Em entrevista, Merkel evita tema espionagem e é criticada pela oposição
19 de julho de 2013"Oito!", murmura um jornalista, após a chanceler federal alemã, Angela Merkel, ter reiterado, mais uma vez, que, para ela "em solo alemão, vale a lei alemã". "Nove!", corrige seu colega. No final, Merkel citou, nesta sexta-feira (19/07), dez vezes a mesma frase em suas respostas às perguntas sobre a abrangência na Alemanha do esquema de espionagem dos EUA revelado por Edward Snowden.
Logo no começo da entrevista coletiva concedida em Berlim, ela já deixou claro que não pretendia dizer nada de novo com relação a esse assunto: "Quem veio aqui hoje com a esperança de que vim apresentar resultados de um trabalho de investigação, veio com uma falsa expectativa."
Sempre pouco antes de suas férias de verão, Angela Merkel oferece uma coletiva à imprensa da capital alemã. Nelas, a chefe de governo, avessa a entrevistas, aproveita para dar uma prova de bom humor e espirituosidade – qualidades com as quais raramente é associada, mas que conseguiu demonstrar nos anos anteriores. Já para os jornalistas, essa é uma das poucas ocasiões em que têm oportunidade de tentar botar a chanceler "contra a parede". Ela, que tem conseguido atravessar ilesa seguidos escândalos e crises.
Nesta sexta-feira, Merkel insistiu em repetir aquilo que ela mesma ou outros integrantes do governo já haviam afirmado. A chanceler alemã disse que lutará por uma legislação mais rigorosa de proteção de dados na Europa e por um acordo internacional sobre proteção de dados. Ela afirmou, ainda, que o Ministério do Exterior alemão está em conversações sobre a suspensão de um antigo acordo, o qual permite aos EUA realizar ações de espionagem na Alemanha, mas, que, segundo o governo alemão, não é aplicado na prática desde a Reunificação.
Berlim prefere esperar
Questionada se Washington já assegurou a Berlim que os americanos "respeitam o direito alemão, em solo alemão" a chanceler desconversou. Ela assegurou que os Estados Unidos receberam do governo alemão um "questionário detalhado" com perguntas sobre o escândalo de espionagem. No mais, disse que ainda espera as respostas. "Só o que posso fazer é tomar conhecimento de que nossos parceiros americanos precisam de tempo", acrescentou, deixando no ar uma certa impressão de impotência.
Outra formulação evasiva serviu para responder a uma pergunta sobre se NSA (Agência de Segurança Nacional) planeja construir uma nova base na cidade de Wiesbaden, conforme noticiara a imprensa alemã, e quais perigos que isso implicaria. "Isso tem que ser esclarecido em detalhes", desconversou.
Durante a uma hora e meia de duração da entrevista, Merkel permaneceu na defensiva, evitou qualquer resposta que possa comprometer sua relação com Washington e ressaltou que os alemães não devem esquecer jamais o quanto devem ser "eternamente gratos aos EUA" pela libertação do país do nazismo, durante a Segunda Guerra e pelo apoio prestado no período posterior.
Os jornalistas também tiveram pouco sucesso em levá-la a declarações de campanha no que, provavelmente, é sua última apresentação diante da imprensa antes das eleições parlamentares de setembro. Sua reeleição, entretanto, é considerada praticamente certa, a se julgar pelas sondagens mais recentes. "Campanha eleitoral não é algo em que os políticos escolhem os temas que gostariam de abordar. Uma campanha eleitoral se dá a partir de temas que preocupam a população", se esquivou Merkel, mais uma vez, após lhe perguntarem quais assuntos vão estar em pauta nas próximas eleições alemãs.
Sem perdão para Grécia
Mas quando se falou em crise do euro, Merkel se tornou mais concreta. O tema acompanha durante toda sua atual gestão e, nele, ela tem uma posição clara, mesmo que reconheça já ter tido que abrir mão de algumas opiniões que antes considerava inegociáveis.
A chanceler alemã disse ver "progressos satisfatórios" na superação da crise, lembrou que os déficits dos Estados europeus diminuíram e que a capacidade de concorrência aumentou. Ela elogiou os progressos conseguidos pela Irlanda e a Grécia. Entretanto, reiterou sua rejeição a um novo perdão parcial para a dívida grega, argumentando que isso poderia levar outros países a exigirem o perdão de suas dívidas: "Isso destruiria todo o nosso trabalho até agora."
A oposição criticou duramente as declarações de Merkel. O candidado a chanceler dos social-democratas, Peer Steinbrück, pediu mais dureza do governo na cobrança de esclarecimentos em relação ao sistema de espionagem americano Prism.
O principal rival de Merkel nas próximas eleições classificou a atuação da chanceler como "um show assustador de alienação e desamparo". "Merkel promete explicações há seis semanas, sem mexer uma palha", reclamou Volker Beck, um dos líderes da bancada dos Verdes no Parlamento alemão. Ele considerou as explicações da chefe de governo "um insulto a todos os que aguardavam esclarecimentos".