Destino de 350 mil refugiados somalis no Quênia é incerto
13 de maio de 2015Em vez de deportação, um recente acordo entre o alto comissário das Nações Unidas para refugiados, Antônio Guterres, e o presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, fala de um "programa de repatriação voluntária". Assim, perde efeito o anúncio do Quênia de que mandaria cerca de 350 mil refugiados do campo de Dadaab de volta à Somália, abalada pela guerra civil. Alguns já vivem no local há 20 anos e nada conhecem a não ser a vida ali.
Depois do atentado do grupo terrorista Al Shabaab à Universidade de Garissa, em abril, em que morreram mais de 140 pessoas, o vice-presidente queniano, William Ruto, deu à ONU um prazo de três meses para fechar o maior campo de refugiados do mundo. Segundo o Quênia, o local é um celeiro de terroristas para o Al Shabaab.
Para Cedric Barnes – diretor do projeto Chifre da África, do International Crisis Group –, a desistência de fechar o campo não é um recuo, como pode parecer. A exigência de fechamento em três meses não passou de uma manobra populista após o ataque em Garissa, avalia o analista.
"No entanto, o governo queniano definitivamente acha que Dadaab ficou grande demais." Barnes ressalva que, por pior que seja a situação no campo, ele não pode ser responsabilizado pelo terror do Al Shabaab no Quênia.
Volta indesejada
Um programa da ONU e dos governos queniano e somali prevê a transferência de 10 mil refugiados para a Somália até o fim de junho. No entanto, até agora apenas 2 mil retornaram ao país de origem através desse projeto.
"O problema é que muitos refugiados que ainda estão em Dadaab são oriundos de regiões controladas, no momento, pelo Al Shabaab", aponta Tim Glawion, especialista em Somália do Instituto Alemão de Estudos Globais e Regionais (Giga), de Hamburgo.
"Para muitos, é impossível retornar a essas regiões, pois muito provavelmente seriam submetidos a forte repressão. Seriam estigmatizados como traidores, por terem fugido para o estrangeiro", prediz o especialista, que no momento realiza pesquisas na Universidade de Hargeisa, na Somalilândia.
Glawion acrescenta que decerto existem regiões na Somália tidas como relativamente seguras. Por exemplo, a Somalilândia, no norte, que se considera um Estado independente, embora não reconhecido internacionalmente; ou a Puntlândia, no nordeste. Porém, para os somalis só faz sentido retornar se puderem se sentir em casa nessas regiões.
Quênia agrava insegurança no sul da Somália
Glawion defende que a população das áreas seguras da Somália seja colocada em contato com os refugiados de Dadaab, para discutir onde estes serão recebidos, onde é seguro para eles, onde poderiam viver. O especialista critica o fato de que, no momento, "aqueles de que, na verdade, se trata – ou seja, os refugiados e as pessoas que ainda vivem na Somália – quase não fazerem parte do debate".
Em termos realistas, levaria anos até se realocarem devidamente os refugiados somalis, observa Barnes. Guterres está travando diálogo com o governo somali a fim de sondar a possibilidade de um eventual retorno.
Glawion espera que agora se dê maior ênfase às condições sociais, políticas e econômicas no país, e que a presente discussão sobre soluções militares contra o Al Shabaab caia para o segundo plano.
Após o atentado a Garissa, o Quênia bombardeou regiões no sul da Somália, onde se presume que estejam localizados os guerrilheiros do grupo terrorista. "É claro que, em tais ofensivas, civis também sempre são mortos. E isso é exatamente o contrário do necessário a uma reintegração dos refugiados. Isso cria insegurança entre a população civil do sul da Somália, gera agressão e frustração com o governo queniano. Essa não é, em absoluto, uma situação que permita o retorno dos refugiados", afirma Glawion.