Problemática global
15 de novembro de 2011A luta pelos direitos humanos prevê a proteção do cidadão contra um Estado superpoderoso, tendo sido aprovada em 1948 pelas Nações Unidas, através da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Esses direitos protegem a dignidade de cada indivíduo contra um Estado que torture, prenda, faça com que cidadãos desapareçam ou os discrimina em função de origem, cor da pele, gênero, orientação sexual etc. E também contra um Estado que impede o cidadão de trabalhar, dificulta seu acesso à terra ou a empréstimos, alegando que ele tem "o gênero errado" ou pertence a uma "etnia errada".
Os direitos humanos civis e políticos, bem como os econômicos, sociais e culturais, fundamentam a necessidade de todo ser humano de definir sua própria vida, independentemente de pressões externas ou atrocidades, miséria social ou comportamentos aleatórios de terceiros, exclusão e exploração.
Os países individualmente e a comunidade internacional assumem a obrigação de se manterem atentos em relação ao respeito aos direitos humanos, protegendo-os e assegurando-os. Isso significa também prestar atenção para que empresas privadas e outras organizações ou pessoas não ligadas ao Estado não desrespeitem esses direitos. Fazendo uso do máximo possível de recursos disponíveis, os Estados obrigam-se a garantir acima de tudo os direitos de grupos desfavorecidos entre as populações. Em tempos de globalização, há, contudo, um número crescente de situações nas quais essa garantia não se torna mais possível.
Empecilho: contratos internacionais
Os Estados, todavia, poder ser impedidos de tomar as devidas providências para garantir os direitos humanos, em função de contratos internacionais, por exemplo. Essa questão se tornou evidente quando alguns países quiseram contornar a lei de proteção das patentes de medicamentos usados no combate ao HIV, a fim de poder obter uma licença de produção de genéricos mais baratos.
Os Estados podem também ser impedidos por organizações internacionais de tomar medidas políticas. Países em desenvolvimento endividados, por exemplo, receberam durante anos conselhos do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para que reduzissem a infraestrutura do Estado voltada para o desenvolvimento do campo, a fim de conter despesas, abrindo, em contrapartida, os mercados para a importação de alimentos. Muitas vezes, a concessão de créditos dependia até mesmo de uma conduta como essa. Em consequência, diminui a garantia de subsistência das famílias de pequenos agricultores.
Empecilho: investimentos diretos
Decisões sobre investimentos diretos são tomadas normalmente pelas empresas privadas, que só investem quando os padrões lhes são "favoráveis". Na prática, isso pode significar que os direitos dos trabalhadores ou a proteção ao realojamento compulsório sejam ignorados. As mineradoras, por exemplo, forçam com frequência a mudança compulsória de milhares de famílias. Isso acontece, na maioria das vezes, sem pagamento das devidas indenizações ou da oferta de uma terra de valor equivalente.
Os sindicatos e as vítimas não conseguem, na maioria das vezes, melhorar de maneira decisiva as condições de trabalho injustas ou nocivas à saúde porque empresas estrangeiras quase nunca podem ser processadas pela Justiça nacional de um país. Muitas vezes os governos locais ou regionais, bem como os órgãos de vigilância, são permeados pela corrupção, não verificando, de forma adequada, as denúncias de más condições de trabalho em empresas ou minas de extração.
Empecilho: subvenções
Medidas fiscais determinadas pelo Estado para a própria população podem surtir efeitos na proteção aos direitos humanos em outro continente. Várias ONGs explicitaram no último ano o quanto as subvenções agrárias europeias e a política europeia para a pesca influenciaram as condições de vida, de trabalho e de mercado na África Ocidental.
As importações de frango barato – pois subvencionado – da Europa ou o excesso de peixes na costa africana, em função da presença de frotas europeias de pesca, contribuíram de imediato para um aumento da pobreza e da fome em determinados grupos populacionais no continente. Tem-se aqui uma violação do direito ao alimento, que, contudo, mal pode ser influenciada pelos governos dos países da própria África Ocidental.
Empecilho: fragilidade do Estado
Quando o governo de um país praticamente não funciona, a situação para cada indivíduo se torna especialmente problemática. Quando este governo é demasiado frágil para controlar as influências internacionais ou conduzi-las, a dignidade do ser humano também acaba sendo esquecida. Sobretudo em países em guerra civil ou nos chamados "Estados fracassados", a responsabilidade pelos padrões na mineração ou nas plantações voltadas para a exportação fica principalmente nas mãos das empresas, que defendem interesses comerciais próprios. Elas geralmente pagam forças de segurança privadas para fiscalizar as ações de seus funcionários.
Um exemplo é o Congo: metais preciosos importantes são extraídos sob condições desumanas de trabalho. Através de uma cadeia de fornecedores permeada pela corrupção, esse material chega à Europa para ser usado, por exemplo, na montagem de telefones celulares. Tudo isso contribui para impedir a garantia dos direitos humanos no país africano.
Empecilho: globalização
Os exemplos deixam claro: na era da globalização, há uma lacuna na proteção aos direitos humanos, que só poderá ser fechada se o Direito Internacional conseguir punir quem burla as leis: os governos, responsáveis por tais violações fora de seus territórios, empresas privadas atuantes em todo o mundo e organizações internacionais. Até hoje, esse não tem sido o caso, de forma que as vítimas, na maioria das vezes, nem podem mover uma ação judicial ou pedir indenizações quando têm seus direitos humanos violados.
Em todas as regiões do mundo, ativistas dos direitos humanos, políticos e pesquisadores começaram a exigir de organizações e empresas privadas uma conduta de maior proteção aos direitos humanos. Diversas ONGs estão sempre divulgando e documentando casos de violações.
Esse "dar nome aos bois", que gera vergonha pública, forçou uma série de empresas – sejam elas na indústria têxtil ou de brinquedos, por exemplo – atuantes em diversos países do mundo, a estabelecerem por conta própria padrões de comportamento a serem respeitados. O ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan já havia tentado, em 2000, através da criação do pacto Global Compact, alertar sobre a importância do respeito aos direitos humanos por parte do setor privado.
Empecilho: obrigações extraterritoriais dos Estados
A atenção aos direitos humanos, bem como a proteção e sua garantia, dependem hoje de que ONGs, advogados corajosos e defensores dos direitos humanos continuem desmascarando situações nas quais estes são violados, tornando os casos públicos.
Essa não pode, contudo, ser a solução para a situação como um todo. Inaceitável, da mesma forma é o fato de que a implementação dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais dependa da vontade de cada um dos envolvidos.
A fim de cobrir tais lacunas inerentes à globalização na defesa dos direitos humanos, as chamadas obrigações extraterritoriais dos Estados são cada vez mais lembradas: todos os países têm, portanto, obrigação de pautar suas condutas, tanto no comércio internacional quanto dentro de organizações como o Banco Mundial, no respeito aos direitos humanos.
Michael Windfuhr é vice-direitor do Instituto Alemão dos Direitos Humanos (DIMR), sediado em Berlim.
Autor: Michael Windfuhr (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer