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Dinheiro na mão é vendaval

(as)4 de janeiro de 2004

Estimativas dizem que 80% dos ganhadores de loterias na Alemanha estão de novo zerados em dois anos. O que acontece com pessoas que nunca tiveram muito dinheiro quando ganham uma bolada?

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Bilhetes da Lotto, a mais popular loteria alemãFoto: AP

Central da Lotto em uma grande cidade do Norte da Alemanha. A responsável pelo atendimento psicológico aos ganhadores da principal loteria da Alemanha é a psicóloga Susanne Wolf. O trabalho dela é comunicar aos novos milionários que houve um substancial crescimento na sua conta bancária, sobre o qual se deveria ter uma conversa.

Parece simples, mas é inacreditavelmente complicado. A maior parte dos novos ricos fica muda e atrapalhada, mal-e-mal consegue se lembrar do número da sua conta bancária. Em casos raros há também desmaios, histeria ou agradecimentos exagerados.

“Há alguns ganhadores que querem mostrar sua alegria de forma enfática e nos abraçam, nos beijam, se agitam, querem dividir uma garrafa de champanha conosco. Eles não se lembram que nós ainda precisamos trabalhar um pouco”, diz Susanne. Em vez de comemorar bebendo champanha com os novos milionários, Susanne tem com eles uma conversa aconselhadora sobre como esconder, dos amigos e vizinhos, o súbito enriquecimento. “O mais importante é ser discreto”, afirma.

Segundo a psicóloga, as pessoas que convivem com os ganhadores de loterias se sentem estimuladas a apresentar a eles seus desejos e sonhos, sejam eles crédito, um carro do ano ou móveis novos. O provável motivo para esse comportamento seriam pensamentos do tipo: “Ah, esse não trabalhou para conseguir tanto dinheiro, então ele também pode me dar um pouco, afinal somos grandes amigos e eu não vou estar incomodando.”

O time do milionários

Lottozahlen Ziehmaschine aus den 60er Jahren
Máquina de sorteio da loteria alemã, nos anos 60Foto: DHM

“Todo mundo precisa saber que eu ganhei na loteria.” Essa era a máxima de Günther Storbeck, que há alguns anos teve a sorte de assinalar os seis números certos em um bilhete. A boa nova chegou a ele na festa de Natal de seu time de futebol, interrompendo as conversas da roda de amigos.

“Às oito e meia minha filha me ligou: ‘Pai, nós acertamos quatro’. Eu disse: ‘Nada mau’. Às nove e meia ela ligou de novo: ‘Algo deve estar errado, nós acertamos cinco’. Eu pensei: ‘Cinco, isso não é possível’. E às onze e meia o telefone tocou de novo, e então ela disse: ‘Nós acertamos seis’. Aí eu disse: ‘Agora não quero mais saber de trabalho, vou para casa...’ Peguei o bilhete da loteria, liguei para a central e fiquei sabendo que tinha acertado os seis números. E aí eu voltei para a festa, onde o auê foi grande.”

A única paixão de Storbeck é o futebol. A sua felicidade consiste em, seis dias por semana, provar sua elasticidade e reflexos como goleiro do seu time. Mesmo com mais de 40 anos, ele continua atuando embaixo das traves. Storbeck também não é homem de tomar decisões sozinho, "o coletivo deve decidir".

E os seus 11 amigos decidiram que o dinheiro da loteria seria utilizado na formação de um time profissional de futebol. Storbeck, o dono da bolada, foi aclamado em uníssono presidente, empresário e principal patrocinador. A criança foi batizada como Eppendorfer Sportgemeinschaft e tinha tudo para ser a nova preocupação do Bayern de Munique e do Real Madrid.

Bom enquanto durou

“Eu tive de comprar uniformes, providenciar um campo de futebol, arranjar redes e traves e tudo o mais que é necessário. E eu também queria ter tudo do melhor e também tive tudo do melhor. E isso não foi barato. Eu até comprei um ônibus para o time. As pessoas também se envolveram, nós fomos campeões e tivemos a nossa ascensão. Quando chegávamos em um lugar, as pessoas diziam: A trupe dos milionários chegou”, lembra Storbeck.

A ascensão do Eppendorfer SG não pôde evitar a falência financeira. Ao contrário, quanto mais o clube ascendia, mais dinheiro era necessário para cobrir os novos gastos. A fortuna da loteria foi consumida, o crédito dos bancos estava quase esgotado. A equipe foi desmontada, o clube foi liquidado e Storbeck ficou como único herdeiro das dívidas. Mas que foi bom enquanto durou, isso foi. “Eu bem que sabia, se eu pegar o dinheiro e colocar nisso, ele estará perdido. Isso eu sabia desde o início”, comenta Storbeck.

Infelicidade

Mas Storbeck está longe de ser um infeliz. Ele teve a chance de realizar um sonho – ainda que tenha durado apenas alguns meses. Não há estatísticas confiáveis sobre o tema, mas pessoas do meio estimam que, na Alemanha, 80% dos ganhadores de loterias estão novamente no zero – ou no vermelho – depois de apenas dois anos, sem sequer ter tido a chance de realizar os sonhos das suas vidas.

O psicólogo Wolfgang Krüger pesquisou em que consiste a fascinação causada pelo dinheiro e onde herdeiros e ganhadores de loterias investem seu dinheiro. A conclusão dele é que eles são, basicamente, exagerados. “Quando uma pessoa despreparada, que nunca teve de lidar com altas quantias, repentinamente recebe muito dinheiro, isso traz muitos problemas para ela e, na maior parte dos casos, não faz as pessoas mais felizes. Essa é uma grande ilusão que nós temos”, afirma Krüger.

A conclusão possível é que o melhor seria se as pessoas deixassem de lado o sonho de ganhar na loteria. Um ideal inatingível para a grande massa de apostadores que semanalmente se senta em frente a uma televisão à espera dos números premiados e experimenta a frustração de, mais uma vez, não ter ganho na loteria.