas mencionou a pessoa que lhe forneceu o medicamento, chamada Laura García, como recebeu uma resposta dizendo que está "às ordens".

Assim funciona o mercado negro e aberto de medicamentos na Venezuela. Mas de onde estão vindo esses remédios?

No melhor dos casos, são produtos que sobraram em empresas privadas, cujos prazos de validade ainda não expiraram – uma transação ilegal, mas que seria potencialmente "segura".

Eles também poderiam ser sobras privadas que expiraram ou que estragaram por outras razões. A asparaginase, por exemplo, precisa ser armazenada a uma temperatura entre 2 e 8 graus Celsius. Se alguém compra o remédio no Brasil, por exemplo, e não o resfria corretamente no caminho, ele torna-se inútil.

Além disso, num país em desenvolvimento como a Venezuela, que vive em meio a uma recessão brutal, há o risco muito sério de fornecedores do mercado negro venderem medicamentos falsificados.

De qualquer forma, os venezuelanos estão desesperados e, por enquanto, dispostos a aceitar esse risco – as próprias atividades na rede social são ilegais. As autoridades, por sua vez, parecem ignorar esse mercado paralelo, enquanto trabalham em uma solução.

Políticos em Caracas estão decidindo agora se o país declara ou não uma crise de saúde humanitária. Fazendo isso, a Venezuela poderia receber auxílio em forma de medicamentos da América Latina, da Europa e da Organização Mundial da Saúde.