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29 de novembro de 2008"Você poderia me indicar os nomes de algumas empresas alemãs?", saiu certa vez perguntando a pessoas nas ruas de algumas cidades brasileiras o correspondente Jens Glüsing, da revista Der Spiegel. Os editores do principal semanário alemão haviam encomendado a enquete ao jornalista para uma matéria especial sobre a fama dos produtos made in germany no mundo.
Glüsing, entretanto, ficou estupefato diante do silêncio de seus entrevistados, conforme relatou no debate sobre "A imagem do Brasil e da Alemanha na imprensa e na mídia do outro país", durante o simpósio "As Relações Culturais entre Brasil e Alemanha", realizado nos dias 24 e 25 de novembro no Instituto Goethe de São Paulo. Sobre a presença do Brasil na imprensa alemã falou Sílvia Bittencourt, correspondente da Folha de S.Paulo na Alemanha.
"O que você acha de Volkswagen, Mercedes, Bosch, Basf, Bayer?", provocava Glüsing. "Não, essas são empresas brasileiras" era a resposta que o jornalista recebia muitas vezes dos entrevistados. Ele atribuiu a reação ao fato de essas empresas já estarem estabelecidas no Brasil há tanto tempo que as pessoas as identificam como nacionais. Glüsing lembrou que a primeira menção que recebeu de uma empresa alemã foi à BMW, montadora sem fábrica no Brasil.
Interesse já foi maior
O desconhecimento sobre a Alemanha reflete a escassez de notícias sobre o país nos meios de comunicação brasileiros. As poucas que aparecem são marcadas por clichês ou tratam de esportes e curiosidades, ganhando política, economia e cultura ainda menos espaço. "O interesse pela Alemanha já foi maior, mas o fim da Guerra Fria, a reunificação da Alemanha e a globalização tiraram o país do noticiário", afirmou Glüsing.
O mesmo acontece em relação ao Brasil na imprensa alemã, ressaltou Bittencourt. Durante os regimes militares, os países da América Latina ganhavam destaque na mídia devido aos movimentos de resistência e às guerrilhas. "Um ex-correspondente alemão em Buenos Aires avaliou que os jornalistas tinham naquela época uma 'visão romântica' do conflito político-social", comentou Bittencourt.
Depois, a imprensa alemã afastou seus olhos da América Latina. Nem mesmo a primeira eleição direta para presidente no Brasil, em 1989, mereceu atenção especial. "Mas temos de considerar que o segundo turno entre Collor e Lula ocorreu poucos dias depois da queda do Muro de Berlim e, com isso, as redações alemãs estavam todas voltadas para esse momento histórico e seus desdobramentos para a Alemanha e o mundo."
Hitler e jogadores de futebol
Os dois palestrantes forneceram vários exemplos que retratam o desinteresse e o desconhecimento mútuo sobre o outro país. Segundo Glüsing, o jornal O Globo é o único veículo brasileiro a manter um correspondente próprio na Alemanha; os demais são colaboradores. Por outro lado, somente 6% dos correspondentes alemães estão na América Latina, ou seja, menos até que na África, informou o jornalista da Der Spiegel.
Bittencourt pesquisou a presença brasileira no jornal de maior circulação na Alemanha, o sensacionalista Bild, e verificou que 80% do material encontrado refere-se basicamente a jogadores de futebol. As demais matérias focavam clichês e histórias curiosas.
Glüsing fez também uma busca na internet por citações de personalidades alemãs em páginas brasileiras e igualmente chegou a resultados que reforçam uma imagem baseada em clichês, esporte e curiosidades. Hitler e o nazismo são os temas mais relacionados à Alemanha, seguidos pelo ex-piloto de Fórmula 1 Michael Schumacher. Com número bem menor de registros, surge depois a chanceler federal Angela Merkel, acompanhada de perto do filhote de urso polar Knut, estrela do zoológico de Berlim.
Desinteresse dos governantes alemães
Glüsing ressaltou que, por um lado, o desinteresse da mídia brasileira pela política alemã reflete o recente desinteresse desta pelo Brasil. Entre suas duas viagens ao Brasil como chanceler federal, Gerhard Schröder deixou um intervalo de seis anos e ainda comportou-se sempre de forma arrogante, disse o jornalista.
Num incidente com seguranças do chanceler em Copacabana, estes atacaram fotógrafos "com uma truculência com a qual eles não estavam acostumados desde o fim do regime militar e da censura", lembrou Glüsing. Já a atual chanceler federal, Angela Merkel, visitou o Brasil pela primeira vez este ano, mas ficou apenas um dia e meio no país.
O grande momento recente da Alemanha na mídia brasileira foi em 2006, devido à Copa do Mundo. Glüsing contou que havia ficado chocado em 2002 com os clichês do nazismo e do militarismo alemão explorados pela imprensa brasileira para retratar a seleção alemã quando esta foi à final com o Brasil no mundial do Japão.
Quatro anos depois, os jornalistas brasileiros descobriram uma Alemanha completamente diferente e teceram elogios sem fim a um país moderno, educado e alegre. Mas foi só. Após a Copa, a Alemanha voltou a sair do noticiário.
Biocombustíveis e energia
Bittencourt, por sua vez, disse que o Brasil está mais presente na televisão em documentários do que nas notícias e, devido aos horários de exibição, a audiência costuma ser pequena, daí a percepção de que o Brasil aparece nas telinhas menos do que de fato aparece.
A correspondente da Folha de S.Paulo destacou que o Brasil tem ganhado maior atenção na imprensa escrita. "Os brasileiros na Alemanha não se dão conta disso, pois o Brasil tem aparecido geralmente dentro de matérias que não tratam exclusivamente do país. Há sempre referências ao Brasil nas notícias sobre a crise financeira mundial e questões energéticas, por conta do etanol e outros biocombustíveis."
Bittencourt acrescentou que a eleição de Lula em 2002 fez a imprensa alemã acompanhar mais o Brasil, a sua política e o seu crescimento econômico dos últimos anos.