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Editoras preparam relançamento do livro de Hitler no Brasil

Renata Malkes, do Rio13 de janeiro de 2016

Após cair em domínio público e, cercado de polêmica, voltar a ser publicado na Alemanha, "Minha luta" deve ganhar pelo menos duas novas edições brasileiras. Comunidade judaica já promete acionar a Justiça.

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Foto: picture-alliance/dpa/D. Karmann

Antes mesmo de voltar às prateleiras na Alemanha, após mais de sete décadas, o livro Minha luta (Mein Kampf) já se esgotou. A edição comentada do manifesto escrito por Adolf Hitler foi recebida com polêmica – sobretudo num momento em que o país é confrontado pelo fortalecimento de grupos conservadores, em meio à maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial.

Ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, a controvérsia ameaça se repetir: pelo menos duas editoras brasileiras já preparam edições da obra, que deve chega às lojas ainda em janeiro, causando desconforto e controvérsias. Enquanto muitos defendem uma leitura contextualizada e até obrigatória, há quem se oponha ferozmente à publicação de teor racista. A comunidade judaica já planeja recorrer à Justiça para embargá-la.

Cópias do livro sempre puderam ser encontradas, em sebos e, nas últimas décadas, na internet. Os direitos de publicação pertenciam ao governo da Baviera, que impedia novas edições. Ao fim de 2015, porém, quando se completaram 70 anos do suicídio de Hitler, a obra caiu em domínio público.

E editoras brasileiras, como a paulista Edipro, decidiram rapidamente preparar novas versões. Segundo o gerente editorial da Edipro, Jair Vieira, o livro será lançado no fim de janeiro, na íntegra. Trata-se de uma versão antiga, sem comentários, com tradução de Julio de Matos Ibiapina, apenas revisada e atualizada. A tiragem inicial será de mil exemplares.

"Haverá um breve comentário sobre a obra. Realmente é um livro polêmico. Mas também é uma obra que interferiu sobremaneira na história recente. A razão de editá-la é porque interessa principalmente aos estudiosos da história, política e até da alma humana. Nossa intenção é que ela sirva de advertência e seja capaz de colaborar para a formação de cidadãos conscientes das gravíssimas consequências que podem ser produzidas por alguém imbuído de grande poder de manipulação", argumenta Vieira.

Buchcover Hitler, Mein Kampf. Eine kritische Edition
A nova edição de "Minha luta", em dois tomos, publicada com comentários na AlemanhaFoto: Institut für Zeitgeschichte

"Não podemos ficar calados"

O livro é dividido em duas partes. Na primeira, Hitler faz sua autobiografia, contando a trajetória rumo ao poder. Na segunda, descreve a doutrina que daria origem ao regime nazista. Segundo Paulo Maltz, presidente da Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj) e vice-presidente da Confederação Israelita Brasileira (Conib), advogados estão sendo acionados para verificar formas de impedir que o manifesto seja distribuído em território nacional.

"Não podemos ficar calados. O lugar onde este livro deveria estar é o lixo, de onde não deveria sair. Comentários críticos sobre o livro deveriam ter sido feitos em 1925, quando foi escrito. Agora, isso não tem sentido. Existe no Brasil legislação que veda a divulgação de temas racistas e antissemitas. Estamos estudando maneiras de garantir isso", disse Maltz.

Mesmo entre a comunidade judaica, o tema divide opiniões. Cônsul honorário de Israel no Rio, Osias Wurman admite que, apesar do teor condenável, a obra tem importância didática e deve ser amplamente conhecida – desde que devidamente contextualizada.

"Sou contra a venda dos originais. É uma obra maquiavélica de uma mente doentia, louca, fratricida. Mas, por incrível que pareça, sou absolutamente a favor de uma edição comentada, didática, capaz de acabar com a ignorância mundial sobre os males do nazismo para os judeus, o mundo e os próprios alemães. Até os anos 1930, a Alemanha era para o mundo o que os Estados Unidos são hoje, um centro de pesquisa, cultura e inteligência. Como um povo de tão alto nível pôde ser levado à tamanha loucura?", pondera Wurman.

Comentários não faltarão à versão preparada pela Geração Editorial. Ao contrário da Edipro, a editora encomendou uma nova tradução, que chegará às lojas em março com mil páginas –contra as cerca de 650 do manifesto original. Ainda em fase de diagramação, Minha luta terá 305 notas de uma edição americana de 1939, mais algumas notas da própria editora, além de textos de dois pesquisadores.

Na contracapa, o publisher da Geração, Luiz Fernando Emediato, adianta: a obra contém "ideias racistas, violentas e abomináveis, mas é ridículo mantê-las interditadas. Não é possível entender a mente de Hitler sem ler seus textos". A tiragem inicial será de cinco mil exemplares.

"O melhor livro contra o nazismo é o próprio Mein Kampf. Você pode lê-lo em edições clandestinas em vários idiomas, inclusive o hebraico. Há edições em português que podem ser baixadas gratuitamente da internet, sem qualquer crítica e comentário. Os que se opõem às ideias racistas de Hitler deveriam aplaudir nossa edição, jamais criticar. O ridículo e venenoso texto de Hitler, em nossa edição, já vem com o antídoto", afirma.

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Propaganda do livro de Hitler durante o nazismo: relançamento divide opiniões mesmo na comunidade judaicaFoto: picture alliance/Mary Evans Picture Library

Riscos num país polarizado

A discussão em torno da validade do texto do ditador se arrasta. Evoca dúvidas sobre os limites da liberdade de expressão e da censura. E desperta dúvidas quanto a seu impacto no Brasil de hoje, cujo cenário político polarizado vem fortalecendo discursos de ódio e intolerância nas redes sociais e até nas ruas. Mas Emediato não vê riscos

"A nova direita brasileira é deploravelmente estúpida, grotesca e iletrada. Não leem nada. Nosso país intelectualmente subdesenvolvido tem uma esquerda radical iletrada que não lê Marx e uma direita estúpida que não lê os filósofos e economistas conservadores. Eles não chegarão perto de Mein Kampf. Acho que nossa edição será mais para estudiosos de História e curiosos", diz ele à DW Brasil.

Pelo Facebook, leitores potenciais comemoram a chegada da obra. E jovens escritores também se dividem. Santiago Nazarian, autor de Biofobia, entre outros, conta que não publicaria o manifesto nazista se tivesse de tomar essa decisão. Com uma ressalva:

"Eu acho que não é possível combater ideias escondendo-as. A publicação é importante para manter a discussão. Claro que o melhor era o livro nem existir e, se eu fosse editor, não iria querer publicar algo assim. Mas já que existe, melhor que seja feito da maneira correta, aberta, não deixar que circule apenas no submundo nazista", avalia.

De outro lado está o romancista Ricardo Lísias. Autor de O livro dos mandarins e Divórcio, entre outros, ele diz ser contra qualquer tipo de censura, mas não esconde o incômodo pelo caráter comercial da edição. Para ele, a melhor maneira de reeditar a obra de Hitler seria como na Alemanha – através de um uma fundação de pesquisa séria, com notas de apoio fundamentadas, como fez o Instituto de História Contemporânea (IfZ, na sigla em alemão) de Munique.

"Ele não pode ser encarado como um livro qualquer, normal. Acho estranho que uma editora comercial vá ter lucro com as ideias de Hitler, com uma obra escrita por uma das cinco piores pessoas que a Humanidade já produziu. Mesmo que se publique para dizer que o teor é péssimo, há quem vá ganhar dinheiro dizendo que é péssimo. Vai haver divulgação? Como alguém pode ir à livraria e escolher entre Harry Potter, Cinquenta tons de cinza e Mein Kampf?", indaga Lísias.