"Discussão sobre burca bloqueia a integração de imigrantes"
18 de agosto de 2016Quem observa o debate sobre como acolher e integrar os refugiados que vêm à Alemanha tem a impressão de que, nos últimos 12 meses, houve uma guinada de 180 graus: da "cultura das boas-vindas", receptiva e sem fronteiras, a uma política do rechaço, com crescentes restrições burocráticas e outros mecanismos de dissuasão.
Entre os capítulos mais recentes dessa tortuosa progressão constam tanto a discussão sobre uma proibição da burca, o véu islâmico feminino de corpo inteiro, quanto sobre o fim da possibilidade de os filhos de imigrantes terem dupla cidadania até se tornarem adultos.
O professor de sociologia Ludger Pries, da Universidade do Ruhr, em Bochum, é vice-presidente do Conselho de Peritos das Fundações Alemãs para Integração e Migração. Ele acaba de lançar o livro Migration und Ankommen (Migração e chegada), em que propõe alternativas para a problemática dos refugiados, defendendo a necessidade de os migrantes "chegarem" ao novo país antes de serem integrados.
A DW o entrevistou sobre os erros e perspectivas da atual abordagem do tema na política e na sociedade alemãs.
DW: Nos últimos tempos tem-se escrito muito sobre o tema integração. Que ponto de vista defende seu livro Migration und Ankommen?
Ludger Pries: No debate das últimas décadas sobre refugiados e migração consideramos de forma insuficiente um aspecto importante: que estão chegando aqui pessoas com suas próprias experiências biográficas e seu histórico cultural. Nós esperávamos que todos fossem se assimilar o mais rápido possível, sem quase nos interessarmos pela experiência de vida deles até então.
Essa é uma constante na história da imigração [na Alemanha], desde os desterrados e refugiados depois da Segunda Guerra Mundial até os gastarbeiter["trabalhadores convidados" do milagre econômico alemão das décadas de 1960 e 1970] e os spätaussiedler [alemães e seus descendentes antes residentes em Estados comunistas].
Como isso influencia a forma de lidar com os mais de 1 milhão de refugiados que agora chegaram à Alemanha?
Devemos proporcionar-lhes, no diálogo, uma chegada não só física, mas também pessoal, sociocultural. Nesse processo também podem contribuir, com suas vivências de chegar, muitos dos que já vivem aqui há muito tempo, ou há gerações. Assim, também este podem participar mais. Por exemplo, os de origem turca e os de fé muçulmana, ou a segunda geração dos spätaussiedler. A necessidade de mais diálogo e intercâmbio é grande.
Como isso pode se realizar, concretamente?
Muitos refugiados estão traumatizados, e é difícil iniciar uma conversa com eles. Organizando-se círculos de diálogo no nível do bairro ou do município é mais simples conseguir que falem. Também faz parte disso reuni-los com gente que teve experiências semelhantes de fuga ou de chegada.
O que acontece se isso der errado? No seu livro, o senhor fala do perigo de excessos de violência e de atentados terroristas.
Organizar a chegada é o meio mais sustentável para manter baixa essa probabilidade. A cultura das boas-vindas precisa possibilitar a chegada. E em seguida deve vir a integração, com chances de participação no mercado e aulas de língua alemã.
Os alemães estão preocupados que os atentados de fundo islâmico possam se repetir. Quão provável considera que isso seja?
A maioria dos refugiados que chegaram aqui no ano passado teve experiências traumáticas. Em certos indivíduos isso pode aumentar a probabilidade de se lançarem em atos de violência ou terrorismo. Mas essa probabilidade também se eleva entre os não refugiados com problemas psíquicos específicos, como sabemos dos diversos ataques e tiroteios a esmo em outros países.
Mais uma vez: a integração tem que passar pelo processo de chegar e pela aceitação. Se examinarmos todos os casos de ataques terroristas das últimas quatro semanas na Alemanha, vemos de forma bem clara que precisamente isso foi central para o fracasso pessoal dos agressores.
Nesse contexto, como avalia a atual discussão na Alemanha sobre uma possível proibição da burca e a reivindicação de se abolir a dupla cidadania?
Os políticos se encontram sob enorme pressão para fazer algo. Isso resulta muitas vezes em decisões que não contribuem para a meta final. É o que vejo na discussão sobre a proibição da burca e a questão da dupla cidadania. Esta última é essencial, pois muitos se sentem parte de vários círculos culturais.
Os autores dos atentados de Paris ou Bruxelas não tinham dupla cidadania, mas eles não haviam sido integrados e aceitos. Por isso, abolir a dupla cidadania não vai resolver os problemas que se apresentam. Talvez o debate do terceiro trimestre de 2015 sobre as boas-vindas tenha transcorrido de forma um tanto ingênua. Mas agora não podemos cair no extremo oposto, fazendo exigências que definitivamente não vão resolver os nossos problemas.
Como os refugiados que agora querem chegar à Alemanha percebem essa discussão?
É justamente essa a questão. Durante 30 anos nós afirmamos aos "trabalhadores convidados": "Na verdade, vocês só são hóspedes, e não precisamos de medidas de integração." Estaríamos emitindo agora os mesmos sinais equivocados, de outra forma, ao recusar a dupla cidadania.
No tocante à proibição da burca, consta que o exercício da religião tem um valor alto neste país. É preciso discutir com muito discernimento os limites para o porte de símbolos religiosos em público, em ações jurídicas no tribunal ou em escolas. Ver algum tipo de solução numa proibição generalizada da burca é totalmente equivocado.
Tais discussões bloqueiam a integração. No fim das contas, elas desviam do problema em si, ou seja, das tarefas de chegada e de integração que a sociedade como um todo tem que cumprir.
O senhor não teme uma recaída na discussão de décadas passadas, que já acreditávamos ter superado?
Temos que aceitar que cada geração necessita rediscutir a questão do que é próprio e do que é estrangeiro e decidi-la para si. Em relação à expulsão e fuga, a Alemanha tem um potencial próprio de vivência e aceitação, o qual pode ser mobilizado na troca de experiências de chegada.
Não devemos nos ver apenas como campeões mundiais da globalização econômica, mas também como o país que arca com a responsabilidade global, tendo como pano de fundo sua própria história. Não podemos pegar para nós só as pérolas da globalização e deixar o resto para as nações da África.