Eleições parlamentares são última esperança para oposição no Egito
27 de dezembro de 2012"A situação nas ruas é tranquila. Mas, sob a superfície, a coisa está fervendo." É assim que o jornalista Ahmed Esmat descreve a aparente tranquilidade do povo egípcio. Ele acredita que logo voltarão a ser realizadas grandes manifestações no país. "Tudo depende das decisões da Shura", avalia Esmat, em entrevista à Deutsche Welle.
A Shura é a câmara alta do Parlamento egípcio. Dois terços dos seus 270 membros são eleitos. Os demais foram nomeados pelo presidente egípcio, Mohammed Morsi. A câmara alta, dominada por políticos islâmicos, vai legislar sozinha até a eleição de uma nova câmara baixa, a ser realizada em cerca de dois meses, como definido na nova Constituição.
Segundo dados oficiais, quase 64% dos eleitores votaram a favor da Constituição no recente referendo. O índice de comparecimento às urnas, entretanto, foi de apenas 33%.
Com a nova situação, Morsi voltou a perder poder, ao menos oficialmente. Após a dissolução da câmara baixa do Parlamento, em junho, através de uma decisão judicial, ele havia assumido poderes legislativos, que agora passam à Shura. Mas o jornalista Esmat diz ter certeza de que o órgão, dominado por islamistas e integrantes da Irmandade Muçulmana, manterá a linha adotada por Morsi.
Leis poderão restringir liberdades
As mesmas preocupações são compartilhadas pelo jurista egípcio Yasser Abdelrehim, pesquisador da Universidade de Erfurt, na Alemanha. Ele diz que a Shura vai tentar aprovar novas leis "com o objetivo de lançar as bases de um Estado islâmico", como disposições que restringem a liberdade de expressão ou o direito de reunião.
Abdelrehim destaca, no entanto, que tais leis terão que passar posteriormente pela câmara baixa do Parlamento. Caso as duas câmaras não entrem em acordo, os projetos de lei irão para uma comissão de conciliação, onde a câmara baixa poderá rejeitar parágrafos, ainda que somente por uma maioria de dois terços. "Por isso, a oposição se concentra nas eleições, na esperança de obter essa maioria", afirma Abdelrehim.
Sem essa maioria, a oposição não terá meios legais para agir contra leis particularmente controversas. Muitos egípcios se preocupam com o fato de a nova Constituição fazer referências, em muitas partes, à sharia, a lei islâmica, além de dar margem a diversas interpretações. A nova Constituição faz referência a fontes conhecidas da sharia, ressalta o acadêmico, mas também a "outras fontes".
Essa formulação vaga o preocupa, assim como o fato de a igualdade entre homens e mulheres não ser mencionada explicitamente. E a Constituição garante o livre exercício da religião apenas a seguidores de religiões abraâmicas, ou seja, cristãos, judeus e muçulmanos. "Essa visão sobre os direitos humanos e da liberdade religiosa não se encaixa na visão internacional sobre os direitos humanos."
Situação econômica perigosa
Mas se a oposição fracassar e a Irmandade Muçulmana e os salafistas obtiverem a maioria também na câmara baixa do Parlamento, eles vão poder fazer o que quiserem, opina Esmat. "A única alternativa será sair às ruas."
Embora até não haja protestos planejados, Esmat acredita que haverá grandes manifestações em 25 de janeiro, data do aniversário dos protestos em 2011, que levaram à renúncia do então presidente Hosni Mubarak.
Esmat e Abdelrehim têm, entretanto, esperanças que a Shura se concentre na legislação econômica, deixando de lado as reformas políticas e sociais. "A situação econômica está muito perigosa", observa Abdelrehim. Esmat acrescenta que o deficit orçamentário vem crescendo cada vez mais e que muitos egípcios já estão comprando dólares para tentar escapar da crise.
Recentemente, a agência de classificação de risco Standard & Poor's rebaixou a nota dos títulos do Egito. Além disso, o turismo, importante fonte de renda do país, diminuiu drasticamente. "Mas faltam especialistas em economia dentro da Shura", ressalta Esmat. Por isso, ele diz ter poucas esperaças de que a Irmandade Muçulmana e seus aliados na Shura realmente se concentrem em criar leis de estímulo à economia.
O ministro alemão do Exterior, Guido Westerwelle, apelou para que os egípcios busquem entrar num acordo político. "Todos são convocados a se dedicar a um novo Egito, no espírito do equilíbrio, da inclusão e da tolerância", declarou em Berlim. Esmat e Abdelrehim, no entanto, não têm muita esperança de que isso aconteça.
Autora: Naomi Conrad (md)
Revisão: Alexandre Schossler