Em vez de nazismo, vamos falar dos problemas do Brasil?
26 de setembro de 2018Tenho que esfregar os olhos de espanto quando abro a minha conta do Facebook: o nazismo teria sido um movimento de esquerda, postam brasileiros conhecidos meus. Só posso torcer que eles nunca esbarrem com os cinco neonazistas que me espancaram no início dos anos 90, na Alemanha, achando que eu fosse um "porco esquerdista". Um encontro com esses caras certamente abriria os olhos desses meus conhecidos. Ou os fecharia de vez.
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Por outro lado, eu tenho que admitir que a localização ideológica anda difícil. Transferir para outros continentes conceitos desenvolvidos a partir de experiências europeias é complicado, até porque no momento, as terminologias se confundem mesmo na Europa.
Culpa da falta de formação escolar? Ou por as gerações mais jovens não terem mais ninguém na família que lhes explique a diferença entre a ditadura nazista e o "socialismo real da Alemanha Oriental"? Eu, pelo menos, me lembro vividamente de conversas com parentes e conhecidos que sofreram sob ditaduras das mais variadas tendências na Europa.
Então, como é que eu posso me queixar da desorientação ideológica aqui no Brasil se há confusão também na Europa? Lá os extremistas radicais de direita e de esquerda se dão as mãos em posicionamentos comuns como o isolamento nacional ou o rechaço da globalização. Em breve, "direita" e "esquerda" pouco vão servir para uma classificação ideológica. Em vez disso, talvez se deva distinguir entre "progressistas abertos para o mundo" e "conservadores fechados para tudo".
"Isolar, ou melhor, fechar as fronteiras!" era também a opinião de muitos brasileiros em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, a qual estampou manchetes umas poucas semanas atrás, devido aos distúrbios xenófobos.
Há alguns dias eu visitei lá um padre que todas as manhãs serve um modesto café da manhã a centenas de refugiados do país vizinho. Para ele, é o seu dever cristão, ele fala de solidariedade e de amor ao próximo e cita a Bíblia. No entanto, muitos de seus concidadãos o insultam por sua generosidade: eles querem ver longe os "comunistas preguiçosos" da República Bolivariana da Venezuela.
O "perigo comunista" – outra palavra-chave que povoa a minha página do Facebook. Friedrich Engels, cuja cidade natal fica a poucos quilômetros da minha, estaria se virando no túmulo. Pois é claro que a semiditadura corrupta da Venezuela nada tem a ver com as ideias do comunismo que, um século e meio atrás, junto com seu amigo Karl Marx, Engels perpetuou no Manifesto Comunista.
Também por isso o PT deveria se distanciar mais claramente do regime de Nicolás Maduro, acho eu. Pois, embora ele próprio tenha sido tachado de "perigo comunista" por seus adversários, como partido governista o PT sempre seguiu as regras básicas da democracia e defendeu a economia de mercado.
Mas é tempo de campanha eleitoral, claro, e todos os lados lançam mão de conceitos ideológicos aniquiladores. "No Brasil faltam patriotas", me disse recentemente um rapaz na Avenida Paulista. Eu lhe perguntei se era patriótico o candidato cujo nome ele portava na camiseta insultar e difamar constantemente a metade dos brasileiros. Ideologias de esquerda não têm lugar no Brasil, ele respondeu, sem atestar onde está escrita tal coisa.
Esquerdistas agora costumam chamar gente como ele de "fascistas", o que igualmente me causa mal-estar. Diante dos milhões de vítimas que o fascismo fez na Europa, sempre tenho dificuldade de empregar o conceito em relação a situações atuais.
É pena que, na presente campanha eleitoral brasileira, se prefira jogar de um lado para o outro conceitos ideológicos de tempos e mundos passados, em vez de falar concretamente sobre como resolver os problemas do país. Será que todos esses conceitos também servem para se esquivar de ações concretas?
Nessas horas eu dou meus parabéns ao padre de Pacaraima. Ele distribui comida entre os venezuelanos famintos, o que eu considero um passo inicial e útil. O bem só existe quando a gente o pratica, costumava dizer o meu pai.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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