Vigilância das alturas
1 de agosto de 2009São 298 degraus até o topo: muitos são curvos, outros apenas desgastados na parte do meio, formando um percurso perigoso que serpenteia até o cume. Com o passo curto e rápido, Wolfram Schulze sobe um degrau de cada vez. Ele tem que se curvar para não bater a cabeça.
A escadaria da igreja Lamberti é estreita – característica que se acentua à medida em que se escalam os degraus. Este é o caminho penoso que Wolfram Schulze percorre suspirando baixinho: "Há 15 anos subo esses degraus. Essa é a parte mais difícil do meu trabalho."
Uma profissão em extinção
Wolfram Schulze é um dos últimos guardiões de torre em atividade: só existem outros quatro na Europa. Essa profissão vem de uma tradição da Idade Média, sendo na verdade um anacronismo. Antigamente, os guardiões de torre ficavam no ponto mais alto da cidade para alertar da aproximação de algum inimigo ou da ocorrência de incêndio.
Na Münster do século 21, raramente acontecem fatos do tipo, a não ser que uma equipe de filmagem esteja rodando o episódio de alguma série policial no Principalmarkt, rua tradicional de comércio na cidade. E para incêndios há bombeiros.
Será que hoje uma cidade ainda precisa de um guardião de torre? Antes de responder, Schulze se detém alguns minutos e balança a cabeça: "Não, claro que não. Para quê?", pergunta-se enquanto sobe o último degrau.
Atrás de uma porta pesada abre-se um pequeno quarto. Sobre um piso de madeira de poucos metros quadrados, tudo o que ocupa o espaço é uma mesinha com telefone, um sofá gasto com o charme dos anos 70, um aquecedor móvel e uma cômoda com dois livros. Quartos estudantis em Münster são mais espaçosos.
Mas o fato de esse ser o local de trabalho mais alto da cidade não deixa de provocar em Schulze um certo orgulho. Outro dia, uma senhora telefonou para dizer que se sente segura enquanto ele vigia a cidade à noite. Algo de certa forma irracional, comenta ele, mas que não deixa de despertar um sentimento bom.
Ruídos de hoje e de antigamente
Uma olhada no relógio: são quase nove da noite, hora de Schulze assumir o dever de guardião. Entre as nove e a meia-noite, ele toca um berrante a cada meia hora – como alternativa ao soar do sino. Dirige-se apressado à porta, pega seu instrumento e passa pela varanda estreita que conduz ao Türmestube. O ruído do berrante ecoa pelo Principalmarkt e se mistura ao alarido de um grupo de turistas ao pé da igreja.
Antigamente, quando as casas da cidade eram bem próximas à igreja Lamberti, era praticamente impossível não ouvir o guardião da torre – inclusive porque alguns dos antecessores de Schulze faziam barulho de lá de cima quando ficavam bêbados.
A importância dos observadores noturnos
Apesar de muitos deslizes na profissão, o guardião da torre chegou a ser o homem mais importante no Conselho Municipal de 1777: "Todo o bem-estar público estava nas mãos do guardião", conta Schulze, lembrando que isso faz parte de um passado distante. Ele diz se sentir uma "relíquia viva, uma peça de museu de outro tempo."
Schulze revela suas opiniões com sobriedade, sem deixar notar qualquer nostalgia em sua voz. Ele não precisa de reconhecimento. "Daria até para falar de uma vida fracassada", diz o trabalhador de 65 anos sobre si mesmo. "Tive muitos trabalhos, me candidatei a outros, fiquei desempregado." O trabalho de guardião da torre ele só aceitou por dinheiro.
Hoje ele vê as coisas de uma outra maneira. Ainda pretende trabalhar de bom grado mais dois anos e desfrutar da calma na torre. Durante o serviço, ele já leu mais de 500 livros: Hegel, Schopenhauer, Tolstoi e Nietzsche – esse último é seu filósofo preferido. Os textos filosóficos sempre fascinaram o vigia da torre de Münster.
Schulze gostaria de ter feito carreira acadêmica, mas faltou-lhe o espírito competitivo, como ele mesmo diz. Lá em cima ele não precisa disso e seus pensamentos são livres. "Meus problemas eu deixo lá em baixo. Daqui, eles parecem pequenos e insignificantes. Acho que é por isso que ainda estou aqui", diz Schulze, sorrindo e soprando com força o seu berrante.
Autor: Joscha Weber
Revisão: Simone Lopes