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Entenda a operação da PF contra Bolsonaro

Publicado 3 de maio de 2023Última atualização 5 de maio de 2023

Novo caso de suspeita de falsificação de comprovantes de vacinação se soma à série de inquéritos que envolvem ex-presidente. Investigação também mira coronel que já foi personagem de outros escândalos.

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Jair Bolsonaro
Após a operação, o ex-presidente Jair Bolsonaro negou qualquer fraude e disse que não tomou a vacina contra a covid-19Foto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

A Polícia Federal (PF) realizou na quarta-feira (03/05) buscas na residência de Jair Bolsonaro em Brasília e prendeu seis pessoas, entre elas assessores do ex-presidente.

O telefone celular de Bolsonaro foi apreendido pela PF. Ao todo, foram cumpridos 16 mandados de busca e apreensão, que miram militares e políticos do Rio de Janeiro.

A operação, batizada de Venire, investiga a inserção de dados fraudulentos de vacinação contra a covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde, que teriam sido usados para garantir a entrada nos Estados Unidos de Bolsonaro e membros do círculo familiar e pessoal do ex-presidente, burlando a exigência de imunização.

Segundo a PF, o nome da operação é uma referência ao princípio Venire contra factum proprium, que em latim significa "ninguém pode comportar-se contra seus próprios atos".

A nova operação se soma a uma série de investigações em curso que envolvem o ex-presidente. Ao todo, Bolsonaro é alvo de oito inquéritos, que abordam suspeitas de participação no caso das milícias digitais, os ataques golpistas de 8 de janeiro, a tentativa de entrar ilegalmente no país com joias sauditas avaliadas em milhões de reais, ações para desestimular medidas de prevenção na pandemia, suspeita de interferência na PF, ataques ao sistema eleitoral, apologia ao estupro e vazamento de um inquérito sigiloso.

A operação de quarta-feira foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do inquérito das milícias digitais.

Entenda a nova investigação contra Bolsonaro:

Fraude em comprovantes de vacinação

O esquema investigado pela PF aponta que dados falsos de vacinação teriam sido inseridos em dois sistemas do Ministério da Saúde – o Programa Nacional de Imunizações e a Rede Nacional de Dados em Saúde – entre novembro e dezembro de 2022, com o objetivo de gerar comprovantes fraudulentos de vacinação.

Teriam sido forjados comprovantes de vacinação dos seguintes personagens:

  • Ex-presidente Jair Bolsonaro;
  • Laura Bolsonaro, filha de 12 anos de Jair e Michele Bolsonaro;
  • Tenente-coronel Mauro Cid Barbosa;
  • A mulher e a filha do coronel Cid.

Segundo a TV Globo, os sistemas adulterados do Ministério da Saúde chegaram a indicar que duas doses de vacinas da Pfizer contra covid-19 teriam sido aplicadas em Jair Bolsonaro. Após a operação, o ex-presidente negou que ele e a filha tenham se imunizado.

Os suspeitos de participarem do esquema são investigados, segundo a PF, pelos crimes de infração de medida sanitária preventiva, associação criminosa, inserção de dados falsos em sistemas de informação e corrupção de menores.

De acordo com a PF, Bolsonaro tinha ciência da inserção fraudulenta de dados nos sistemas do Ministério da Saúde.

"Jair Bolsonaro, Mauro Cid e, possivelmente, Marcelo Câmara [os dois últimos assessores do ex-presidente] tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento", diz a PF. 

O objetivo da fraude

Segundo a investigação, o esquema fraudulento tinha como objetivo garantir que Jair Bolsonaro e membros do círculo, incluindo sua filha, Laura, e vários assessores e os familiares destes pudessem entrar nos EUA. Bolsonaro se notabilizou durante a pandemia por declarar publicamente que não tomaria a vacina e por espalhar desinformação sobre os imunizantes.

Pelas regras que entraram em vigor nos EUA desde 2021, a entrada a partir do exterior de viajantes não cidadãos e não residentes no país só é permitida com a apresentação de comprovante de vacinação. Recentemente, o governo americano informou que deve acabar com a exigência a partir de 11 de maio de 2023.

"Com isso, tais pessoas puderam emitir os respectivos certificados de vacinação e utilizá-los para burlarem as restrições sanitárias vigentes impostas pelos poderes públicos (Brasil e Estados Unidos) destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa, no caso, a pandemia de covid", diz a Polícia Federal.

Ainda segundo a PF, o grupo teria como objetivo "manter coeso o elemento identitário em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a covid-19" – no que parece uma referência às ações do ex-presidente durante a pandemia, caracterizadas por sabotagem de medidas de prevenção, oposição à vacinação e campanhas de desinformação sobre a doença.

Bolsonaro abandonou o governo em 30 de dezembro e seguiu para o estado americano da Flórida junto com Michele e uma série de assessores, evitando a posse do seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva. Ele retornou ao Brasil em março.

A conexão Goiás e Duque de Caxias (RJ)

Segundo o jornal O Globo, o esquema de fraude nos dados de vacinação começou em Goiás, quando um médico da prefeitura de Cabeceiras preencheu à mão uma série de cartões de vacinação, que incluíam os nomes de Jair Bolsonaro, Laura Bolsonaro, coronel Cid e familiares deste.

Membros do esquema tentaram então inserir as informações no sistema de dados do SUS da prefeitura de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, com o objetivo de obter comprovantes oficiais, necessários para entrar nos EUA.

No entanto, segundo o jornal, o sistema de dados rejeitou a inserção, porque as vacinas indicadas constavam como um lote que havia sido distribuído em Goiás. Os membros do grupo, incluindo o coronel Cid, trocaram uma série de mensagens para tentar contornar o bloqueio. Eles acabaram conseguindo o número de outro lote de vacinas, distribuído no Rio de Janeiro, para inserir os dados sem problemas.

Segundo a reportagem d'O Globo, a PF descobriu que, após imprimir os comprovantes, o grupo tentou apagar seus rastros. De acordo com o jornal, em 27 de dezembro de 2022 – poucos dias antes da viagem de Bolsonaro aos EUA – os dados foram apagados do sistema. Quem procurasse os dados não conseguiria encontrar os registros. Os dados só foram recuperados após uma perícia da PF.

Além dos membros de um núcleo duro formado por ex-assessores, a PF também investiga políticos do Rio de Janeiro que teriam intermediado o esquema, como o deputado federal Gutemberg Reis (MDB-RJ), irmão do ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis, e o ex-vereador carioca Marcello Siciliano (PP-RJ).

Terceiro registro falso de vacina

Na quinta-feira (04/05), foi revelado que a Polícia Federal investiga também um terceiro registro falso de vacina anticovid inserido no sistema de saúde em nome de Bolsonaro.

Esse registro aponta que o ex-presidente teria tomado uma dose do imunizante da Janssen em 19 de julho de 2021 em São Paulo, numa unidade básica de saúde no bairro do Parque Peruche, zona norte da cidade, antes ainda das supostas doses da Pfizer em 2022.

Segundo o portal G1, a prefeitura de São Paulo registrou um boletim de ocorrência em 9 de janeiro deste ano após constar no sistema de registro de vacinas estadual, o Vacivida, que Bolsonaro tomou a dose no posto paulistano. A gestão municipal informou que, apesar do registro, a unidade de saúde nunca fez atendimento ao ex-presidente, nem recebeu o lote da vacina apontada.

A fraude é investigada também pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Os presos

Tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid

A Polícia Federal colheu provas do esquema por meio da quebra de sigilo das comunicações do tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid, ou "coronel Cida", que atuou como ajudante de ordens do ex-presidente. Preso na quarta, Cid é um personagem que já apareceu em outros escândalos da era Bolsonaro. Ele é filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, um antigo colega de Bolsonaro na Academia das Agulhas Negras. Durante o governo Bolsonaro, o coronel Cid se tornou um notório "faz tudo" do então presidente.

O nome do tenente-coronel já apareceu no inquérito do STF que investiga a organização e o financiamento de atos antidemocráticos e também é apontado como participante em ações de desinformação executadas por Bolsonaro para contestar a segurança das urnas eletrônicas e vacinas.

No último caso, a PF apontou que ele teve participação direta na notória live de Bolsonaro que associou falsamente vacinas ao risco de contrair HIV.  Mais recentemente, Cid foi um dos personagens centrais do escândalo envolvendo a entrada ilegal de joias sauditas avaliadas em milhões de reais.

João Carlos de Sousa Brecha

O secretário municipal de Governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Sousa Brecha, suspeito de inserir de maneira fraudulenta os dados de vacinação para beneficiar as famílias de Bolsonaro e do coronel Cid. Brecha faz parte do grupo político do ex-prefeito da cidade, Washington Reis, um aliado de Bolsonaro.

Max Guilherme

Sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Max Guilherme atua como segurança de Bolsonaro. Na última segunda-feira, ele esteve ao lado do ex-presidente durante uma visita à Agrishow, feira de tecnologia agrícola que ocorre anualmente em Ribeirão Preto (SP). Ele também fez parte da comitiva que viajou com Bolsonaro aos EUA no final de 2022, antes da posse de Lula. Hoje ele ocupa um dos cargos de assessor a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente. Max Guilherme também foi candidato a deputado federal no Rio de Janeiro nas últimas eleições, mas não foi eleito. Ele entrou na disputa como "Max Bolsonaro", mas o nome foi barrado pela Justiça Eleitoral.

Sergio Rocha Cordeiro

Capitão da reserva, Sérgio Rocha Cordeiro também atua como segurança de Bolsonaro e esteve na comitiva que foi aos EUA. Ele também é dono do imóvel no Diustrito Federal onde o ex-presidente passou a fazer suas lives de campanha em 2022 após ser impedido pela Justiça de usar o Alvorada para tal finalidade. Assim como Guilherme, Cordeiro ocupa um dos cargos de assessor a que Bolsonaro tem direito como ex-presidente.

Luis Marcos dos Reis

Antigo supervisor a Ajudância de Ordens da Presidência da República, o segundo-sargento Luis Marcos dos Reis trabalhou diretamente com Bolsonaro e o coronel Cid desde o início de 2019 até agosto de 2022. Depois disso, foi transferido para um cargo no Ministério do Turismo. Nos anos 2010, ele também atupou como motorista de Eduardo Villas-Boas, ex-comandante do Exército.

Ailton Moraes Barros

Ex-major do Exército, Ailton Gonçalves Moraes Barros foi candidato pelo PL a deputado estadual no Rio de Janeiro em 2022. Ele se apresentou como "01 do Bolsonaro no Rio de Janeiro" durante a campanha. Ele conseguiu a suplência durante a eleição. Durante a campanha, ele publicou fotos ao lado do presidente.

Em 2006, quando ainda estava no Exército, Ailton Barros foi apontado como negociador, com traficantes do Comando Vermelho para a devolução de dez fuzis e uma pistola roubados de um quartel. O caso vazou para a imprensa e Barros acabou acabou expulso do Exército pouco depois, após acumular uma série de processos na Justiça Militar que incluíam tentativa de abuso sexual de civis em acampamentos, mentiras em depoimentos e humilhação de militares de menor patente.

Possíveis implicações nos EUA

Segundo o site da embaixada americana no Brasil, quem chega aos EUA precisa estar ciente que informar dados falsos para entrar no país pode ser indicado por fraude.

"As consequências são sérias. Se você cometer fraude, você não receberá o benefício imigratório que você busca. Você também pode enfrentar multas ou prisão ", diz o site.

Segundo a legislação americana, a punição para quem fornece dados falsos pode chegar a até 10 anos de prisão.

Não está claro se Bolsonaro mostrou algum comprovante falso para entrar nos EUA. Como viajou aos EUA quando ainda cumpria mandato, o ex-presidente ainda contava com privilégios diplomáticos, que dispensavam apresentação de comprovantes.

Reações

Após a operação, Bolsonaro negou qualquer fraude e disse que não tomou a vacina contra a covid-19, assim como sua filha, Laura Bolsonaro. "Não tomei a vacina. Nunca me foi pedido cartão de vacina [para entrar nos EUA]. Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina, ponto final. Nunca neguei isso. Havia gente que me pressionava para tomar, natural. Mas não tomava, porque li a bula da Pfizer", disse o ex-presidente.

Em sua conta no Instagram, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também se manifestou e negou que seu celular tenha sido apreendido, como foi divulgado mais cedo pela imprensa. "Hoje a PF fez uma busca e apreensão na nossa casa, não sabemos o motivo e nem o nosso advogado não teve acesso aos autos. Apenas o celular do meu marido foi apreendido. Ficamos sabendo, pela imprensa, que o motivo seria 'falsificação de cartão de vacina' do meu marido e de nossa filha Laura. Na minha casa, apenas EU fui vacinada", escreveu Michelle.

O presidente do PL, partido de Bolsonaro, Valdemar Costa Neto defendeu o ex-presidente em um tuite. "Bolsonaro é uma pessoa correta, íntegra, que melhorou o país e procurava sempre seguir a lei". Valdemar ainda disse que confia que todas as dúvidas da Justiça serão esclarecidas e "que ficará provado que Bolsonaro não cometeu ilegalidades".

O presidente Lula evitou comentar publicamente o caso envolvendo seu adversário político, mas publicou uma mensagem no Twitter que foi interpreta por seus apoiadores como uma pequena celebração. "Bom dia e boa quarta-feira!", escreveu o presidente, quando a operação já havia sido divulgada pela imprensa.

Já o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, foi direto. "Falsificar dados oficiais do Governo para falsificar documentos pessoais e corromper menor de idade para entrar em território estrangeiro descumprindo as leis locais. Filme de criminoso internacional? Não, o ex-presidente da República! Bolsonaro precisa pagar pelos seus crimes!", escreveu o ministro no Twitter.