De olho no Brasil
2 de abril de 2011Ao desembarcar neste sábado (02/04) de volta à Alemanha, o ministro alemão dos Transportes, Peter Ramsauer, definiu como “muito produtiva” sua primeira investida pessoal para aproximar ainda mais os dois países, que mantêm uma longa relação bilateral. Ramsauer voltou para casa com a meta de oferecer ao governo brasileiro propostas concretas que ajudem o país a superar os desafios em infraestrutura e na área de transportes.
Ao fim da viagem, o ministro alemão conversou com a Deutsche Welle sobre os interesses de seu país em fortalecer a parceira com o Brasil e contou como sua pasta irá coordenar os esforços para que um consórcio alemão seja formado a tempo de entrar na briga pela licitação do primeiro trem de alta velocidade brasileiro.
Ramsauer comentou também as negociações com o BNDES, o encontro com o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, e o memorando de entendimento entre os dois países para cooperação na área de biocombustíveis.
Com pontualidade e bom humor, o político destacou nos encontros oficiais a alta qualidade das empresas alemãs representadas pela delegação que o acompanhou pelo Brasil. Dentre elas, a Siemens, ThyssenKrupp, Deutsche Bahn, Lufthansa e Herrenknecht.
Não previsto no roteiro, Ramsauer presenciou uma manifestação popular durante a abertura da estação Butantã do metrô de São Paulo, na última segunda-feira. Seu bom humor rendeu-lhe aplausos dos estudantes que protestavam. “Eu também já fui um de vocês e já participei de muitas manifestações. Mas como político, hoje, tenho que cuidar para que o interesse do povo seja atendido”, disse quebrando o protocolo.
Deutsche Welle: O senhor encontrou-se com a presidente, Dilma Rousseff, sem que a imprensa pudesse acompanhá-lo. Sobre o que vocês falaram?
Peter Ramsauer: O fato de a presidente do Brasil ter recebido um ministro alemão dos Transportes é bastante fora do comum. A mensagem foi clara: Dilma tem em grande consideração o fato de a economia alemã querer participar intensivamente dos desafios brasileiros na área de transporte e construção civil.
Ela referiu-se ao projeto de construção da linha do trem de alta velocidade, das melhorias dos portos especialmente, inclusive, a ligação da área portuária com outras regiões por meio de rodovias e ferrovias. E também falamos sobre a questão do tráfego aéreo. E em todas essas três áreas de infraestrutura de transporte, a grande expansão está ligada ao crescimento econômico do país.
A presidente disse claramente que quer a participação alemã em todos esses campos, e eu assegurei a ela essa participação.
O que a presidente disse sobre o provável adiamento do prazo da licitação do trem de alta velocidade?
Em várias ocasiões durante a visita, nós falamos sobre os problemas das condições impostas na licitação do trem de alta velocidade entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Eu vejo que as empresas estão cautelosas quanto a essas condições, e inseguras em participar dessa concorrência.
Parece que esse prazo para participar da licitação, que vence em 11 de abril, será prolongado e que também, provavelmente, haverá modificações nas condições descritas no edital. Mas isso ainda está em curso, e o governo brasileiro deve decidir sobre isso até o dia 4 de abril.
Como ministro dos Transportes, o senhor se propôs a organizar o provável consórcio alemão. Como será esse trabalho?
O tema do trem de alta velocidade, independentemente da tecnologia – seja o trem magnético ou o convencional –, não é mais uma utopia, não mais uma visão, mas sim um projeto claramente planejado.
Eu sinto, com muita satisfação, a grande vontade do governo brasileiro de que haja um consórcio alemão. E eu farei tudo para que esse consórcio seja formado e que faça uma boa oferta.
Eu sei muito bem que as empresas alemãs têm o conhecimento e a técnica para disponibilizar um excelente projeto de trem de alta velocidade. Como ministro responsável, farei de tudo para que, por parte do governo, as coisas sejam coordenadas a fim de que haja uma oferta por um consórcio alemão.
Também houve um encontro com a direção do BNDES, o Banco Nacional de Desenvolvimento. Houve algum acordo em termos do financiamento do projeto do trem?
Existem muitos detalhes complicados e confidenciais. Nós falamos sobre isso intensivamente e eu posso dizer que já marcamos novos encontros para continuar com a discussão. O BNDES formulou certas barreiras de delimitação e agora, do lado alemão, essas questões serão analisadas detalhadamente.
Devemos voltar a falar sobre o assunto com os representantes brasileiros, com o ministério e também com o BNDES, no espaço de duas a quatro semanas. E depois da experiência dos últimos dias, estou seguro de que coisas boas virão.
O encontro com o ministro brasileiro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, foi sigiloso. O senhor pode contar um pouco sobre o conteúdo da conversa?
Eu já conheço Patriota há um ano. Desde o início, ele foi muito simpático, temos a mesma idade, ambos estudamos piano... E falamos sobre muitas coisas. Brasil e Alemanha têm uma parceria estratégica. Temos muitas características globais em comuns: somos ambos membros do G20, membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, temos grandes desafios globais à frente.
E justamente por isso tratamos de questões como, por exemplo, o conflito no Norte da África e os problemas atuais registrados nos países muçulmanos, o desenvolvimento dos países do BRIC, Brasil, Rússia, Índia e China, e também sobre a possibilidade de que a África do Sul faça parte desse grupo.
E sabemos que paises como Alemanha e Brasil têm grandes desafios no sentido de ajudar a solucionar os problemas globais.
Depois desse encontro, o senhor assinou, ao lado de Patriota, um memorando de intenções que abrange, inclusive, cooperação na área de etanol.
Por meio desse memorando, os governos se comprometem a desenvolver mais o uso do etanol e outros de biocombustiveis dentro da estratégia de combustíveis.
Do lado alemão, ficou especificado que nós queremos aprender mais com a experiência brasileira. A vivência brasileira nesse campo do etanol é muito mais larga e nós, na Alemanha, começamos agora um debate pesado sobre a introdução do E10.
No Brasil, a utilização do etanol combustível é muito mais difundida, e na Alemanha os carros estão começando a trafegar com uma mistura de 10% dessa substância na gasolina. Então, eu quero trazer essa experiência para a Alemanha e quero que a questão do etanol também seja adotada de forma natural.
O senhor volta para a Alemanha satisfeito? Os objetivos dessa viagem ao Brasil foram alcançados?
Sim, estou satisfeito e os objetivos foram alcançados. No último ano, nós trabalhamos intensivamente para que o meu ministério fortalecesse a ligação com o Brasil. Meu vice-ministro, Rainer Bomba, foi encarregado disso e o fez contatos importantes por meio de várias viagens ao Brasil.
Achamos a viagem muito frutífera. Os integrantes da delegação que viajaram comigo estão muito entusiasmados, eletrificados – no bom sentido da palavra – com a possibilidade de se engajarem ainda mais no Brasil.
Muitas empresas já atuam fortemente no Brasil, como a Siemens e a ThyssenKrupp, que também ganharam agora um novo impulso. Outras companhias querem se fortalecer ainda mais, como a Herrenknecht, da área da construção civil, e outras querem começar a atuar no Brasil.
Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Augusto Valente