Epidemia de ebola leva desconfiança e atraso à Libéria
21 de agosto de 2014Há dias o liberiano Edwin Snorton, de 17 anos, não vai à escola, fechada pelas autoridades da capital Monróvia devido à epidemia de ebola que assola o país. "Sinto falta dos meus amigos", reclama o rapaz, enquanto passa, desanimado, a bola de futebol ao colega Victor Seah.
"Essa epidemia é um atraso para a nossa sociedade. Sobretudo para nós, jovens, é um chute na canela", reclama Victor. Ele comenta que o surto de ebola o remete à recente guerra civil no país. "Nestes últimos anos de paz, vínhamos tentando nos recuperar, nos desenvolver. Agora, essa crise nos jogou lá para trás de novo."
Trauma da guerra
Os moradores da Libéria vivem em estado de emergência. Bairros inteiros foram colocados em quarentena e vigora o toque de recolher noturno. Segundo testemunhas, na quarta-feira (20/08) policiais de Monróvia usaram gás lacrimogêneo para impedir que moradores avançassem os limites de áreas isoladas devido ao vírus.
A Libéria, Serra Leoa e Guiné são, até agora, os países mais afetados pela pandemia. O número de mortos já passa de 1.300, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). "Até que as campanhas de esclarecimento da população alcancem todo mundo, leva tempo", observa Asja Hanano, diretora do escritório na Libéria da ONG alemã Welthungerhilfe.
Ela conta que é grande a desconfiança da população em relação ao governo liberiano e à ajuda ocidental. E um dos motivos ainda é o trauma deixado pelos 14 anos de guerra civil no país. "Muita gente aqui não confia em mais ninguém", revela Hanano.
Medidas para confiança
Na tentativa de ajudar a aumentar a confiança da população nas medidas adotadas pelo governo, Jefferson Massa espalha a mensagem através do meio de comunicação mais básico: o rádio. "O ebola está aqui e pode matar. Mas o que é esse tal de ebola?", pergunta o locutor da estação Gbarnga.
O radiojornalista da pequena cidade de Gbarnga, a cerca de quatro horas de carro de Monróvia, tenta "esclarecer as coisas com mensagens simples". "Evitem contato direto com pessoas que mostrem sinais de contaminação com ebola. Prestem atenção se vocês apresentam uma febre duradoura ou se estão vomitando", ensina.
A mensagem é transmitida nos diversos idiomas locais. "O inglês padrão falado pelos médicos aqui não é compreendido por muita gente", explica Massa. Ele e seus colegas produziram jingles e pequenas peças de rádio, que apresentam no programa. Diariamente eles transmitem, a seus cerca de 800 mil ouvintes, notícias sobre a epidemia obtidas diretamente do Ministério liberiano da Saúde.
Massa acaba de voltar de um encontro com o comando municipal de operações em saúde, onde teve acesso a novas estatísticas e às mais recentes decisões das autoridades. O comando municipal tem reconhecido a importância do rádio, afirma. "Fazemos parte de uma campanha de mobilização social. Na rádio, podemos fazer o elo entre pacientes com suspeita de ter contraído o vírus e a equipe de saúde local que irá atendê-lo."
O jornalista ressalta que a situação é bem dramática. Apenas em Gbarnga foram comprovadas 30 mortes por ebola, outras 100 estão sendo investigadas. "E o pior disso tudo é que os dois hospitais da região estão fechados." Segundo os funcionários, não estão mais disponíveis roupas de proteção ao contágio, nem medicamentos para distribuição. Desde o início do surto, julho, cinco enfermeiras foram vítimas da doença.
Efeito a longo prazo
Na opinião do assistente social ZubahYenego, não se pode ignorar que um surto dessa proporção pode ainda deixar consequências psicológicas. "A epidemia de ebola tem assustado muito os jovens. Ninguém quer mais encostar no outro. As pessoas estão com medo."
Varney Karneh, colega de Zubah, lembra ainda que tanto a interatividade social das comunidades qunato os rituais de longa tradição no país sofrem forte impacto. Ele cita como exemplo um típico cumprimento da Libéria, que consiste em dar a mão e em seguida estalar os dedos. "Por causa do ebola, todos esses rituais estão desaparecendo", constata.
Outro problema seria o desastroso tratamento médico no país, sublinha. E não apenas no interior, mas também na capital Monróvia. "Eu não consigo mais receber meus medicamentos regularmente, porque as enfermeiras estão em greve", aponta o assistente social.