História
16 de outubro de 2008Mesmo sem ter ocupado nenhum cargo público nos últimos 30 anos, o ex-conselheiro nacional de segurança e ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger continua sendo um homem muito próximo do poder. Hoje, aos 85 anos, é um dos principais conselheiros do presidente George W. Bush.
O canal de TV franco-alemão ARTE exibiu na última quarta-feira (15/10), dentro de uma série de documentários sobre os EUA em época de eleição, o longa-metragem Henry Kissinger – Segredos de uma Superpotência, do diretor alemão Stefan Lamby. Nos 90 minutos de filme, o "protagonista" Kissinger engasga duas vezes, tentando mudar de assunto.
Uma delas é quando o diretor fala de seus lendários casos com diversas mulheres. A outra é quando o assunto é o golpe militar no Chile e a participação dos EUA, ou melhor, a intervenção direta de Kissinger para que Salvador Allende fosse afastado do poder em 1973. "Se estivéssemos num estúdio de TV, Kissinger teria provavelmente levantado e ido embora, mas estávamos na casa dele em Nova York. Então ficou difícil", diz Lamby.
Silêncio que diz muito
Festejado por alguns como um verdadeiro popstar da política e acusado por outros de crimes de guerra, Kissinger evita, no filme, qualquer declaração comprometedora em relação à guerra do Vietnã ou à intervenção dos EUA no golpe militar no Chile.
À emissora Deutschlandradio, o diretor Lamby diz que o silêncio de Kissinger diz mais que qualquer coisa. Embora ele tenha cortado o assunto sobre o Chile, os signos "não-verbais" deixam entrever o que o ex-secretário de Estado omite. "Esses três ou quatro segundos depois do momento em que ele diz que não quer falar mais no assunto dizem muito mais sobre o que está por trás. A atmosfera, depois disso, ficou gélida", comenta Lamby.
"É claro que ele tinha, antes da entrevista, um plano claro sobre o que iria confessar e o que não", diz o diretor. A interrupção da conversa, no entanto, prova que ainda há muito a ser descoberto pelos historiadores do futuro.
"Allende a serviço da KGB"
Lamby, que já havia tentado desde 2000 rodar um documentário sobre Kissinger, só conseguiu em 2005 uma resposta positiva para agendar um encontro pessoal. Depois disso, ganhou a confiança da "eminência parda" dos bastidores políticos norte-americanos e recebeu o convite para passar dois dias na "casa de hóspedes" de Kissinger em Nova York.
Mesmo sem a confissão pessoal do ex-secretário de Estado, o diretor consegue, através de depoimentos de seus assessores de então, desvendar as interferências dos EUA na América Latina na década de 1970.
Alexander Haig, por exemplo, que foi chefe de gabinete do governo Richard Nixon (1969-1974) e mais tarde secretário-geral da Otan e secretário de Estado do governo Ronald Reagan (1981- 1989), afirma com veemência no documentário que "Allende trabalhava para a KGB [serviço de inteligência soviética] e estava sendo pago por eles".
"Impedindo a ascensão dos comunistas no Brasil"
Para evitar a ascensão de Allende à presidência em 1970 e depois para desestabilizar seu governo, os EUA organizaram, lembra Haig, "uma série de ações encobertas através da CIA, semelhantes a outras anteriores na América Latina, que haviam levado a muito bons resultados, inclusive em administrações anteriores, evitando, por exemplo, a ascensão dos comunistas no Brasil e na Guatemala. Foi esse tipo de atividades que levou a CIA a se posicionar contra Allende", conta Haig no documentário.
Brent Sowcroft, outro assessor de Kissinger entre 1969 e 1975, confirma as ações de desestabilização. "Apoiamos com dinheiro as pessoas que protestavam, a fim de complicar a situação de Allende. As ações encobertas sempre foram parte da política dos EUA".
O próprio Kissinger, no documentário, quando aceita falar no assunto, dá respostas evasivas ao entrevistador, omitindo-se de qualquer responsabilidade no golpe militar. "Nixon dava ordens diretas aos serviços de inteligência e eu, obviamente, não me opunha", diz. Segundo ele, Nixon queria evitar que Allende "se transformasse num segundo Fidel Castro".
"Condições favoráveis"
Uma das provas da participação de Kissinger e Nixon na derrubada de Allende, levada à tela por Lamby, é a transcrição oficial de uma conversa telefônica entre Nixon e Kissinger cinco dias depois do golpe militar que levou o general Augusto Pinochet ao poder. Nesta conversa, Kissinger diz claramente que os EUA não "agiram diretamente, mas ajudaram a criar condições favoráveis" para o golpe.
"O que importa para Kissinger é apenas o resultado. Ele demonstra apenas um interesse mínimo por questões de direitos humanos. Isso fica claro no filme de Lamby", comenta o diário berlinense taz. Os 90 minutos porém, não são suficientes para desvendar a trajetória do ex-secretário de Estado. "Este homem, que em 1973 recebeu, numa das decisões mais errôneas possíveis, o Prêmio Nobel da Paz, ainda guarda muitos segredos", conclui o jornal alemão.