Desmatamento e trabalho escravo alimentam cadeia do aço, acusa Greenpeace
16 de maio de 2012A cada quatro horas, ativistas do Greenpeace se revezam pendurados na corrente da âncora do navio Clipper Hope. Nesta quarta-feira (16/05), a ação, que tem prazo indeterminado, completa 48 horas. O cargueiro impedido de trafegar está a serviço da empresa maranhense Viena Siderúrgica e tenta ancorar na baía de São Marcos, a 20 quilômetros de São Luís, no Maranhão, para receber um carregamento estimado de 30 mil toneladas de ferro gusa.
"Não pretendemos sair daqui", disse por telefone Paulo Adário, que lidera a ação pelo Greenpeace. Ele conversou com a DW Brasil a bordo do navio Rainbow Warrior, usado pela ong em protestos em todo mundo.
A ação dos ativistas quer chamar a atenção para a cadeia de produção do ferro gusa, matéria-prima do aço, que tem deixado um rastro de destruição na Amazônia, denuncia a organização ambientalista. Simultaneamente ao protesto, a ong lançou o relatório "Carvoaria Amazônia: como a indústria de aço e ferro gusa está destruindo a floresta com a participação de governo", que coletou informações ao longo de dois anos sobre a atividade no Norte do Brasil.
Carvão: a raiz do problema
O estudo do Greenpeace afirma que a cadeia de produção do ferro na região amazônica do país inclui desmatamento, trabalho escravo e desrespeito a povos indígenas. E ainda: gigantes como Ford, General Motors, Nissan, Mercedes, BMW e a produtora de equipamentos agrícolas John Deere teriam participação indireta nessas irregularidades. Cerca de 80% de todo o ferro gusa ligado à devastação da região são exportados para os Estados Unidos para abastecer essas marcas.
A matéria-prima é extraída em Carajás, nos territórios do Pará, Amazonas e Tocantins. A região se tornou um polo de produção de ferro a partir da década de 1980 – de lá para cá mais de 40 altos-fornos se instalaram no local, operados por 18 empresas guseiras. A demanda por carvão para alimentar os altos-fornos deu origem a inúmeras carvoarias.
"O que sobrou de mata amazônica no Maranhão está dentro de áreas protegidas ou são terras indígenas. E essas áreas têm sido invadidas por madeireiros que buscam madeira para exportação e consumo interno e para produção de carvão", acusa Adário. Dados oficiais mostram que 75% da floresta original que cobria o estado já foram desmatados.
O uso de mão de obra análoga à escrava em carvoarias isoladas no meio da mata é, segundo a Comissão Pastoral da Terra, de conhecimento das autoridades: entre 2003 e 2011, foram libertados mais de 2.700 trabalhadores em situação degradante. Muitas dessas carvoarias, diz o relatório, usam madeira obtida de forma ilegal para produzir o carvão. Esse combustível irá, mais tarde, aquecer os altos-fornos para transformar o ferro gusa.
No final de 2011, o Ibama comprovou que as maiores siderúrgicas do Pará utilizam carvão ilegal na produção do ferro-gusa. "Mais do que isso, as siderúrgicas fomentam o desmatamento da floresta amazônica em todo o sul e sudeste paraense para obter o carvão de que precisam, acobertando essa origem irregular com Guias Florestais fraudadas”, afirmou Luciano da Silva, coordenador da operação que foi batizada como Saldo Negro.
O Ibama estimou, por exemplo, que o consumo de carvão vegetal da Siderúrgica do Pará, empresa de porte médio, correspondeu nos últimos cinco anos a 370 quilômetros quadrados de desmatamento ilegal.
Viena Siderúrgica contesta acusações
Outra empresa problemática, afirma Paulo Adário, é a Viena Siderúrgica. O navio Clipper Hope, impedido de atracar pelos ativistas do Greenpeace, será carregado com ferro gusa obtido nos altos-fornos dessa companhia e seguirá para os Estados Unidos.
Questionada, a Viena Siderúrgica disse que foi surpreendida com o teor do relatório Carvoaria Amazônia. "Documentos em poder da empresa, tais como licença de operação e comprovação de regularidade no sistema DOF administrado pelo Ibama, comprovam a regularidade dos fornecedores no período em que a Viena manteve negociações com estes", escreveu Wanderley M. dos Santos, advogado da siderúrgica, em resposta à DW Brasil.
Ainda segundo o advogado, "a siderúrgica repudia todas as práticas citadas pelo relatório, reafirmando que sempre trabalhou para ser reconhecida pelas práticas sócio-ambientais adequadas, por projetos de transformação social nas comunidades próximas à empresa e pela transparência de suas ações".
Solução para o problema
Para o Greenpeace, não basta que o governo brasileiro combata as ilegalidades sociais e ambientais. "As montadoras, construtoras e outros consumidores de aço precisam identificar se os fornecedores de ferro gusa processado com carvão vegetal respeitam as leis brasileiras", exige a ong.
Esse grandes consumidores, adiciona Paulo Adário, precisam adotar procedimentos para monitorar se sua cadeia de suprimento não destrói a floresta, não contém matéria-prima proveniente de áreas protegidas ou de terras indígenas, nem emprega mão de obra análoga à escrava.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer