Diretor turco-alemão leva Urso de Ouro em Berlim
14 de fevereiro de 2004Se no último ano Berlim publicou um manifesto antibélico, às beiras do início da guerra no Iraque, não é de se estranhar que o Urso de Ouro de 2004 dê continuidade a esta postura. Isso significa dar sinais ao mundo islâmico de que Ocidente e Oriente deveriam se tornar mais próximos. Para isso, nada mais adequado que a escolha do longa Contra a Parede (Gegen die Wand), de Fatih Akin, um diretor de origem turca, nascido em Hamburgo, na Alemanha.
Se a Turquia - país situado nos dois lados do Estreito de Bósforo – é um pêndulo natural entre Oriente e Ocidente, o jovem cineasta Akin e seus atores representam a intersecção entre dois universos culturais. A temática levada à tela em Contra a Parede faz o mesmo, inclusive nas locações, que vão da Alemanha a Istambul. O filme toma como protagonistas um homem e uma mulher de origem turca, vivendo na Alemanha.
Os dois “quase às beiras do suicídio”: ele alcóolatra, ela procurando um casamento pró-forma para se livrar das amarras das tradições familiares. Contra a Parede aposta no vermelho, cutuca as feridas e deixa-as sangrar. Corta, além de pulsos no desenrolar da trama, imagens e sons de forma crua, veemente. Definitivamente não é cinema para todo gosto, não é um clássico, mas deve ficar na memória.
“Chega de chauvinismo!”
Amado por crítica e público, Akin leva para essa “casa turco-alemã” um Urso de Ouro bem merecido e que poderá servir, indiretamente, para despertar um pouco das consciências adormecidas de uma Alemanha que ignora o potencial dos milhares de imigrantes que vivem no país. Durante a entrevista coletiva de imprensa que sucedeu a apresentação de Contra a Parede em Berlim, uma jornalista perguntou a Fatih Akin algo a respeito do universo dos “trabalhadores convidados, presentes no filme”.
O termo usado – Gastarbeiter – designou nos anos 50 os imigrantes turcos, que foram para a Alemanha trabalhar, entre outros, na construção civil. A resposta de Akin foi um dos momentos de maior lucidez durante todo o festival de Berlim. “Esta palavra trabalhador convidado não faz parte do meu vocabulário. Há ainda um bom número de jornalistas que insisitem neste termo ultrapassado. Isso não passa de chauvinismo”. Só por isso, Akin já mereceria aplausos.
Outros prêmios
O Grande Prêmio do Júri em Berlim ficou para o argentino El Abrazo Partido, de Daniel Burman, enquanto o Urso de Prata por melhor direção saiu para Samaria, de Kim Ki-Duk. A premiação como melhor atriz foi dividida entre Catalina Sandino Moreno, por sua atuação em Maria Llena Eres de Gracia e Charlize Theron, pela participação em Monster. Daniel Handler, protagonista de El Abrazo Partido, recebeu ainda o Urso de Prata como melhor ator.
Entre os prêmios paralelos, o brasileiro O Outro Lado da Rua, de Marcos Bernstein, com Fernanda Montenegro e Raul Cortez no elenco, foi o escolhido dentro da mostra Panorama pela Confederação Internacional de Cinemas de Arte e Ensaio (CICAE) como o melhor filme. Correto, bem feito, O Outro Lado da Rua lembra um pouco os maneirismos de Central do Brasil, do qual Bernstein foi co-roteirista. Sem ir muito além do mero propósito de enteter, o filme cumpre seu papel. O cinema berlinense onde foi apresentado aplaudiu de pé diretor e atores.