Eleição deve selar volta da extrema direita na Espanha
24 de abril de 2019Sorridentes e descontraídos, os dois estão lado a lado: um com um charuto na boca e calça jeans, o outro com uma roupa de toureiro e exibindo costeletas de Elvis. Santiago Abascal, chefe do partido de extrema direita Vox, nunca perde a oportunidade de aparecer junto de seu toureiro favorito, Morante de la Puebla.
O político é um fã confesso de touradas - em suas palavras, "uma forma de arte intimamente ligada à identidade espanhola".
Para as eleições nacionais de 28 de abril, Abascal elogia não apenas as touradas, mas também outros costumes tradicionais espanhóis, como o flamenco e a caça. Estes são alguns dos assuntos favoritos de seu recém-fundado partido, o Vox, que preocupa cada vez mais a cena política.
Abascal, de 43 anos, sabe que muita coisa está em jogo na votação. Pela primeira vez desde o fim da ditadura de Francisco Franco em 1975, um partido da extrema direita pode entrar no Parlamento de Madri. E se as pesquisas de opinião estiverem corretas, ele terá um apoio de dois dígitos logo de chegada.
Isso já aconteceu na eleição regional de Andaluzia em dezembro passado, quando o Vox ganhou 11% dos votos. Agora, a sigla fundada em 2013 compartilha o poder na região, tendo sido levada a uma coalizão com o conservador Partido do Povo (PP) e os liberais do Cidadãos. Isso pôs fim ao poder socialista na região, que já durava de 36 anos.
Faz algum tempo que a questão da "tauromaquia" - a arte da tourada - aparece na campanha eleitoral nacional. O toureiro Serafin Marin chegou a ser candidato em Barcelona, cidade que se declarou antitourada em 2004.
O Vox, agora, reivindica em alto e bom som tal herança cultural e outros valores tradicionais - acima de tudo pela unidade do país - sem espaço para movimentos de autonomia.
"Autonomia é o câncer da Espanha", disse Abascal a centenas de apoiadores durante uma recente campanha no subúrbio de Leganes em Madri, apelando àqueles que estão fartos do separatismo catalão.
O item número um do programa de 100 pontos do Vox é a "abolição da autonomia catalã até a completa derrota da incitação ao golpe".
Outra promessa de campanha é a expulsão sumária de imigrantes ilegais, bem como a construção de um "muro intransponível" para substituir a atual cerca de seis metros de altura na fronteira entre Marrocos e os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla, no norte da África.
Tais sentimentos ecoam a promessa de campanha do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de construir um muro na fronteira com o México, embora Abascal enfatize em entrevistas a jornais que seu partido não se sente ligado nem a ele, nem a Marine le Pen, da extrema direita francesa.
"No Vox, tudo gira em torno dos interesses espanhóis", disse ele ao jornal La Razón no final de 2018. Mas acrescentou que seu partido tem mais em comum com esses políticos do que com a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel, "que está destruindo a Europa ao abrir as portas para a imigração maciça e através da destruição da soberania dos Estados nacionais".
A questão que muitas pessoas estão perguntando na Espanha é se o Vox ainda é um partido apenas de direita ou de extrema direita. Mesmo conservadores como o principal candidato do PP, Pablo Casado, que não descarta uma possível coalizão com o novo partido, admitiu recentemente que não saberia responder à pergunta.
Há dias em que ele se pergunta: "Meu Deus, até onde eles ainda irão?" Ele aponta como "absurda" a proposta de Abascal de que todas as famílias espanholas possam se defender com armas de fogo.
Fernando del Rey, historiador da Universidade Complutense de Madri, ressalta em entrevistas que enxerga o Vox, assim como muitos de seus colegas, como pertencente à "direita radical", mas que o partido - pelo menos por enquanto - tem aderido às regras democráticas.
Mas muitos espanhóis veem as coisas de maneira diferente. Em uma pesquisa do jornal digital conservador El Español e do instituto de pesquisas Sociometrica, cerca de metade das 1.800 pessoas entrevistadas considera o Vox como uma "ameaça à democracia espanhola".
Muitos dos ainda inúmeros apoiadores da ditadura de Franco, que durante muito tempo não tiveram respaldo político na Espanha, são vistos como eleitores certos do Vox.
No último dia 20 de novembro, o 43º aniversário da morte de Franco foi lembrado em missas católicas realizadas em toda a Espanha. Na frente de uma igreja, na elegante avenida madrilenha Calle Serrano, muitas pessoas brandiram os braços direitos bravamente em saudações nazistas e cantaram hinos elogiando o regime franquista. Houve gritos de "Viva Franco, Viva Espana" e até "Viva Hitler".
Isso tudo vai ao encontro da imagem que o Vox apresentou com seus candidatos - uma série de generais aposentados que louvam a ditadura.
O jornal El País observa que o nacionalismo católico esteve escondido por décadas na Espanha: estava presente, mas não se mostrava. Seus traços fundamentais, diz o diário, eram tabu. Mas isso não é mais o caso.
IP/dpa
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