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Destruição de ecossistemas ameaça o futuro, diz diretor do Pnuma

Geraldo Hoffmann22 de março de 2006

Em entrevista exclusiva à DW-WORLD, o ambientalista teuto-brasileiro Achim Steiner, futuro diretor do Programa da ONU para o Meio Ambiente, pede medidas concretas da Conferência sobre Biodiversidade em Curitiba.

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Achim Steiner: alemão nascido no Brasil vai chefiar o PnumaFoto: IUCN Photo Library / UN Photo / Stephen Koh

DW-WORLD: O senhor nasceu e cresceu no Brasil (Carazinho, RS). O que ainda o vincula ao país?

Achim Steiner: Por um lado, as lembranças de uma infância no interior, onde vivíamos numa fazenda, o que foi maravilhoso na minha fase de crescimento. Desde então, meu trabalho sempre teve a ver com o Brasil, em termos de política ambiental internacional, como foi o caso da Rio 92. Mas mantenho vínculos também através das mais diferentes redes de contatos e amizades que cultivo.

Uma das conseqüências da Rio 92 é a Convenção sobre a Diversidade Biológica, cuja implementação está sendo discutida por representantes de 187 países, em Curitiba, até o final de março. O que o senhor espera dessa conferência?

A grande expectativa em relação a Curitiba é que as inúmeras idéias, resoluções e metas negociadas nos últimos anos sejam implementadas com medidas concretas. Na Conferência e Convenção da Biodiversidade ainda somos muito teóricos e pouco práticos, o que também tem a ver com a complexidade do tema e dos diferentes interesses em jogo, quando se trata do uso e da manutenção dos recursos naturais.

Esse conflito de interesses o senhor também já abordou num debate com o atual diretor do Pnuma, Klaus Töpfer, na Universidade de Mainz, sob um título bastante sugestivo: "Biodiversidade: o futuro tem um fim? Política ambiental internacional entre globalização e shareholder value". A biodiversidade está sendo esmagada pela globalização econômica?

Eine tropische Pflanze blüht im dichten Atlantischen Regenwald auf der Ilha do Cardoso im Bundesstaat Sao Paulo
Ecossistema da Ilha do Cardoso (SP)Foto: DPA

Com esse título e tema eu quis dizer que nós ainda observamos em vez de combater com determinação a perda de biodiversidade do planeta. Podemos discutir qualquer perspectiva de futuro, em termos de crescimento econômico e bem-estar, mas, se continuarmos perdendo a biodiversidade no ritmo atual, então o futuro terá um fim, porque assim os ecossistemas não podem sobreviver e, sem ecossistemas, nós não podemos sobreviver. A idéia que tínhamos do início a meados do século 20, de que o progresso tecnológico poderia nos desvincular da natureza, foi uma ilusão, como ficou comprovado, por exemplo, com a mudança climática e a perda de recursos hídricos. Por isso, também o setor econômico é conclamado a se confrontar com este desafio.

Ambientalistas criticam que as negociações sobre o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (ocorridas na semana passada em Curitiba) foram "seqüestradas" pelo agronegócio e as multinacionais da biotecnologia. O senhor concorda com essa crítica?

Certamente há interesses por parte do empresariado de que se prorroguem prazos e adiem metas tanto quanto possível. Mas é preciso aceitar também que justamente o uso de produtos geneticamente manipulados não é uma questão só de empresas internacionais e, sim, que mexe muito com interesses de países e governos. Os países importadores querem saber o que esses produtos contêm; as nações exportadoras temem que isso represente determinadas barreiras comerciais, que não querem aceitar nessa dimensão. Aqui há um confronto de interesses econômicos no sentido Norte-Sul. Mas nem por isso o acordo alcançado perde toda a sua validade. Ele é mais um passo rumo à clareza de informação, só que lamentavelmente mais lento e menos concreto do que desejávamos.

O senhor conhece o Brasil e outros países da América do Sul. Essa região faz o suficiente para proteger o meio ambiente e a biodiversidade?

Isso depende muito do parâmetro que se aplica. Na criação de parques naturais e áreas de proteção, o Brasil, por exemplo, pode medir forças com muitos países, inclusive industrializados. Às vésperas da conferência de Curitiba, o Brasil ainda anunciou a ampliação de suas áreas de proteção da Amazônia em mais 6,4 milhões de hectares. O país trabalha com muitas medidas na proteção do meio ambiente. Mas, se considerarmos a velocidade com que a natureza é destruída e quão necessária é a intensificação da cooperação internacional nessa área, daí algumas posições dos países em desenvolvimento, relacionadas à política ambiental, são demasiado conservadoras ou lentas.

Dichter Atlantischer Regenwald auf der Ilha do Cardoso in San Paulo
Florestas tropicais: perdas inaceitáveisFoto: DPA

Em que países da América do Sul essa situação é pior?

Isso é difícil de dizer, porque envolve muitos critérios. Do ponto de vista global, a Amazônia é um foco principal. E há vários países envolvidos na proteção, no uso sustentável e no aproveitamento econômico dessa região. Penso que, como comunidade mundial, deveríamos encarar esse problema não só criticamente, mas também de forma solidária. Ainda perdemos uma taxa inaceitável e insustentável de florestas tropicais na Amazônia. A questão é como a comunidade internacional pode ajudar os países concretamente responsáveis pela proteção e o uso desse ecossistema. Justamente para isso é importante uma convenção como a da biodiversidade, porque ela sublinha nosso interesse coletivo de cooperação nesse campo.

Não é contraditório que no Brasil e em outros países da América Latina, ou em países em desenvolvimento em geral se derrubem florestas para aumentar as exportações agrárias para a Europa, ao mesmo tempo em que esses países dependem de ajuda européia para proteger o meio ambiente?

A questão fundamental é ver o que é um terms of trade justo, como é realizado o comércio. O problema é que muitos países em desenvolvimento ainda vendem suas matérias-primas a preço de banana, enquanto aqueles que trabalham na indústria de processamento obtêm a mais valia. Pode-se argumentar até que não é injusto que o Brasil receba essa ajuda internacional, porque todos usufruímos do fato de o país, por exemplo, não usar para a agricultura determinadas áreas da Amazônia, que, como se sabe, é uma espécie de pulmão do mundo. Os custos para manter esse ecossistema não podem ser cobertos pelo país sozinho. Trata-se de bens e serviços, que um ecossistema desses disponibiliza em proveito de todos. Porque então não participarmos adequadamente dos custos?

Ontem (21/03) foi o Dia Internacional da Floresta. Nesta quarta-feira se comemora o Dia Mundial da Água. Que efeito têm datas desse tipo?

Chamar a atenção. Acho que isso é o mais importante. Porque só podemos esperar que os políticos e os governos ajam, se a opinião pública tiver consciência do problema e acreditar que é possível mudar algo. Na discussão sobre meio ambiente, freqüentemente há uma sensação de impotência e de frustração da opinião pública, porque só se critica. Precisamos aproveitar essas datas para mostrar que, apesar de todos os problemas, há uma enorme quantidade de exemplos de como se pode fazer melhor.

Em 15 de junho, o senhor sucede o ex-ministro alemão do Meio Ambiente, Klaus Töpfer, no comando do Pnuma. Quais são suas metas para o novo cargo? O Unep será transformado em organização da ONU, como já pedem os europeus?

Seria bonito, se isso estivesse em meu poder. Mas penso que o papel do diretor executivo do Unep é, em primeira linha, obter um consenso sobre o futuro do programa de meio ambiente no âmbito das Nações Unidas. Somos confrontados com responsabilidades e desafios cada vez maiores, ao mesmo tempo em que falta um consenso dos países-membros da ONU sobre como o Unep deve evoluir. Há reformas em andamento, que modificarão o trabalho e o contexto do Unep. Por isso, acredito que nos próximos 12 meses serão tomadas decisões importantes, sobre as quais ainda não tenho influência, enquanto não tiver assumido o cargo.