Nascida em Campina Grande, na Paraíba, em 15 de março de 1983, sou a terceira de uma prole de dez filhos, oriundos de uma realidade socioeconômica pobre. Meus pais, Ivan Rosas (pedreiro) e Maria do Carmo Silva (empregada doméstica), tiveram de abdicar da educação formal, optando pelo trabalho precoce.
Cresci num ambiente com pouco letramento; não havia livros e a leitura não era parte da rotina familiar. Foi na escola a minha primeira experiência com a leitura e os livros. A realidade de enfrentar tais dificuldades desde cedo moldou minha determinação em superar as limitações impostas pela falta de oportunidades na educação.
Quando pequena, vivi em um bairro carente, desprovido de saneamento básico e eletricidade, enfrentando diariamente as dificuldades de uma infraestrutura precária. As ruas poeirentas eram testemunhas das lutas diárias de nossa comunidade, enquanto a ausência de serviços básicos nos impunha desafios constantes.
Nos anos 90, por falta de moradia, morei no maior lixão a céu aberto da cidade de Campina Grande, sob a lona preta, o sol forte e o mau cheiro. Durante anos, catei osso no lixo para vender e comprar comida. Além do lixão, trabalhei em olaria, no roçado, em abatedouro, dentre outras atividades em busca de sustento. Embora estivesse vivendo em situação de vulnerabilidade social, encontrei na escola um lugar de pouso, de segurança e de futuro.
Sonho da infância
Foi na escola Municipal Luiz Cambeba que me encantei pela docência, inspirada por minha primeira professora, Rosa. Eu vinha do lixão, e aquele mau cheiro do aterro estava impregnado em mim. Eram horas e horas mergulhada nos resíduos, catando comida, brinquedos, roupas e utensílios para casa. Ao chegar à escola, a professora me abraçava na porta, e seu perfume impregnava minha roupa. Foi nesse momento que surgiu a certeza em mim: "Eu quero ser professora para ter esse cheiro de perfume". Assim, desde os primeiros anos da minha infância eu cultivava o sonho de seguir a carreira docente.
Apesar da origem humilde e das adversidades, consegui concluir o ensino fundamental, sendo que boa parte desse período foi vivido dentro do lixão. Após essa fase, deixei o lixão para trás e passei a residir na casa de parentes, e posteriormente, em uma moradia construída em uma "invasão" – uma ocupação informal situada em um bairro periférico da cidade de Campina Grande.
Nos anos 2000, cursei o Magistério e logo em seguida o Curso de Letras na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Na época fiz concurso público para docente numa cidade do interior. Dei sequência aos meus estudos e cursei o mestrado na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e, subsequentemente, o doutorado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Sempre tentei conciliar os estudos com o trabalho docente.
Após concluir o doutorado em 2017, me dediquei unicamente à educação básica. Na sala de aula, encontrei um ambiente desafiador nas turmas finais do ensino fundamental na zona rural. Foi aí que decidi romper com métodos tradicionais, criando a Revista Tertúlia e o Projeto de Leitura Desengaveta Meu Texto. Estes projetos, ao longo de sete anos, impactaram cerca de 4 mil estudantes em seis escolas públicas da Paraíba, recebendo prêmios e reconhecimentos nacionais. Os projetos educacionais ganharam impulso e se transformaram no Instituto de Leitura e Escrita Desengavetar, uma entidade sem fins lucrativos dedicada a beneficiar crianças e jovens, promovendo a leitura e a escrita.
Uma jornada difícil
Minha jornada foi fácil? Não! Ponderei muitas vezes abandonar a docência por falta de reconhecimento e apoio dos colegas de trabalho, dos gestores e do sistema educacional engessado.
Eu pensava:
- Para que continuar esse trabalho se eu não recebo apoio nem reconhecimento da escola?
- Para que me doar tanto para um sistema engessado que espera de mim apenas a reprodução de uma cartilha pronta?
- Para que ensinar a alunos que não querem nada?
- Para que lecionar numa escola tão violenta e insegura?
No entanto, o incentivo da amiga Denise Lino, professora da UFCG, foi um ponto de virada. Suas palavras, comparando os projetos educacionais criados por mim a um filho que não se abandona, reavivaram meu compromisso e me fizeram enxergar meu trabalho sob uma nova perspectiva.
Assim, apesar das dificuldades, eu segui em frente e vi a Revista Tertúlia e o Projeto de Leitura Desengaveta Meu Texto conquistarem prêmios nacionais e reconhecimentos importantes, como três indicações ao Prêmio Jabuti, o prêmio Os melhores programas de Incentivo à Leitura junto a crianças e jovens do Brasil, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), o Prêmio LED – Luz na Educação da Rede Globo e Fundação Roberto Marinho –, dentre outros que fortaleceram minha convicção na transformação educacional.
O apoio de instituições renomadas, como a FNLIJ, a Fundação Carlos Chagas (FCC) e SENAI, validaram a relevância dos projetos em prol da educação pública na Paraíba.
Depois de 21 anos de contribuição na educação básica, o ano de 2024 marcou uma transição significativa em minha carreira. A posse como professora efetiva na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), no Departamento de Educação (CE), representa não apenas o reconhecimento do meu percurso, mas a oportunidade de contribuir para a formação de novos educadores.
Estou ansiosa para fazer parte dessa jornada incrível no ensino superior e contribuir para um amanhã cheio de esperança e realizações junto aos discentes.
Minha história é um lembrete de que, independentemente das origens humildes e das adversidades, a educação pode ser um catalisador poderoso para a mudança. Ao compartilhar minha história, desejo inspirar outros profissionais da educação a perseverarem diante das adversidades, rejeitando a resignação diante dos desafios. A mensagem é clara: levante-se e mostre seu potencial, mesmo quando alguém duvidar.
Preparados? Então vamos juntos levantar-nos e inspirar uma nova geração de educadores, sonhadores e construtores de um futuro educacional mais brilhante.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto, escrito por Patrícia Rosas, da Paraíba, e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.