Diretora da Documenta renuncia após polêmica antissemítica
16 de julho de 2022A diretora-geral da exposição mundial de arte contemporânea Documenta, Sabine Schormann, deixou o cargo neste sábado (16/07) após um escândalo de antissemitismo envolvendo o evento.
Logo após a abertura de sua 15ª edição, na cidade alemã de Kassel, há quase um mês, a Documenta se viu em meio a uma polêmica: uma obra do coletivo artístico indonésio Taring Padi foi fortemente criticada por representantes israelenses e alemães como profundamente antissemítica. Desde então, a renúncia de Schormann vinha sendo pedida repetidamente.
"O conselho de supervisão, os acionistas e a diretora-geral Sabine Schormann concordaram mutuamente em rescindir seu contrato sem aviso prévio. Um sucessor interino será procurado", informou em comunicado o conselho de supervisão da Documenta neste sábado.
A decisão foi tomada em reunião realizada na noite de sexta-feira "no contexto de acusações de antissemitismo" contra a atual edição da feira e "visando o futuro da Documenta", afirma o comunicado.
O conselho buscou, ainda, claramente se distanciar do trabalho que causou a polêmica, expressando "sua profunda consternação" pelo fato de que no fim de semana de estreia do evento "foram vistos motivos claramente antissemitas".
A obra polêmica
A obra em questão é o mural People's justice (Justiça do povo), originalmente exibido em 2002 na Austrália. Ele apresenta, entre outras imagens, uma figura soldadesca de aparência suína, em cujo capacete está escrito "Mossad", o nome do serviço secreto de Israel. Outra figura tem os cachos laterais associados aos judeus ortodoxos, presas e olhos injetados de sangue e porta um chapéu preto com uma insígnia da organização paramilitar nazista SS.
Segundo o comunicado do conselho, a obra "com suas imagens antissemitas, foi uma clara transgressão dos limites e causou danos consideráveis à Documenta". O órgão também considera "essencial esclarecer este incidente" o mais rapidamente possível.
O conselho de supervisão destaca ainda a "importante tarefa social" de "combater eficazmente o antissemitismo e a misantropia em relação a certos grupos também na arte e na cultura".
Além disso, a cidade de Kassel e o Estado de Hesse, onde fica a cidade, declararam que estão "unidos no objetivo comum de lidar com erros em termos de antissemitismo e deficiências estruturais e de fazer todo o possível para garantir o status da Documenta como uma arte contemporânea única exposição no mundo".
Recentemente, o diretor do Centro Anne Frank, Meron Mendel, desistiu de assessorar a Documenta para analisar possíveis conteúdos antissemitas no restante das obras da feira, acusando Schormann de passividade após o escândalo estourar. O artista alemão Hito Steyerl, um dos mais importantes internacionalmente, também se retirou da exposição.
O presidente do Conselho Central dos Judeus na Alemanha, Josef Schuster, disse que a Documenta falhou quando se trata de antissemitismo.
Schormann, germanista de profissão e gestora cultural, mudou-se para Kassel como diretora- geral da Documenta no segundo semestre de 2018.
Começo da polêmica
Logo após a abertura do evento, a embaixada israelense se pronunciou afirmando estar "repugnados pelos elementos antissemíticos exibidos publicamente na mostra Documenta 15".
Segundo a embaixada, partes do mural são "reminiscentes da propaganda usada por [ministro nazista da Propaganda Joseph] Goebbels e seus capangas durante tempos mais sombrios da história alemã".
"Todas as linhas vermelhas não foram apenas atravessadas, elas foram estraçalhadas", afirma em comunicado.
"A liberdade artística bate em seus limites", concordou a ministra alemã para Cultura e Mídia, Claudia Roth, instando o coletivo de curadores Ruangrupa – sediado em Jacarta e encarregado da organização da atual Documenta – a "encarar as consequências necessárias".
Na noite de 21 de junho, a obra foi desmontada, entre vaias, assobios e aplausos dos espectadores.
Segundo o coletivo ativista fundado em Java em 1968, responsável pela obra, o mural é "parte de uma campanha contra o militarismo e a violência que vivenciamos durante os 32 anos da ditadura militar de Suharto na Indonésia, e seu legado que continua a ter impacto hoje".
"Não há intenção de relacioná-lo, de forma alguma, com o antissemitismo. Estamos desolados que detalhes neste outdoor sejam compreendidos de modo diferente de seu propósito original. Pedimos desculpas pela mágoa causada neste contexto." A obra coberta se tornará "um monumento de luto pela impossibilidade de diálogo neste momento" e "este monumento, esperamos, será o ponto de partida de um novo diálogo".
Controvérsia com antecedentes
Não foi a primeira vez este ano que o evento esteve envolto em uma polêmica antissemita. Pela primeira vez desde que foi criada, em 1955, a Documenta está sob a curadoria de um coletivo, o Ruangrupa, que convidou artistas de todo o mundo, especialmente do Sul Global.
Entre eles está o coletivo palestino The Question of Funding, acusado em janeiro de ser antissemita, numa postagem de blog, pelo fato de seus artistas apoiarem o boicote cultural a Israel.
A acusação, feita por uma aliança contra o antissemitismo, foi rejeitada pelo Ruangrupa em carta aberta, em que apela pela liberdade artística. Ao mesmo tempo, o coletivo indonésio se pronunciou a favor da neutralidade política, declarando-se disposto a entabular um diálogo. Na época, tanto o conselho supervisor da Documenta quanto a ministra Roth respaldaram a equipe de curadores.
le (DPA, AFP, EFE, ots)