Ducha fria franco-alemã
18 de setembro de 2007Quando o ex-presidente francês, Jacques Chirac, se aproximava da chanceler federal alemã, Angela Merkel, ela parecia tocada pelo estilo galanteador e pelo beija-mão à moda antiga, tão assiduamente registrados pela mídia.
O hábito de seu sucessor no cargo de cumprimentar a chefe de governo alemã com beijinhos no rosto parece, no entanto, deixá-la apenas irritada. O que não tem contribuído nem um pouco para as relações bilaterais franco-alemãs, tão primordiais para o bom funcionamento da máquina da União Européia.
A questão não é, obviamente, a forma de distribuir beijos de um ou de outro – um problema que poderia ser facilmente solucionado através da intervenção dos responsáveis pelo protocolo oficial. As diferenças entre Nicolas Sarkozy e Angela Merkel são tanto de estilo como de substância, o que as torna difíceis de superar.
Na última semana, um porta-voz do governo francês afirmou que Sarkozy teria descrito suas últimas conversas com Merkel como "muito francas" – termo diplomático para "acaloradas". O comentário se seguiu a uma série de discussões, incluindo divergências acerca da independência do Banco Central Europeu, o futuro da energia nuclear, os cochichos protecionistas de Sarkozy, e até o fato de ele ter injustamente angariado para si o mérito pela libertação dos médicos búlgaros detidos na Líbia.
Crise profunda?
De acordo com analistas, tanto da França quanto na Alemanha, Merkel não está achando graça. O jornal francês Le Figaro afirmou que a chanceler federal alemã ficou irritada com a maneira "rude e direta" de Sarkozy. O diário alemão Rheinische Post observou que as relações franco-alemãs encontram-se "numa profunda crise".
"Há uma irritação real, mas eu não usaria a palavra crise", diz Henrik Uterwedde, diretor-executivo do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg, no sudeste alemão. "Mas não são bagatelas, e o alarme deveria soar", completa o especialista.
Água e vinho
Quando Sarkozy assumiu a presidência em maio último, pensou-se que ele e Merkel formariam um par perfeito. Afinal, ambos vêm da ala política mais à direita, têm interesse numa reforma econômica e querem impulsionar mudanças na UE. Além disso, uma diferença de idade de apenas seis meses os separa. No entanto, olhando de perto, fica claro que seus estilos não poderiam ser mais distintos.
Angela Merkel, filha de um pastor luterano e vinda da ex-Alemanha Oriental, é cautelosa e reservada. Cultiva um estilo "pé no chão" e dispensa toda pompa. Mesmo assim, tem tido sucesso em comunicar seu posicionamento de forma discreta, porém eficiente – mesmo a outros chefes de governo, em assuntos controversos, como, por exemplo a questão dos direitos humanos na China ou na Rússia. Ela é uma team player por excelência.
Nicolas Sarkozy, por sua vez, é quase o oposto. Impertinente e em constante movimento, já foi várias vezes taxado de hiperativo. Não foram poucas as comparações com Napoleão Bonaparte, no que se refere ao pouco apreço pelos membros do próprio gabinete, e seu amor aparente pelo estrelismo e pelas luzes da ribalta. "O sistema de governo da França é muito mais hierárquico que o da Alemanha. E sob Sarkozy, é pior ainda", observa Uterwedde.
L'état, c'est moi?
Analistas acreditam que a situação franco-alemã ainda não chegou ao ponto de ruptura, mas que se Sarkozy não controlar seu estilo, passando a se comportar como um membro da equipe da UE, vai acabar desagradando a bem mais gente do que apenas a Angela Merkel.
"Sarkozy tem que aprender que a França não está jogando sozinha, mas que é parte de um time chamado Europa", diz Isabelle Bourgeois, pesquisadora do instituto CIRAC, um think tank sediado em Paris e voltado para estudos franco-germânicos.
A relação entre os chefes de governo dos dois países não vão bem, observa Bourgeois, embora ressalvando que, do ponto de vista econômico, os dois países nunca estiveram tão integrados. Até agora, as irritações entre Merkel e Sarkozy têm pouco dano colateral às relações bilaterais.
Outros setores-chave, porém, como as reformas dos mercados europeus, a Constituição do bloco e o euro requerem uma cooperação estreita entre os dois países. O fato de, no momento, os dois dirigentes não se sentirem bem na mesma sala pode vir a dificultar o progresso da Europa nessas frentes.
Irritação geral
Somente no último fim de semana, as divergências sobre a política econômica entre Sarkozy e outros líderes europeus se tornaram claras. O presidente do Banco Central alemão, Axel Weber, definiu como "zero" a compreensão de Sarkozy das realidades econômicas da UE, enquanto o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, sugeriu que o presidente francês se concentrasse nas vicissitudes da economia francesa, em vez de criticar a forma como o banco administra do euro.
"No palco da UE, pode-se desculpar uma vez seu estrelismo, mas se ele continuar neste papel, certamente vai ter problemas", acredita Uterwedde. Segundo o especialista, os recentes choques entre Sarkozy e outros líderes europeus são uma combinação entre o desejo de contabilizar pontos políticos em casa e a sua própria personalidade. "Acho que o maior perigo para Sarkozy é ele mesmo", conclui Uterwedde.